imagem: https://www.andes.sindoif.org.br/2020/05/24/o-ensino-remoto-a-pandemia-e-a-educacao-do-faz-de-conta/

 

por Fabiana Floss, Priscila de Souza e Tiago Guimarães

 

           Em uma tarde do mês de março de 2020, a professora Janaína estava ligando para seu técnico de confiança. A partir daquele dia as aulas presenciais estavam suspensas e os professores de sua escola gravariam aulas utilizando o aplicativo Loon, uma ferramenta parcialmente gratuita para gravação de vídeos a partir da tela do computador. As dúvidas da professora eram diversas, desde a instalação do programa até como operá-lo. Janaína se sentia perdida. Na semana seguinte, o técnico foi novamente contactado, pois, ao ministrar uma aula online pelo Google Meet, textos que ela mostrava para a câmera apareciam ao contrário. A história da professora Janaína não é diferente da de tantos outros professores espalhados pelo Brasil, que viram suas salas de aula serem transferidas para dentro de suas casas e com isso a necessidade de dominar diversas ferramentas e conhecimentos técnicos para que o ensino on-line acontecesse.

          Do outro lado da tela do computador, é possível ver diversos pais com seus filhos em casa, muitas vezes sem acesso à internet ou sem equipamentos necessários para assistirem às aulas remotas. Presenciam-se diversos relatos de alunos utilizando celulares em espaços públicos, aproveitando a internet sem fio (WiFi) disponibilizada por algumas empresas para seus clientes.

         Em toda essa história que relaciona pandemia, tecnologia e educação, essa moeda possui uma quarta face, o mercado de tecnologia. Esse foi rapidamente aquecido devido às necessidades da população, o que gerou uma alta demanda por peças, que se somou à alta do dólar, que quase bateu a marca dos R$6,00. Segundo o website Adrenaline, que realiza diversas pesquisas sobre o mercado de informática, um computador pessoal básico, denominado por eles como “Pc da crise” que custava em torno de 1,5 mil reais teve um aumento de cerca de 60%. Jader Almeida, técnico em informática há mais de 10 anos, relata um crescimento muito grande nas vendas de mouses, webcams, teclados e impressoras. E destaca que houve um alto índice de clientes buscando “ressuscitar” computadores que não utilizavam mais. Essas dificuldades tecnológicas em meio a pandemia revelam as condições objetivas e intelectuais que passam professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem.

A tecnologia na escola pública

             A ascensão tecnológica esteve atrelada, desde o seu surgimento, com a educação. Fala-se muito sobre o acesso ao mundo tecnológico por meio dela, também, essa é a era virtual onde o mundo está ao alcance das mãos por meio da tecnologia, mas, os questionamentos são: As escolas estão equipadas e preparadas para o acesso a esse mundo tecnológico? Que tipo de equipamento existe dentro das escolas? Como eles contribuem para a educação? A resposta é evidente e se encontra muito distante daquilo que as propagandas governamentais mostram.

            Nas escolas públicas, depara-se com uma estrutura totalmente ultrapassada e, na maioria dos casos, deteriorada. Televisores CRT – mais conhecidos como televisores de tubo -, não funcionam ou não aceitam ler determinados pen-drives ou formatos de arquivos específicos. Os projetores deteriorados devido ao tempo são de péssima qualidade e foram adquiridos por meio de licitações de compra. Quando se fala em laboratório de informática, sabe-se que nem sempre são utilizados. Primeiramente, porque são computadores de configuração extremamente simples, o que impossibilita um trabalho com diversas ferramentas atuais de forma ágil. Essas máquinas foram adquiridas por meio de pregão licitatório há muito tempo e nunca foram atualizadas, pois o sistema de educação não possui pessoal e nem logística para manutenção desses equipamentos, tornando-se ultrapassados anos após ano. Segundo, as escolas públicas não possuem internet que seja adequada e de qualidade para a utilização das ferramentas. Muitas delas compram equipamentos por meio de promoções para conseguir melhorar um pouco a conexão sem fio, pois esta é usada atualmente para que os professores possam realizar a chamada em sala de aula. Pode-se afirmar que os celulares dos alunos possuem melhor poder de processamento e melhor internet do que os computadores disponibilizados no laboratório de informática.

            Outra questão é a de que a escola possui equipamentos precários, mas não existe a oferta de disciplinas específicas voltadas ao uso dessas tecnologias, seja na área de programação, design gráfico, uso de ferramentas para diversas áreas de formação, seja na integração das disciplinas básicas com o ambiente tecnológico. E não basta levar os estudantes para uma pesquisa no “laboratório de informática”. O aluno faz isso na palma da sua mão e, na maioria das vezes, muito mais rápido. Para o professor Paulo Inada, docente do curso de Biologia da Universidade Estadual de Maringá, deve-se saber separar aquilo que é a tecnologia do dia a dia, o uso de computadores, celulares, carros e outros equipamentos que fazem parte da nossa rotina, daquilo que seria uma educação tecnológica.

           Inada destaca que não basta simplesmente fornecer equipamento para a escola e para os professores sem que aconteça o treinamento e estudo necessário para que essas ferramentas sejam inseridas no processo de aprendizagem, que é diferente de simplesmente utilizar um computador ou projetor para dar aulas presenciais da mesma maneira que é dada sem o uso desses equipamentos. Essa formação também deve ser contínua tanto para professor quanto para aluno, para que ambos possam desenvolver suas habilidades tecnológicas. “Ensinar o aluno em sala de aula com tecnologia envolve várias situações em que não é só apresentar a tecnologia no datashow, na televisão na frente deles, no celular ou em qualquer outro recurso multimídia no computador. Envolve um processo muito mais complexo que é o de compreender o conteúdo por meio da interação com o professor e com os materiais didáticos inseridos no meio tecnológico. Mas esse processo não acontece de forma rápida”, explica o professor.

Tecnologia, exclusão e desigualdade escolar 

            A discrepância entre educação e tecnologia acentuou-se com a situação inusitada enfrentada pelos estudantes frente à pandemia de Covid-19, mediante o estado de emergência das aulas remotas e o abismo já existente entre os ensinos público e privado no Brasil. O resultado observado é a reprodução das desigualdades prevalentes e exacerbadas na sociedade. 

           Na busca por sanar uma demanda que nasceu de modo desafiador, durante esse período de desastre sanitário, a tecnologia digital ganhou papel de protagonista para manter o processo educacional. Apesar de a constituição brasileira assegurar o acesso à educação, com a matrícula universal, não se tem a garantia de chances iguais de aprendizado, proliferando por meio da desigualdade nossa cultura estrutural de exclusão escolar.  

           Na prática, o que se vê nas disparidades entre espaço físico, material didático e pedagógico entre escolas públicas e privadas passou a se materializar dentro das casas dos estudantes por meio das salas de aulas virtuais, onde apenas uma pequena parcela da população tem acesso à internet, smartphones, computadores, espaço, tempo e silêncio para focar nos estudos, e a grande maioria não possui nem a segurança de três refeições básicas diárias, dividindo um único cômodo com pais, avós, irmãos e agregados, evidenciando que a discrepância não é apenas entre educação e tecnologia, entre escola pública ou particular, a discrepância é social. 

         Em entrevista à jornalista Elida Oliveira, veiculada no site G1 Educação em 31 de abril de 2021, Lina Kátia Mesquita, Coordenadora do Centro de Políticas Públicas e Avaliações da Educação, da Universidade Federal de Juiz de Fora, expôs dados assustadores quanto à defasagem escolar que está se evidenciando com a “Geração Covid”.  Os dados da pesquisa realizada no estado de São Paulo mostraram um déficit escolar de mais ou menos dois anos, ou seja, os alunos do quinto ano, por exemplo, estão chegando a essa série com uma proficiência equivalente ao terceiro ano do Ensino Fundamental. O que se reflete na incapacidade de uma leitura de textos mais complexos, já esperados para o grau de compreensão, até então desenvolvido pelos estudantes. Nas questões matemáticas, a gravidade não diminui. Problemas de multiplicação, divisão, localização espacial (direita e esquerda), formas geométricas, apenas contribuem negativamente nos resultados do ensino público remoto, durante a privação das aulas presenciais. 

           Lina Kátia Mesquita reforça que o principal ingrediente a contribuir para resultados tão alarmantes é a ausência presencial do professor, que atua como um mediador do conhecimento. Este profissional, que a tecnologia não substituiu, possui um papel muito além de ensinar conteúdos programáticos, visto que, atuando com seus alunos, conhece suas realidades, percebe as defasagens e dificuldades. Desse modo, busca estratégias que visam corrigir esses problemas, algo que no sistema remoto ficou em segundo ou fora dos planos.  

             Obviamente que esta situação reflete um contingente de alunos privados das tecnologias necessárias para garantir o mínimo de um acompanhamento do ensino remoto. O que se observa é que uma minoria possui educação de qualidade, acesso aos conteúdos, tecnologias, professores, assessoria dos pais ou de outro adulto, principalmente entre os estudantes de escolas particulares, enquanto que o maior contingente, de crianças, adolescentes e adultos, que fazem uso da educação pública, mal conseguem atingir o mínimo do desenvolvimento esperado. Dados apresentados pelo Datafolha em 2020 mostraram que quatro milhões de estudantes, entre 6 e 34 anos, abandonaram os estudos. Destes, 54% eram das classes D e E.

             “A estimativa de retomar os índices de desenvolvimento dos estudantes da escola pública, tal como eram antes da pandemia, exigirão um esforço dez vezes maior do que se estes estivessem no ensino presencial e, isso só ocorrerá com um conjunto de esforços das escolas, dos pais, dos alunos, das secretarias de educação e principalmente do governo federal, que precisa urgentemente desenvolver um programa, um pacto em favor da escola pública. Esta ação precisa primeiramente avaliar, diagnosticar, entender a partir de onde se dá o conhecimento do aluno; segundo, identificar as necessidades prioritárias do currículo, isto é, os conteúdos básicos para o estudante prosseguir nos estudos, por consequência, criar um programa de nivelamento e reforço escolar que busque minimizar a desigualdade intra e extraescolar”, pondera Lina Kátia Mesquita. 

           O abismo entre educação pública e particular aprofundou-se consideravelmente com o evento da pandemia e a necessidade imediata de acesso às tecnologias de ensino, situação que corrobora para a exclusão e desigualdade escolar no Brasil, um problema que já era grave e que se acentuará na geração pós Covid.

Tecnologia: aliada ou inimiga da educação?

           Há tempos que a tecnologia e suas inovações vem ajudando a humanidade em diversas áreas. No trabalho, na escola, ou em momentos de lazer, fomos transformados com o surgimento de tantos aparelhos e programas para facilitar a vida. Levantamento realizado pelo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua mostrou que entre 2017 e 2018 cerca de 98,1% dos brasileiros com dez anos ou mais têm acesso a celular com ou sem internet. Em 2020, com o surgimento da pandemia da Covid-19, todo esse universo tecnológico nunca foi tão necessário para adaptação do “novo normal”.

            No período em que é urgente manter distanciamento social, algumas áreas da sociedade não podem parar, principalmente a educação escolar. Uma saída encontrada foi fazer as aulas de maneira remota, ou seja, via reuniões no Google Meet, gravações de videoaulas e transmissão em canais na tv aberta.

           Mas será que toda essa tecnologia é sempre positiva? O professor Paulo Inada afirma que uma das principais problemáticas do uso da tecnologia no ensino remoto é como as aulas irão chegar até aos alunos. De acordo com a pesquisa realizada pelo Datafolha, 64% dos alunos estão assistindo pelo celular. Com isso, alguns novos desafios são enfrentados para garantir o foco dos estudantes. “No início das atividades on-lines, ouvi o depoimento de uma mãe contando que sua filha saia das aulas que assistia pelo celular para entrar nas redes sociais e falar com os amigos. Sabemos que esse acontecido não é exclusivo de apenas uma mãe. O uso de celular nas escolas foi proibido justamente por promover esse tipo de distração, e agora temos ele como ferramenta para  continuar o ensino durante esse período difícil que estamos vivendo, comenta o professor.

            Além disso, é levar em consideração que o aluno está aprendendo em um ambiente que não está acostumado a aprender (sua própria casa), quando se manda as crianças para escola, o ambiente está definido que é naquele lugar que irão aprender o conteúdo. Colocá-los na mesa da cozinha com o celular ligado é uma tarefa mais difícil do que parece. O desafio dos pais e responsáveis passou de incentivar os filhos a irem até a escola para conseguir  mantê-los focados nas aulas, sem nenhuma distração. Sendo assim, a tecnologia é aliada ou inimiga da educação?

            Professores no Brasil enfrentam dificuldades (especialmente em escolas públicas) desde o primeiro contato com a docência. Basta olhar para como eram as salas de aula que lembramos que nem sempre são dias maravilhosos: alunos agitados, pouca carga horária, falta de materiais básicos, etc. são problemas recorrentes para os educadores. Infelizmente, eles são formados sabendo que irão encontrar desafios e precisarão superá-los. Conseguir manter o ensino em tempos que precisamos de distanciamento social é, sem dúvida, um desafio.

 

 

 

 

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