Alex Alves Egido é professor adjunto na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Doutor em Estudos da Linguagem, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), com período sanduíche na Michigan State University (MSU). Alex Egido esteve presente no III Integra PLE (6 e 7 de julho), quando proferiu palestra intitulada “Entre chamas e formulários, escolhemos nos envolver: uma conversa sobre ética em pesquisa”. Aproveitando sua presença no evento promovido pelo Programa de Pós-graduação em Letras, o professor concedeu entrevista a um trio de alunas do curso da graduação em Letras da UEM.

por Barbara Hoffmann, Estéfani Ferreira, Isadora Zubioli

O Consoante: Queremos agradecer, primeiramente, pela palestra proferida e gostaríamos que você contasse um pouco sobre a sua trajetória acadêmica e o que te levou a esse interesse pelos estudos da ética em pesquisa?

Alex Egido: Diria que muitas das nossas escolhas dentro da universidade, da nossa trajetória acadêmica, são construídas a partir das relações que nós temos. Então, eu diria que esse meu interesse inicial, já no primeiro ano da graduação, há quase uma década, sobre ética, diz muito sobre as relações que eu tive naquele momento com a minha orientadora de Iniciação Científica, já no primeiro semestre da graduação, a professora Simone Reis. Atrelo muito essa escolha à temática da ética logo nesse início a ela. Eu me lembro da nossa primeira conversa, e ela disse assim “Olha, talvez a ética seja um tema interessante para você, se você quiser amadurecer a ideia”. E na época, eu dizia: “Mas eu nunca vi nada sobre isso”, e aí ela disse: “Mas você pode ser conhecido só por essa temática, se você pesquisar ela em toda a sua trajetória acadêmica”, e veja, cá estamos nós, eu sendo entrevistado justamente sobre ética em pesquisa. Meu mestrado, meu doutorado e minhas iniciações científicas, as pesquisas que eu oriento, todas voltadas para a ética em pesquisa ou sobre o ensino e aprendizagem de línguas.

OC: Até que momento é adequado esse trabalho na relação pesquisador-participante, sem perder o caráter de distanciamento do pesquisador, da não subjetividade?

AE: Acho que quando pensamos na relação pesquisador-participantes, nós temos uma força motriz muito grande, que vem de áreas de conhecimento que são tidas como duras, como as Ciências Exatas e Ciências Biológicas, que nos dizem há centenas de anos que essa relação pesquisador-participante tem que ser uma relação distante, que não podemos nos envolver muito, que eles podem “contaminar” nossos dados, isso com muitas aspas. Eu já parto de uma visão de pesquisa em que pesquisar e viver são sinônimos de se envolver. Dessa forma, eu acho que a gente não tem que ficar distante do participante. E essa subjetividade que muitos pesquisadores dizem conseguir apagar por ficarem distantes de seus participantes é mito. A gente não consegue não ser quem nós somos só porque estamos fazendo uma pesquisa. A nossa empatia, a nossa relação com o outro impacta quando nós escrevemos nossos textos, impacta o que vamos olhar nos dados. Assim, eu diria que eu não compartilho muito de uma visão de pesquisa distante, de “Ai, eu não posso me envolver com aquela pessoa porque eu sou o participante, e ela é o pesquisador”. Muito pelo contrário, o participante tem que se sentir extremamente confortável em fazer parte dos nossos estudos, para querer repetir essas experiências. Se for uma relação distante, ele não vai se lembrar de nós. Logo, essa relação tem que ser muito mais íntima do que dita neutra. E aí, lembremos: “Neutro não é nem detergente”.

OC: Existe algum movimento para a mudança de certos critérios utilizados pelos comitês de ética para pesquisas na área de Ciências Humanas e Sociais no Brasil, levando a um olhar mais humano? Se sim, acredita que tenha tido algum avanço nesse processo?

AE: Nós temos visto algumas mudanças. Por exemplo, o comitê de ética e toda a sua institucionalização já datam de algumas décadas no Brasil. Desde o final de 1988, início da década de 1990, nós já temos resoluções voltadas ao comitê de ética, mas uma ação em específico, pensando em um comitê de ética para as Ciências Humanas, é uma resolução, por exemplo, de 2015. Eu vejo que nós tivemos aí mais de uma década de existência dos comitês sem nenhum movimento – amplamente divulgado – para olhar para as pesquisas das Ciências Humanas e Sociais. Agora, nós estamos tendo uma consulta pública também, um movimento para tentar fazer mais uma atualização. Contudo, pela minha experiência, tenho o entendimento que as mudanças do sistema nunca acompanham a vida social. Eu sempre olho para os comitês de ética como atrasados. Veja nossa discussão aqui durante a palestra há pouco. O comitê de ética, institucionalmente, não consegue capturar isso ainda. E isso, a gente pode tomar o mesmo para as universidades, onde, muitas vezes, as pessoas veem o descompasso entre o que acontece na sala de aula e como se torna um professor, porque as instituições demoram para se atualizar, por “n” fatores burocráticos. Então, eu entendo o porquê da morosidade, embora eu a questione muito. 

OC: Como lidar com esse respeito e humanidade com o outro quando há tanta demanda burocrática?

AE: Eu gosto muito de uma fala do filósofo francês Emmanuel Levinas, que diz que a sensibilidade é o que quebra, que demole qualquer sistema. Acho que a compreensão que, por mais intensa que seja a burocracia, ela nunca dá conta das relações humanas. O comitê de ética vai dizer para nós como devemos agir, quais documentos precisamos apresentar aos participantes, como essa relação idealmente deve ser. Só que, se nós chegamos no nosso contexto de pesquisa, se o participante, por exemplo, decidir te abraçar ao invés de pegar na sua mão, porque, culturalmente, no lugar onde ele mora, onde ele trabalha, as pessoas se abraçam, como que você vai argumentar “Não, não posso”?, “Não, eu tenho que manter uma relação distante com você porque outra pessoa que não é do nosso convívio decidiu que eu não poderia abraçar você e tem que ser assim”. Vejo muito isso no contexto em que atuo, que é uma universidade federal, mas o vínculo humano, as pessoas, todos os meus alunos, ou eles pegam na minha mão ou eles me abraçam. E eu como sulista, no começo ficava assim … Nós não somos… A gente tem esse vínculo humano mas não é tão intenso. Acho que vocês não chegam abraçando todos os professores em todas as aulas e isso é cultural. Isso é para mostrar que as instituições nunca conseguem acompanhar esses tipos de relações humanas. A burocratização é importante, ela surge de uma demanda social, não desmereço, não apago isso, mas ela não dá conta. Eu diria que é necessário uma consciência de pesquisadores de que precisamos atender essas demandas burocráticas, mas conscientes que elas não dão conta. E aí essa minha fala de que a gente precisa sempre primeiro conhecer o sistema para depois demolir ou questioná-lo, a gente também não pode passar muito tempo conhecendo o sistema, se não só vai sobrar os 44 do 2º tempo só para a gente questionar, aí fala assim “Nossa, acabou meu fôlego”. Então, penso que esse equilíbrio é muito importante e esse autoquestionar o tempo todo: “Será que isso, esse documento que eu estou criando, cumpre com o que entendo ser ético para a minha pesquisa?”. No meu caso, muitas vezes, não.

OC: E quais as perspectivas futuras no desenvolvimento de pesquisas que discutem uma ética emancipatória?

AE: Eu diria que temos avançado muito quando olhamos para a última década, por exemplo, em termos de publicação. Há uma década, eram quase inexistentes publicações voltadas para a ética em pesquisa na área das Ciências Humanas e Sociais. No Brasil, na nossa área de linguística aplicada, tínhamos duas ou três publicações; hoje, quando você faz uma busca, encontra dezenas de publicações. Logo, isso já é um indicativo de que, em termos de publicação de conhecimento, produção de textos acadêmicos, isso tem crescido. O que entendo também revela esse cuidado ético mais próximo que acontece na prática, nos contextos em que nós investimos. No entanto, ainda sinto que muitos dos relatos de pesquisa não dão espaço suficiente para relatar essa ética que eles colocam na prática. Então, entendo que a maioria de nós, pesquisadores, das Ciências Humanas e Sociais, temos uma relação ética muito boa com os nossos participantes. Por notar uma pesquisa, uma perspectiva de pesquisa qualitativa, temos essa proximidade maior, diria que já é quase consenso essa não neutralidade. Já entendemos, enquanto pesquisadores qualitativos, que esse vínculo pode acontecer, só que muito pouco espaço temos dedicado no trabalho escrito para discutir isso. Vejo que nos preocupamos tanto com o cânone acadêmico, “Ai, tenho que ter referencial teórico redondinho”, “Tenho que ter uma metodologia completa”, “Tenho que ter uma análise que dê conta de tudo”. Não sobra espaço para falar assim “Olha, minha relação com o participante foi boa, a gente construiu essa relação durante tantos encontros”, “Eu consegui fazer o retorno com ele, nós conversávamos com ele também formalmente para eu conhecer sobre o perfil dele”. Tudo isso escapa dos relatos de pesquisa porque está todo mundo preocupado com o cânone. Penso que esse é um dos aspectos ainda que precisamos avançar muito, passar a escrever mais nos nossos relatos de pesquisa com o que nós realmente pesquisamos e quais são as nossas incertezas, nossos medos, esses atritos que, às vezes, geralmente surgem entre nós, pesquisadores e os participantes. Que muitos dos relatos de pesquisa que nós sempre lemos são contos de fadas, nada dá errado. É muito raramente que você encontra um relato de pesquisa que o pesquisador diz assim “Nossa, deu errado minha primeira entrevista, tive que fazer outra”. Não, geralmente pesquisadores omitem o que deu errado, fazem até dar certo e relatam só o certo. E aí quando nós, pesquisadores, fazemos os nossos estudos e algo dá errado, você pensa assim: “Poxa, só acontece comigo?”. Isso acaba por criar um imaginário que fazer pesquisa é sempre coerente, é sempre harmônico. Não, pesquisa também é embate, pesquisa também é imprevisibilidade, pesquisa também são esses dilemas éticos para os quais nem eu nem você estamos preparados. Há vários dilemas éticos que em momentos como esse nosso do evento, às vezes, a pessoa traz um dilema e fala “Nossa, aconteceu isso comigo”, o que que era o certo de responder? Como que eu deveria ter feito? Eu não sei, e eu estou há dez anos estudando a temática. Então, é para mostrar que essa imprevisibilidade também é muito boa porque nós crescemos nela. Em síntese, entendo que esses seriam alguns indicativos que vejo que nós ainda precisamos avançar muito mais e, além de avançar, nos envolver mais com os participantes e também com esses relatos mais humanos de pesquisa.

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