“[…] ao buscar o encaminhamento de pesquisas em Análise Dialógica de Discurso, estamos buscando desconstruir ou compreender, em termos bakhtinianos, sentidos que são axiológico e ideologicamente saturados por meio das relações dialógicas” diz o professor Rodrigo Acosta-Pereira, em entrevista a O Consoante

por Neil Franco e Rafael Alves

O Prof. Dr. Rodrigo Acosta-Pereira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), durante sua trajetória acadêmica encontrou nos escritos do Círculo de Bakhtin respostas às suas inquietações que clamavam por encaminhamentos de como pensar o social nos textos. Atualmente, figura como um dos grandes interlocutores da Análise Dialógica de Discurso, tendo, entre suas publicações de destaque, o artigo Os gêneros do discurso sob perspectiva da Análise Dialógica de Discurso do Círculo de Bakhtin (2011), o capítulo “Por uma análise dialógica de discurso: reflexões”, presente no livro Práticas discursivas: olhares da Linguística Aplicada (2015) e, mais recentemente, o livro Estudos dialógicos da linguagem e pesquisas em Linguística Aplicada (2016), – todos em parceria com Rosângela Hammes Rodrigues (UFSC).  O professor, que esteve presente no III SEPPROLE (Seminário de Pesquisa do PROFLETRAS), na UEM – evento ocorrido nos dias 30 de novembro e 01 de dezembro –, recebeu o convite para ser entrevistado pelo O Consoante durante o encerramento da disciplina Gênero do Discurso e Ensino, ministrada pelo Prof. Dr. Neil Franco e vinculada ao Programa de Pós-graduação em Letras (PLE) da UEM.

O Consoante: O que é Análise Dialógica de Discurso?

Acosta-Pereira: Primeiramente, precisa ficar reiterado que o Círculo de Bakhtin não teve, genuinamente, a ideia de constituir um corpo de conceitos e caminhos de análise que se desenvolvessem em uma denominação de Análise Dialógica de Discurso, como alguns têm denominado, ou Análise de Discurso de base dialógica, como outros leitores do Círculo têm cunhado. Nasce no Brasil em resposta à leitura do conjunto da obra do Círculo. Então é uma denominação brasileira, é uma denominação de leitores, pesquisadores brasileiros, que buscam na retomada, nessa revisitação das obras do Círculo, em especial ensaios da Bakhtin, Volochínov e Medviédev, ao longo do século XX, caminhos, pressupostos, ancoragens epistemológicas e teórico-metodológicas para análise da linguagem sobre um viés sociológico [termo de Volochínov] – o que se tem denominado Análise Dialógica de Discurso. A Análise Dialógica de Discurso, portanto, uma denominação brasileira, é cunhada para que nós possamos fazer certo reconhecimento, em termos distintivos, dos demais estudos de discurso. Como temos análises de discurso de base francófona, de base semiótica, de base anglo-saxã, a Análise Dialógica de Discurso vem, portanto, em resposta aos estudos dialógicos do Círculo e em distinção a outras bases epistemológicas de análise de discurso já historicamente consolidadas.

OC: Como surgiu a nomenclatura Análise Dialógica de Discurso (ADD) e qual(is) autor(es) foram responsáveis por cunhá-la?

Acosta-Pereira: O escopo mais amplo é denominado de Estudos Dialógicos da Linguagem. Portanto, aquele pesquisador que tem buscado os escritos do Círculo para suas pesquisas, se situa em um campo denominado de Estudos Dialógicos da Linguagem. Por outro lado, Análise Dialógica de Discurso é um termo que, segundo Beth Brait, em entrevista cedida no ano de 2013, nasce em uma de suas publicações, em especial nos livros que organizou, intitulados Bakhtin: conceitos-chave e Bakhtin: outros conceitos-chave. Há um capítulo da Beth, que é “Análise e teoria do discurso” na obra Bakhtin: outros conceitos-chave, onde Beth denomina “Análise/teoria dialógica de discurso”. Porém, na entrevista mencionada, ela afirma que Carlos Alberto Faraco já mencionou anteriormente essa mesma denominação. Eu e Rosângela [Hammes Rodrigues], em 2007/2008, começamos a publicar textos se utilizando da mesma denominação, em resposta a essa busca de situar um outro campo para o estudo do discurso. Por exemplo, minha dissertação de 2008, a todo o momento, desde o resumo, vem situando a Análise Dialógica de Discurso como um escopo epistemológico e teórico-metodológico para a análise da linguagem. Ao final, vale relembrar que não havia pretensão do Círculo em se denominar teóricos ou especialistas em uma Análise Dialógica de Discurso. Como eu havia dito, é no Brasil, felizmente, que nasce essa denominação como forma de situar, de circunscrever um campo de pesquisa outro, distinto da base francófona e da base anglo-saxã.

OC: Há diferença entre a Análise Dialógica de Discurso e outras propostas de análise que se baseiam nos pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin?

Acosta-Pereira: Essa pergunta nos faz retornar uma outra questão: de que há diferentes leitores dos escritos do Círculo no Brasil, felizmente. É sempre bom que haja respostas [no sentido bakhtiniano do termo] distintas e múltiplas aos textos. Há leitores do Círculo que entendem que não há Análise Dialógica de Discurso, mas que há uma grande arquitetônica filosófica de conceitos que são agenciados. Há outros leitores que entendem o Círculo como críticos literários, ou seja, há mais um caminho de pesquisas sobre o viés estético, embora o Círculo tenha marcado três escopos de encaminhamentos e discussões muito bem delineados ao longo dos vários ensaios, que é a ética, a estética e a cognição. E ainda há outro grupo que tem buscado nos escritos do Círculo ancoragens tanto teóricas quanto metodológicas para uma análise linguística de base sociológica, como Volochínov tem mencionado no início do século XX, em especial, em Marxismo e filosofia da linguagem (1929) . Quando você se coloca a desenvolver uma pesquisa que revisite os preceitos do Círculo, mesmo não denominando como Análise Dialógica de Discurso, de fato, sua pesquisa é de base dialógica, uma pesquisa de base sócio-histórico-dialógica, como se tem denominado os estudos em resposta aos escritos do Círculo. Porém, quando você denomina que sua pesquisa se situa em um campo de Análise Dialógica de Discurso, você já situa o leitor que está respondendo aos estudos, especialmente, dos interlocutores brasileiros. Eu acho, portanto, que há dois caminhos imbricados: um que se situa no campo dos estudos dialógicos da linguagem, retomando e reverberando as vozes do Círculo sem mencionar a Análise Dialógica de Discurso e outro cujas pesquisas têm buscado muito nos interlocutores brasileiros olhares de reacentuação. O que é reacentuar? É responder axiologicamente aos escritos do Círculo. Você vai desconstruindo caminhos que vão, muitas vezes, sendo delineados nos ensaios inacabados do Círculo. São publicações brasileiras que dão ancoragem para compreender esse inacabamento. Então, você tem na Análise Dialógica de Discurso uma resposta dos interlocutores brasileiros. Eu concordo com a Rosângela [Hammes Rodrigues], que a pesquisa responde aos escritos do Círculo “e” aos estudos contemporâneos em Análise Dialógica de Discurso. Não que sejam dois caminhos distintos, mas que são dois caminhos acentuadamente marcados de forma confluente.

OC: Qual o diferencial da Análise Dialógica de Discurso em comparação às outras propostas teórico-metodológicas de análise de/do discurso?

Acosta-Pereira: A gente sempre pode fazer mapeamentos ou fazer uma cartografia. Mas é sempre uma resposta grosso modo, porque sabemos que diferentes autores e perspectivas têm uma amplitude teórico-conceitual que, numa conversa, a gente acaba reduzindo, inclusive inapropriadamente. Mas a redução acaba acontecendo em função da própria busca de mapear. Em termos gerais, na Análise de Discurso francófona, temos os estudos focaultianos, pecheutianos e, ainda, numa dimensão semiodiscursiva, os estudos de Maingueneau e Charaudeau. Temos, ainda, muito consolidado em países de origem anglo-saxã, a Análise Crítica de Discurso, ou como outros têm buscado denominar, Análise de Discurso Crítica, à luz das pesquisas de Fairclough, Wodak, Kress e van Leuween – autores que têm trabalhado em convergência [ou não] com o campo da Linguística Sistêmico-Funcional. Em função dessas particularidades e desse mapeamento, é que temos, sobretudo, a Análise Dialógica de Discurso, para que nós possamos também situar um diferencial. Qual seria esse diferencial? O dialogismo, que é o eixo fundante para pensar o sentido. Mas, afinal, o que é dialogismo? É conceito que percorre os escritos do Círculo e se engendra nos diferentes ensaios ao longo da primeira metade do século XX e posterior. Podemos pensar que, ao buscar o encaminhamento de pesquisas em Análise Dialógica de Discurso, estamos buscando desconstruir ou compreender, em termos bakhtinianos, sentidos que são axiológico e ideologicamente saturados por meio das relações dialógicas. Relações dialógicas é um conceito que está, em especial, em Problemas da Poética de Dostoiévski, no Capítulo 4, “O discurso em Dostoiévski”. Relações dialógicas, para Bakhtin, são relações semântico-axiológicas de dizer para/com/ no mundo. Portanto, uma Análise Dialógica de Discurso busca entender sentidos atravessados por discursos outros, discursos do outro, discursos de outrem, que são revozeados, reacentuados, reenunciados, intercalados e sempre marcados por duas amplitudes: uma amplitude de valor, que é a axiologia e, portanto, de projeção valorativa, apreciativa; e outra amplitude que é a ideologia. Desse modo, tem-se relações de sentidos que são saturadas pela axiologia, que são índices sociais de valor que saturam os sentidos, e pela ideologia que, segundo Volochínov (1930), são formas de compreender, apreender, reconhecer e significar a realidade social. Portanto, uma Análise Dialógica de Discurso, grosso modo, analisa as relações de sentido que se engendram na materialidade do discurso, que são os enunciados e suas formas típicas, os gêneros discursivos. Relações de sentidos [relações dialógicas] ancoradas axiológica e ideologicamente na materialidade discursiva do enunciado, grosso modo, é o objetivo da Análise Dialógica de Discurso.

OC: Como foi seu primeiro contato com a Análise Dialógica de Discurso? E o que te impulsionou a continuar trabalhando com ela?

Acosta-Pereira: Eu comecei a ler os escritos do Círculo em 2001, especificamente em disciplinas de literatura, foi onde conheci os ensaios de Bakhtin em torno do gênero romance, durante a graduação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no RS. Foi só no mestrado, na UFSC, que fui para um campo de pesquisa específico dos estudos dialógicos. Eu tinha muitas inquietações, no sentido de encaminhamentos de como responder a questões sociais na construção de textos, ou seja, como pensar o texto não só na sua imanência, mas também pensar nos atravessamentos do social, do histórico, do cultural e das ideologias no texto. Quando comecei a ler os escritos do Círculo, eu tinha muita inquietação em entender não só como os elementos no interior do texto se constituem e funcionam, mas como os sujeitos se relacionam, se engajam nas diferentes relações de que fazem parte, nos diferentes campos da atividade e como esse social tem ressonância, reverbera ou refrata no texto. Foi onde eu consegui buscar respostas que pudessem não responder de forma rápida ou de forma muito circunscrita a essas questões, mas que muitas das minhas inquietações já foram respondidas e ainda continuam sendo respondidas. Na medida em que vou lendo e, cada vez que leio o texto novamente, outras questões vão surgindo e eu encontro encaminhamentos que eu não havia encontrado na leitura precedente. É o princípio de responsividade. A cada tempo e espaço de leitura você tem atitudes responsivas singulares e irreiteráveis.

OC: É sabido que não há categorias analíticas pré-estabelecidas. Então, o que é primordial ou indispensável, em termos de análise, para que se possa desenvolver uma pesquisa no enquadre da Análise Dialógica de Discurso?

Acosta-Pereira: Achei importante você mencionar já no começo da sua pergunta essa questão, até porque há outras perspectivas de estudo de discurso e dos gêneros do discurso que se utilizam de um aparato pré-estabelecido de categorias. Então é um olhar outro. O olhar dialógico faz com que você tenha um movimento de idas e vindas aos dados e, a partir desse movimento, é que ascendem os conceitos. Mas isso pode parecer num primeiro momento que há quase um processo “carnavalesco”, de carnavalização mesmo, de que não há um caminho a ser seguido e que todos os caminhos são pertinentes. Não. Nós vemos um conjunto de movimentos analíticos, que são conceitos delineados ao longo das obras do Círculo, que passam a ser agenciados pelo pesquisador e (re)acentuados nas peculiaridades do enunciado a ser analisado. Você retoma os conceitos para sua pesquisa e a partir do corpus é que esses conceitos vão se redimensionando. Esse corpus é sempre irreiterável, assim como os enunciados, naquela distinção que Bakhtin faz sobre enunciado e oração. Portanto, seria contraditório afirmar que você teria categorias prévias aplicáveis à análise. A análise é, assim, como afirmei, um movimento de idas e vindas. Como isso funciona? Vejam, se eu estou pensando movimento de análise de gêneros do discurso sob um viés dialógico, penso, por exemplo: o trabalho com o cronotopo, o grande cronotopo, o pequeno cronotopo, do cronotopo para o campo da atividade humana, de como se constitui e como funciona em termos de produção, circulação e recepção de discursos. Porque às vezes pode-se ter um campo de produção de um discurso que circula em outro campo. E, somente partindo dessa amplitude social, que se chega à amplitude verbo-visual, onde dada a arquitetônica do escopo dos escritos do Círculo, tem-se o conteúdo temático, que é o dizível no gênero, é um recorte da realidade discursivizado e materializado no enunciado, portanto, todo conteúdo temático é axiológico e ideologicamente recortado. Já o estilo, não são apenas recursos léxico-gramaticais agenciados, mas recursos léxico-gramaticais e textuais que são agenciados na “baliza” do gênero e que reverberam as ressonâncias sociais de cada campo [esfera] e do cronotopo. Por sua vez, a composicionalidade é essa orquestração, esse acabamento, essa relativa organização dos elementos na amplitude referencial do gênero. Vejam, você parte de um espaço em que contempla questões de ordem social, histórica, cultural, sobretudo ideológica e axiológica para entender os elementos linguísticos. Então, é um movimento ancorado aos três movimentos da ordem metodológica que Volochínov pontua em Marxismo e filosofia na linguagem, no capítulo a “Interação Verbal”. Volochínov estabelece as três etapas metodológicas de análise da linguagem por um viés sociológico, partindo das interações para chegar às formas de materialidade, que são os enunciados e, só assim, num terceiro momento, as formas habituais da língua, que são os elementos lexicais, gramaticais, textuais, que sofrem ressonância do social.  Por isso que as categorias não são aplicáveis. Nós trabalhamos sempre com esse movimento de ascendência de efeitos de sentido, que seria muito semelhante à discussão que Volochínov faz no capítulo “Tema e significação” em Marxismo e Filosofia da linguagem, enquanto tema está no âmbito do que é irreiterável, no âmbito do sentido e da sua fluidez, a significação está no âmbito do que é reiterável, no paradigma do que é repetível.

OC: Quais são as dificuldades e/ou limitações que um analista pode se deparar ao desenvolver uma pesquisa ancorada na Análise Dialógica de Discurso?

 Acosta-Pereira: Eu tenho um olhar muito consciente de que todas as abordagens, nas suas especificidades, têm as suas limitações, e a abordagem dialógica também não deixaria de ter suas especificidades e suas limitações. Quero apontar dificuldades, mas não limitações, que eu vejo muito em resposta àqueles que têm estudado os escritos do Círculo, em especial meus orientandos de mestrado e de doutorado e de alunos das disciplinas que ministro na UFSC. Uma das dificuldades é a amplitude teórico-conceitual que se engendra ao longo das obras. Não tem como você ler uma obra para entender a amplitude teórico-metodológica. É preciso que você leia o conjunto das obras e ler o conjunto das obras nunca é fácil, porque demanda um tempo, sistematização, planejamento, organização, às vezes, uma única disciplina não é suficiente. Outra dificuldade que eu vejo muito sendo enunciada é a fluidez terminológica ao longo das obras, porque, entre outras questões, é um círculo de estudiosos em diferentes épocas e que foram cunhando conceitos, respondendo às dimensões espaço-temporais da época e também em função das traduções. Vejam, por exemplo, o conceito de valoração, que pode ser também axiologia, apreciação, tom emotivo-volitivo, tom aperceptivo, horizonte aperceptivo, entre outros. A terceira dificuldade é a correlação e o imbricamento conceitual que se dá em função da complexidade do conjunto da obra. Ao falar de gênero, você tem que trazer os elementos constitutivos, falar da ideologia, da cronotopia, de valoração, de campo [esfera]. Então é um mosaico conceitual muito amplo que demanda leitura e estudo. Uma última dificuldade é como trazer de forma reacentuada para enunciados de outras esferas as discussões que o Círculo faz no campo da estética. Pensem, por exemplo, o olhar analítico bakhtiniano na obra Problema da Poética de Dostoiévski em torno do gênero romance polifônico. Então como pensar essas questões para gêneros de outros campos em outros tempos e espaços. São algumas das dificuldades.

OC: Qual a importância e as contribuições da Análise Dialógica de Discurso para o Estudo dos gêneros do discurso/textuais? E para a Linguística Aplicada?

Acosta-Pereira: É bom lembrar que todas as perspectivas e abordagens têm as suas contribuições, mas, quando se pensa uma análise de gênero, pelo viés dialógico, é necessário trazer para essa discussão encaminhamentos sobre história, cultura, ideologia, questões envoltas inclusive a outros campos do saber. Por exemplo, quando você vai trabalhar gêneros da esfera jornalística, é necessário que em uma discussão sobre essa esfera, você traga não só uma voz ancorada nos estudos dialógicos, mas que haja vozes de pesquisadores da própria teoria do jornalismo. Por exemplo, uma das minhas orientandas trabalhou com notícias direcionadas a mulheres, em revista online. Trabalhou com estudos feministas e problemas de gênero [social] para entender como essa visão de mulher é discursivizada no gênero [discursivo]. Vejam que a contribuição que um estudo dialógico traz é de fato exatamente o diálogo. A meu ver, é abrir a possibilidade para que campos outros, para que encaminhamentos teóricos de outras áreas façam ressonância numa pesquisa que se denomina Linguística Aplicada (LA).

OC: Poderíamos pensar em uma Linguística Aplicada de base dialógica, como uma nova vertente?

Acosta-Pereira: Eu vejo que a LA tem diferentes caminhos, diferentes respostas para o estudo da linguagem. Eu vejo a LA que trabalha com os estudos dialógicos, uma LA sócio-histórica de base dialógica, porque ela poderia ser de base antropológica, de base cultural, se pensarmos nos Estudos Culturais etc. E aí eu estou em convergência com que a Roxane Rojo discutiu no seu texto de 2006, no livro organizado por Moita Lopes, Por uma LA indisciplinar. Um dos capítulos é da Roxane, e ela discute exatamente essa vertente de uma LA sócio-histórica. Ela traz um olhar sócio-histórico cultural e dialógico, porque discute as contribuições de Vygotsky e as contribuições do Círculo. Eu particularmente tenho denominado, inclusive em algumas pesquisas que faço e que meus orientandos têm realizado, como uma LA sócio-histórica de base dialógica, isto é, compreendemos esse diálogo com outros campos, mas o eixo fundacional são os escritos do Círculo, sem deixar de dialogar com outras áreas e outras especificidades.

OC: Em alguns trabalhos você se volta para os gêneros digitais. Qual foi a sua motivação? Há alguma diferença no trato com esses gêneros ao se trabalhar pela Análise Dialógica de Discurso?

Acosta-Pereira: A motivação foi pensar nesse redimensionamento das práticas sociais em função da ascensão das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs), pois não tem como um pesquisador de LA não se deparar com as TDICs no cotidiano, seja na esfera escolar, seja na esfera acadêmica, ou em outras esferas. As práticas sociais se modificam, são fluidas, são dinâmicas, são transgressivas e o campo da LA é, sobretudo, transgressivo, isto é, abre-se a outras possibilidades, inclusive sempre respondendo às mudanças sócio-históricas. Se há um redimensionamento das tecnologias, como recursos de informação e comunicação, parece-me ser essencial que o linguista aplicado se volte para essas questões. Então, comecei desde a minha tese, na qual já procuro em algum momento trazer a discussão da web 2.0, pensar as revistas que analisei online e agora pensando no quanto outras questões vão ascendendo, numa movência muito rápida. O linguista aplicado precisa, a todo momento, trazer para o seu escopo de trabalho essa construção de inteligibilidades, esses problemas sociais, em que a linguagem é um material de mediação e não teríamos como não tratar das TDICs. Há diferentes caminhos para pensar gêneros digitais. Há um grupo que tem trabalhado muito com a Pedagogia dos Multiletramentos, respondendo aos vários estudos da Escola de Nova Londres [New London Group], em diálogo com os estudos dialógicos. Não teríamos como deixar de pensar que, ao falar em semiose, ao longo dos escritos, precisamos redimensionar essa amplitude de discussão sobre semiose para multissemiose do universo e do escopo da cibercultura e do ciberespaço. Os escritos [do Círculo] dão ancoragem para essa discussão? Claramente nos dão, desde que nós não pensemos e não circunscrevemos a nossa discussão para o verbal, embora a discussão pontual do Círculo seja o verbal, porque foram textos escritos no início do século XX. Então, é um escopo voltado ao verbal, mas que nos dá caminhos de abertura para pensarmos as amplitudes das semioses, das multissemioses no ciberespaço. Sem dúvida nenhuma, os mesmos conceitos agenciados, os mesmos movimentos nos dão caminhos para construir inteligibilidades a essas questões que ascendem com a cibercultura.

OC: Como você enxerga os rumos da Análise Dialógica de Discurso a médio e longo prazo?

Acosta-Pereira: Falar em futuro é sempre muito complicado. Eu ainda vejo o campo da Análise Dialógica de Discurso em consolidação, porque ainda é uma denominação muito recente. Como eu havia dito antes, há diferentes leitores para/em respostas aos escritos do Círculo, mas eu vejo um caminho muito promissor para entrar no escopo de abordagens de texto e de discurso no campo da LA e da Linguística. Vejo ainda em processo de consolidação, portanto. Pensem, por exemplo, como nós temos ainda algumas resistências, algumas forças centrípetas, para usar termos bakhtinianos, de inclusão de Análise Dialógica de Discurso num corpo maior de estudos discursivos. Aqui estou pensando em grandes eventos de análise do discurso ou no campo dos estudos do discurso. Bakhtin, por vezes, fica sem um espaço definido, ora ele está circulando em diferentes áreas, ora ele está sem campo definido. Vejo, assim, ainda em fase de consolidação. Cabe a nós, pesquisadores, pensarmos que é, sobretudo, na abertura de diálogo e num movimento de fluidez e de transgressão, em termos de Pennycook, que nós precisamos fazer com que a LA e a Linguística abram espaços para caminhos outros e, só assim, vislumbrarmos resultados e encaminhamentos distintos.

3 comentários sobre “Entrevista Especial II – Rodrigo Acosta Pereira (UFSC)

  1. Boa tarde!
    Tive a oportunidade de ler agora essa entrevista do professor Rodrigo Acosta e gostaria de saber como fazer a referência desse texto maravilhoso. Parabéns à equipe de O Consoante!

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