imagem: google

 

por Laís Mikeyla, Tathielly Sanchez e Thaís Schoffen

 

            No atual contexto pandêmico em que estamos vivendo, desde março de 2020, em específico no Brasil, em que os casos só aumentam e a demanda de vacinas não é suficiente para a sexta maior população do mundo, todas as atividades e rotinas viraram de cabeça para baixo. Todos tiveram que se adaptar a um novo mundo, com novas regras e precauções. As escolas são um grande exemplo disso, com todo o trabalho de educadores e professores e toda a adaptação que se fez necessária (e às pressas). Professores trabalham em dobro e os alunos enfrentam muitas dificuldades, no que concerne aos aspectos cognitivos e psicológicos.

           Muitas escolas não possuem estrutura para um ensino remoto. Professores tiveram que aprender a utilizar novos processos como: trabalhar com novas plataformas, lidar com novas metodologias, com quedas de internet e, principalmente dificuldades pela falta de contato presencial, a queixa principal. Nas escolas como a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), que têm como finalidade a prevenção de deficiências, promover a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência e sua inclusão social, a dificuldade é ainda maior, pela necessidade de atenção dos alunos também exigir mais dos profissionais.

           O Consoante conversou com Olívia (nome fictício) mãe de uma criança de 7 anos que frequenta a APAE sobre as mudanças em sua rotina e as dificuldades que a pandemia trouxe. Segundo essa mãe, conciliar a rotina de trabalho com a do filho não é nada fácil, em especial pelo filho ser do espectro autista e demandar muita atenção e cuidado. Para trabalhar no período da manhã, ela precisa ficar na área externa de casa por conta da sensibilidade do filho ao barulho, mesmo em dias de frio e chuva. Ela também relata que teve que sair de muitas clínicas que eram responsáveis pela terapia do filho, pela falta de cuidado básico na pandemia. Muitos profissionais não faziam o uso correto de máscara, o que a deixou muito preocupada, já que as crianças que necessitam da terapia já possuem muitas limitações, comunicativas, físicas, cognitivas e sensoriais. “O meu filho é asmático e a gente só percebe quando ele está tendo uma crise de asma e quando isso está em ponto mais grave, porque ele não consegue se comunicar”.

            Mesmo tentando conversar com as clínicas algumas prosseguiram com as faltas de cuidado. Ela discorreu ainda que além das questões de terapia ela precisa auxiliar o filho nas atividades escolares da APAE. “Eu não acredito muito no ensino remoto, ainda menos para uma criança com necessidades especiais. Eu sou professora e também sei das limitações do meu filho. Eu vejo que a APAE possui uma dedicação muito grande, com os materiais, inclusive plastificado, porém, tem professor que, infelizmente, não teve um preparo. As aulas não são cativantes nem para mim, quem dirá para uma criança com déficit de atenção”. A mãe ressalta, também, que o aprendizado não é efetivo e não atende a necessidade especial de cada aluno. Ela recorre muitas vezes às atividades da terapia ABA (Applied Behavior Analysis , em português, Análise Comportamental Aplicada) que já pratica regularmente com o filho como forma de adaptar as atividades escolares. O contexto pandêmico dificulta e afeta muito a rotina dos brasileiros, as adaptações de algumas atividades remotas não substituem o modelo presencial, e para as pessoas com necessidades especiais a dificuldade é ainda maior.

            O trabalho psicopedagógico é uma opção para acompanhar alunos que possuem alguma necessidade especial no momento da aprendizagem. O profissional psicopedagogo busca estratégias adequadas de ensino que possam alcançar o desenvolvimento do indivíduo que necessita de uma intervenção pedagógica diferenciada. Essas intervenções podem acontecer por meio de atendimentos individuais ou como um suporte dentro da própria escola. 

            Aroldo Pereira da Rosa é psicopedagogo clínico e mestrando em Letras. Atende em uma clínica de Maringá voltada para crianças com dificuldade de aprendizagem e afirma que o contexto pandêmico mudou, e muito, a sua rotina de atendimentos. Aroldo atende individualmente um público bem variado, que é composto em sua maioria por crianças e adolescentes do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), com Síndrome de Down, com paralisia cerebral, com transtorno de déficit de atenção (TDH) e com hiperatividade. Ele diz que os atendimentos on-line não são uma opção nesses casos e foi preciso o contato presencial com cuidados constantes. “Quando fomos autorizados a retornar com nossos atendimentos fizemos uma consulta com as famílias, avaliando quais casos iriam retornar e quais – devido a comorbidades – iriam permanecer com o atendimento suspenso. Tendo essas informações em mãos, organizamos um planejamento que nos permitisse fazer o atendimento e ter uma pequena janela de tempo disponível para podermos realizar a higienização do local”, explica Aroldo.

            O atendimento presencial no contexto da crise sanitária trouxe grandes dificuldades, segundo o psicopedagogo. “A primeira grande dificuldade que enfrentamos nessa pandemia tem relação com os cuidados, visto que muitas crianças não aceitam usar a máscara, devido a questões sensoriais, e outras nem podem utilizar por não ter autonomia para retirá-las se necessário. Além disso, atendemos crianças que levam as mãos e objetos à boca constantemente, o que requer cuidado constante e redobrado”.

            Aroldo Rosa também destaca como a quebra de rotina foi impactante para seus alunos. Por mais que os atendimentos psicopedagógicos ocorressem de maneira presencial, o ensino regular desses alunos deu-se de forma on-line durante todo o ano de 2020 e o da maioria continua acontecendo da mesma forma em 2021. Muitos alunos com necessidades especiais apresentam quadros de ansiedade diante da não previsibilidade dos eventos. O ensino on-line, um modelo de aprendizagem completamente novo, gerou, também, complicações nesse sentido. O profissional ainda coloca como dificuldade a pouca acessibilidade nas escolas para que os alunos com necessidades especiais possam realizar suas atividades, como a presença de um auxiliar para alunos com dificuldades motoras, que acabou por não acontecer nas aulas on-line.

             Os alunos TEA, conforme o psicopedagogo, apresentam muitas dificuldades para adaptar-se ao ensino em casa por possuírem um nível maior de intolerância e, assim, recusarem-se a desenvolver às atividades on-line. “Um aluno meu, autista, me disse certa vez que da mesma forma como não dormia ou tomava banho na escola ele não deveria estudar em casa. Isso serve de exemplo a respeito da dificuldade de generalização e inflexibilidade de algumas crianças”, argumenta.

            As dificuldades criadas pela falta de acessibilidade nas escolas são velhas conhecidas dos alunos com necessidades especiais. Porém, o ensino remoto emergencial acabou por potencializar muitas dessas dificuldades em todos os níveis da educação básica e superior.

            E como fica esse o cenário no ensino superior? A Universidade Estadual de Maringá (UEM) conta com o Programa Multidisciplinar de Pesquisa e Apoio à Pessoa com Deficiência e Necessidades Educativas Especiais, o PROPAE, que desenvolve ações para viabilizar o ingresso, a permanência e a terminalidade dos estudos aos acadêmicos com necessidades educacionais especiais. Contudo, professores e alunos envolvidos no programa, tanto os calouros quanto os veteranos, demonstraram grande preocupação com o início do ensino remoto emergencial, disse a responsável pelos serviços de secretaria do programa, Tânia Eliza. Isso acontece pois o PROPAE é responsável por questões que envolvem a acessibilidade, nas suas diferentes expressões, tradutores intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras), materiais em braille ou em fonte ampliada e, principalmente, a monitoria especial.

             Há, vinculado ao PROPAE, um programa de ensino, a Monitoria Especial, que implica numa ação mediadora de apoio, realizada por bolsistas que dedicam 12 horas semanais ao acompanhamento de acadêmicos com necessidades educacionais especiais. No entanto, com o contexto da atual crise sanitária, alguns dos serviços foram suspensos e outros parcialmente afetados – a monitoria, por exemplo, que consiste num sistema de apoio imprescindível para parte dos alunos ligados ao programa, continuou sendo desenvolvida, mas com adaptações, tendo sua execução limitada ao espaço virtual.

             Apesar das dificuldades, hoje o PROPAE tenta contornar a situação da melhor forma possível, explica Celma Rodriguero, professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação e coordenadora do Programa. “A assistência aos alunos continua ocorrendo, com atendimentos individuais ou coletivos via remota, no sentido de conhecer a demanda de cada um, além de ouvirmos alunos e orientarmos docentes e coordenadores de curso quanto às diferentes necessidades até a sugestão de quais as plataformas online são mais acessíveis para estudos – o Google Meet, por exemplo, é uma das mais acessíveis para acadêmicos com deficiência visual. Também continuamos com a adaptação de materiais, intermediamos o acesso dos alunos ao programa de empréstimo de equipamentos e pacotes de internet, fornecidos pela Universidade”.

              Rafael Assunção e Myllena Carvalho, alunos da UEM e que atuaram como bolsistas do Projeto de Extensão ‘Recursos Alternativos para Alunos com Deficiência e Necessidades Educacionais Especiais no Ensino Superior’ vinculado ao PROPAE, também ressaltaram o papel do Programa durante a pandemia. “Por ser um direito de todos, o PROPAE é um programa necessário, pois é muito importante para que os alunos que apresentam alguma necessidade especial possam superar eventuais barreiras que obstaculizam o acesso ao conhecimento científico, através dos recursos especiais oferecidos pelo programa”, destacam os bolsistas.

             Corroborando essas declarações, Juliana Aguado, aluna de Letras assistida pelo programa, afirma que muitos recursos necessários são oferecidos de acordo com cada dificuldade e que o atendimento que recebe é extremamente satisfatório. Contudo, por diferentes motivos, desde desconhecer a existência do programa, até a opção por não buscar o atendimento, nem todos os alunos recebem esse nível de assistência.

 

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