Imagem: https://www.instagram.com/p/C4x_TaiOkZQ/?igsh=MWliYWhneTB3NW9qaw== (acesso em 29/03/2024)

 

por Laura Galuch*

 

           Estamos nos despedindo do mês de março, o Mês da Mulher. Neste momento, gostaria de falar de avanços, de conquistas, de locais ocupados, de igualdade, mas, na realidade, o que continua latente é a violência contra nós, mulheres.

            Ao ligarmos a televisão na hora do almoço, deparamo-nos com notícias sobre diferentes casos de violência contra a mulher. Não que isso seja novidade – infelizmente – na sociedade em que vivemos, mas surpreende o programa em que tais fatos têm sido noticiados: um programa esportivo. Nos últimos anos e, principalmente, nos últimos dias, a repercussão dos casos Robinho e Daniel Alves se tornou gigantesca. (Preciso advertir que, a partir daqui, alguns dizeres podem tornar-se gatilhos. Por isso, sinta-se à vontade a não continuar a leitura).

         Comecemos por Robinho, “uma pessoa fantástica”, segundo Dorival Junior, atual treinador da seleção brasileira. Menino da Vila Belmiro, estreou no time profissional do Santos Futebol Clube em 2002. Conhecido por suas pedaladas, em 2005 começou a sua jornada europeia. E foi, na Europa, que, em 2009, o jogador foi acusado de estupro pela primeira vez. Após investigações, a denúncia foi arquivada. Quatro anos depois, em 2013, uma jovem albanesa denunciou Robinho e mais cinco amigos do jogador por estupro coletivo. Em dezembro de 2020, recebeu a pena de nove anos de prisão. Para a sua condenação, foram essenciais as gravações obtidas por meio de autorização judicial: sem saber que era monitorado, o jogador conversava com seus amigos sobre o ocorrido, quando chegou a admitir que teve relações sexuais com a vítima. Em 2024, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o ex-jogador deve cumprir, no Brasil, a pena de nove anos de prisão pelo crime de estupro coletivo.

        Apesar de todas as provas contra o jogador e a sua condenação pela justiça italiana, o treinador da seleção brasileira, na mesma coletiva em que chamou Robinho de “fantástico”, verbalizou o seguinte: “Se houve realmente e comprovado algum tipo de crime, ele tem que ser penalizado”. Surpreende que as declarações ainda colocam os fatos como possibilidade, como uma condicional. Como se não bastasse, o técnico ainda disse “Por mais que doa no meu coração falar disso a respeito de uma pessoa com quem tive um convívio excepcional […]”. Aqui, vemos que, embora condenado por estupro, suas qualidades continuam sendo exaltadas, afinal, como muitos dizem por aí, não se pode resumir o ex-jogador a um “erro”.

           Aqui, eu lhes peço desculpas pela ênfase, mas, para mim, erro é cobrar um pênalti na trave ou para fora; é perder a bola em uma pedalada e gerar a jogada do gol da vitória do adversário; é fazer uma falta desnecessária e ser expulso em um jogo decisivo. No caso de estupro, não é erro, é crime mesmo.

       Não bastasse o caso Robinho, ainda somos surpreendidos – ou não – com o caso Daniel Alves. No dia 30 de dezembro de 2022, o lateral foi acusado de agredir sexualmente uma mulher em uma boate, em Barcelona. Em 22 de fevereiro de 2024, o jogador foi condenado a 4 anos e meio de prisão. Na sentença, destaca-se que “o tribunal considera provado que ‘o acusado agarrou abruptamente a denunciante, a jogou no chão e, a impedindo de se mexer, a penetrou […], apesar de a denunciante ter dito que não, que queria ir embora”. Como se não bastasse a violência do dia, a vítima do lateral foi violentada novamente ao ter sua identidade exposta pela mãe do jogador nas redes sociais e ao vê-lo sendo solto, depois de pagar uma fiança.

           Como não pensar que a violência contra a mulher tem um preço? Em um texto que circula nas redes sociais, fica evidente essa perversidade: “Quando se estipula uma fiança para crime de estupro, está sendo apontado para a sociedade o quanto custa para estuprar uma mulher”. Se considerada a possível fortuna do jogador, ele ainda poderá cometer o mesmo crime contra 59 mulheres e, ainda assim, ficar em liberdade.

           Ainda no quesito financeiro, identificamos outro ponto repugnante: a ajuda dos “parças”. No ano passado, Neymar da Silva Santos – pai de um dos maiores ídolos das novas gerações, Neymar Jr. – pagou uma indenização à vítima de Daniel Alves, fator fundamental para que a pena do lateral fosse atenuada. Além disso, para ser solto, sua fiança foi custeada por alguns amigos, dentre eles Memphis Depay – que, aliás, já deu suporte a outros colegas que enfrentavam problemas com a justiça, como a Benjamin Mendy, que enfrentava acusações de estrupo, e a Quincy Pomes, condenado por tráfico de drogas e agressão. “Parças” que também foram à casa de Alves, após a sua soltura, participar de uma festa que ultrapassou a madrugada. Tudo isso mostra como, entre os homens, a máxima “ninguém solta a mão de ninguém” é uma realidade latente, independentemente da situação.

           Além de os crimes e os fatos chocarem e causarem náusea, é ensurdecedor o silêncio dos jogadores, dos grandes times e dos dirigentes homens. Não espanta que a primeira declaração oficial tenha vindo de Leila Pereira, presidente do Palmeiras e chefe de delegação da Seleção Brasileira nos amistosos contra Inglaterra e Espanha. “Ninguém fala nada, mas eu, como mulher aqui na chefia da delegação da Seleção Brasileira, tenho que me posicionar sobre os casos de Robinho e Daniel Alves. Isso é um tapa na cara de todas nós mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade. Acho importante eu me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte”, disse Leila.

        A propósito, a presidente alviverde vem fazendo história e, diferentemente de seus colegas, plantando boas sementes. Em janeiro, Leila concedeu uma entrevista coletiva na presença de apenas jornalistas mulheres. Claro que a decisão gerou questionamentos. “‘Por que só mulheres?’. O que eu digo aos homens é que não sejam histéricos (risos). Não é isso que dizem da gente? Nós não somos histéricas, só queremos que eles sintam o que nós, mulheres, sentimos desde que nascemos”. Mais uma vez, foi preciso uma mulher para levantar uma discussão tão importante.

             Aproveitando o gancho de sua fala, dificilmente, os homens sentirão aquilo que as mulheres sentem. Dificilmente, os homens passarão por aquilo que as mulheres passam diariamente em locais de lazer, nos lares e no ambiente de trabalho. Chega a ser inimaginável que um homem, por exemplo, utilize-se da fantasia de um mascote para importunar sexualmente uma repórter, como aconteceu no GreNal, clássico do futebol gaúcho – claro que a mulher foi tida como louca e somente credibilizada quando imagens vieram à tona.

       Até quando seremos coniventes com a cultura do abuso no futebol? Sem imagens, depoimentos, conversas grampeadas e imagens – praticamente um VAR –, a justiça teria sido feita? Infelizmente, mesmo com provas, não posso falar sobre credibilidade às vítimas, porque muitos ainda duvidam e debocham das versões dadas pelas mulheres. Como não pensar, ainda, em tantos outros casos que podem ter sido silenciados…

           Espero que, um dia, o esporte volte a ser apenas entretenimento, que os jogadores estampem os noticiários por suas conquistas coletivas e individuais, que as torcedoras possam ocupar os estádios e as mulheres os espaços que bem desejarem. Enquanto isso, vivemos um 7×1 diferente, dia após dia.

 

*Professora de Língua Portuguesa e Doutoranda em Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Londrina

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