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por Ana Paula Yairo, Izabelle Diniz e Raphaela Caparroz

 

           Com quase 18 milhões de casos confirmados, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, e um ano e meio após a chegada da primeira cepa do coronavírus no Brasil, as taxas de ocupação dos leitos continuam altas e o país já ultrapassa a marca de 500 mil vítimas da Covid-19. Embora especialistas de diferentes áreas tenham alertado (e ainda alertam) sobre a situação crítica do contexto brasileiro, é notória a descrença e a negligência de uma parcela significativa da população no que se refere aos cuidados a serem tomados e intensificados para a prevenção de contágio do coronavírus.

           É reconhecível uma série de fatores os quais podem ser considerados agentes responsáveis por contribuir para esse cenário ou até mesmo reforçá-lo, como a propagação intensa de notícias falsas e o incentivo à descrença nas pesquisas científicas, o que podemos chamar de uma pós-verdade, em que as pessoas são levadas pela emoção e pela falta de verificação de suas fontes e acabam propagando notícias mentirosas nas redes sociais. Por outro lado, tem se tornado evidente o esforço empreendido por instituições acadêmicas e de pesquisa brasileiras na tentativa de cooperar no combate à disseminação do coronavírus e de derrubar todos os mitos sobre ele. Todavia, é possível compreender que, como consequência, e somando-se a essa atribuição, apresenta-se a tal setor da sociedade o enfrentamento a outra adversidade nesse contexto: o negacionismo. 

          Apesar de muito citado atualmente, o termo negacionismo surgiu há algumas décadas e foi utilizado por pesquisadores para designar a prática de negar um acontecimento real, como uma forma de evasão ao se confrontar situações desagradáveis, segundo o professor Cristiano Bodart, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo. No século XXI e especialmente com a pandemia da COVID-19, porém, essa prática tem representado um movimento político-ideológico que marca posicionamento de descrença em relação a evidências científicas e à própria ciência.

         Para entender como a prática negacionista se fortalece, levando em conta o contexto da pós-verdade, é fundamental compreender o termo utilizado pela primeira vez pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, que ganhou força nas mídias sociais depois dos anos 2000, e cada vez mais tem se associado ao momento atual em que há um enfrentamento entre instituições que noticiam e comprovam o existente contra o que se acredita serem crenças pessoais. Dessa forma, abriram-se debates sobre fatos, o que tornou a realidade questionável, mesmo ela não sendo, e dificultou para pesquisadores e estudiosos que suas declarações surtissem maior efeito.

         Nesse sentido, o Prof. Dr. Tiago Lucena, do curso de Comunicação e Multimeios, da Universidade Estadual de Maringá, afirma: “O negacionismo é um movimento mais ideológico, conceitos e visões de mundo de algo que é consagrado, reconhecido e validado como verdadeiro. A carga ideológica é tamanha que não adianta apresentar dados e provas que a filiação à negação desse fato é o que vence”. Ainda, para o professor, é importante ressaltar que as fakenews são diferentes do negacionismo. São informações erradas (falsas) que são divulgadas com a aparência de verdadeiras. Elas não são produzidas por veículos de comunicação embora tenham a aparência de terem sido”. Apesar de os termos serem diferentes entre si, eles acabam por formar uma tríade que juntos provocam e agravam o cenário pandêmico. Lucena traz ainda à discussão a importância da política da contrainformação, sendo essa a postura tomada pela universidade, rebatendo e rejeitando a normalização do absurdo.

           Esse movimento, juntamente à proliferação das notícias falsas, tem auxiliado no agravamento da situação de pandemia no Brasil. Isso acontece, de acordo com Thiago Fanelli Ferraiol, docente do curso de Matemática da Universidade Estadual de Maringá, devido à maior parte da população desconhecer completamente o método científico. “A realidade econômica, imposta pela forma alienante e exploradora da produção capitalista, faz com que a maior parte das pessoas dedique boa parte do seu tempo na busca pelas condições imediatas, o que, de certa forma, é incompatível com o método científico. O método científico, desta forma, acaba ficando restrito a uma parcela extremamente pequena da população, e também a uma forma bastante fragmentada, sem se preocupar com os interesses gerais da população e do ambiente”, explica.

          De acordo, o professor Lucena, as universidades são, em nosso contexto, as principais instituições de pesquisa do país. Assim, é possível inferir que elas também sejam responsáveis por estarem na linha de frente, realizando esforços contra a Covid-19. Entretanto, ainda segundo o docente, apesar de sua relevância “fazendo” ciência para o bem da comunidade em geral, as instituições universitárias pouco são lembradas pelos cidadãos. Para Ferraiol, essa tendência demonstra um estado de deterioração da racionalidade, a qual está intimamente ligada à propagação em larga escala de notícias falsas.

          Conforme a Prof.ª Drª. Eliane Rose Maio, psicóloga e docente da Pós-graduação em Educação da UEM, a  circulação constante, rápida e em diversos meios de comunicação das chamadas fake news também faz oposição à sociedade e às instituições educacionais com discursos sem fundamentação científica, os quais são compreendidos por Lucena como instrumentos político-ideológicos cuja função seria desviar a atenção da população sobre informações relevantes. Após sua propagação, “o debate sobre o que é verdadeiro e falso vira uma briga de torcidas de times de futebol. Há uma completa blindagem e praticamente não há como convencer e negociar com essas crenças”, destaca.

 Desafios e contribuições

         Embora tenha acontecido a suspensão do calendário letivo por alguns dias, a UEM, assim como tantas outras IES, não parou, pois o trabalho de pesquisa prosseguiu na busca pela promoção à educação e à ciência. Reorganizado o calendário acadêmico, houve o início do ano letivo de 2020 com aulas no formato remoto.

         Entretanto, de acordo com Tiago Lucena, chama a atenção o fato de as universidades, que são os grandes polos de pesquisa, não serem valorizadas. “Em uma pesquisa recente sobre as IES, viu-se que poucas pessoas lembraram de citar alguma instituição de pesquisa que conheciam. Ou seja, algumas delas não mencionaram, inclusive, as universidades que tinham na sua cidade, que eram vizinhas de algumas das mais prestigiadas instituições de pesquisa do Brasil”.

          Débora de Mello Sant’Ana, professora dos Programas de Pós-graduação em Biociências e Fisiopatologia (PBF) e Biologia Comparada (PGB), da UEM, conta que, com a pandemia, o processo de ensino e aprendizagem do meio universitário precisou passar por adaptações e teve de vencer obstáculos. “Sou professora de Anatomia Humana na graduação e esta área é marcada pela prática em peças de cadáveres. Dar aulas teóricas sem a prática é bastante difícil e certamente é um dos maiores desafios enfrentados. Outro desafio é desenvolver conhecimento, prática e metodologias para abordar o tema por novas metodologias”, relata.

          Pelo que se pode perceber, as dificuldades foram encaradas por todas as áreas de formação. Segundo Lucena, foi um processo de experimentação em que as estratégias empregadas para auxiliar no ensino e na aprendizagem representaram erros e acertos. “Todos fomos cobaias e ‘cientistas’ de novas ferramentas. Nesses erros e acertos, alguns alunos foram prejudicados e outros beneficiados”.

         Já como defende o professor Ferraiol, com a pandemia e o acontecimento das aulas no modelo remoto, houve um agravamento no que se refere à condição de alienação. Para ele, o processo de exclusão também aumentou, o que resultou em dificuldade ao “acesso a condições dignas de vida e espaço adequado para se pensar sistematicamente”.

O que é necessário para as universidades contribuírem ainda mais

        Diante das tentativas governamentais de sucateamento de verbas oferecidas para as universidades, com o olhar atento para resultados e contribuições de pesquisas científicas focadas ao utilitarismo, houve um nivelamento do que é considerado essencial e vantajoso para investir nesses instrumentos. Mais uma vez, o professor Thiago Ferraiol, dispõe se a pontuar: “A universidade volta a caminhar no sentido da exclusão, reservando seus espaços prioritariamente àqueles que têm alto poder aquisitivo, que tem o privilégio de ter tempo para pensar, e que acabam direcionando boa parte do seu pensamento para a produção de tecnologias que gerem produtos lucrativos.”

            À vista de tamanha letargia para a remediação do vírus de tão fácil contágio quanto o da COVID-19, seguiram-se constantes dinâmicas para a organização de aulas emergenciais, eventos e suporte aos alunos durante as mudanças sociais, na qual foi possível ofertar discussões sobre o momento pandêmico e até interações interdisciplinares. Ainda assim, foi efetiva a produção e publicação de materiais desenvolvidos através dos programas universitários. Por isso, a necessidade de “divulgar resultados de pesquisa, estudos, abrir ações para a comunidade a fim de reorganizar processos internos e expandir externos. Porém, é preciso que seja feito com qualidade. Precisamos ocupar nosso espaço e contribuir para a alfabetização científica da comunidade”, explica a professora Débora. A universidade deve insistir em buscar mecanismos para o diálogo com a sociedade para funcionar como antídoto a esse contexto de ruído informacional, enfrentá-lo com sua capacidade técnica, humana e crítica no mundo.

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