imagem: @sigocomfe

             A falta de empatia é um dos maiores entraves para a convivência social, responsável por interferir nas relações humanas pós-modernas, que têm buscado cada vez mais a individualização. A empatia enquanto sentimento/ação é a capacidade de sensibilizar-se com e compreender a situação do outro, é tentar se colocar em uma realidade a qual não se conhece, o que neste momento significa preservar a vida do outro e importar-se com a saúde coletiva. Com a pandemia, tivemos outro vírus altamente contagioso e invisível, que se retroalimentou e que levou o país a uma tragédia sanitária: a negação da responsabilidade por si e pelo outro.

           Após um ano do “novo normal”, ultrapassa-se a triste marca de 250 mil mortes, e governos municipais e estaduais lançam medidas restritivas numa tentativa de a população permanecer em suas casas. Antes e agora os lockdowns causam efeitos na economia e nas famílias, mas não fazem o mesmo com o vírus, já que para amenizar a situação seriam necessários muitos dias de isolamento ou, no mínimo, uma mudança significativa de comportamento social. Mesmo com tanto tempo de alerta, houve a normalização do caos com supostas justificativas para números que vinham sendo contidos. Com tanta flexibilização a população voltou a passear nas ruas e shoppings, a caminhar em parques e a frequentar bares e casas noturnas, ignorando, inclusive, a recomendação para o uso de máscara.

       Normalização do caos. Há um ano a necessidade de isolamento social levou à lotação dos supermercados, o que foi feito, claro, por aqueles que tinham mais condições, esvaziando a mesa de muitos outros, tanto por não terem como comprar quanto pela própria escassez de produtos básicos. Com os decretos estaduais mais recentes, algumas pessoas ainda não aprenderam sobre responsabilidade social e correram aos supermercados, novamente, para encher suas despensas. Já passou da hora de cada um se responsabilizar por seus atos sabendo que responde pela sua vida e pela vida de outras pessoas.

        Sabemos que a quarentena atinge de forma diferente as classes sociais, o que não tira a responsabilidade de ninguém. Porém, deveria ser fator de reflexão para aqueles que podem fazer a diferença efetiva na vida de muitos. Como é possível observar, pessoas com mais condições de se protegerem temem menos o vírus e não se preocupam em expor seus empregados e funcionários, afinal, “a economia não pode parar”. As pessoas têm que trabalhar por sua sobrevivência e pela manutenção de uma hierarquia social. E onde fica a empatia?

              Em O Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago traz à narrativa uma sociedade que é acometida por uma cegueira branca, que desperta o lado mais vil do ser humano. A cegueira branca é o egoísmo, colocado como a patologia mais tóxica e mortífera para a humanidade. Percebe a semelhança com o momento atual? A mesma sociedade que é vítima de uma pandemia histórica é a responsável pelo agravamento da situação. A falta de empatia está no desprezo pela ciência, na insistência por aulas presenciais, no negacionismo, nos ‘fura-fila’ da vacina, na vacina de vento nos idosos, nas aglomerações intermináveis. E está, sobretudo, nos atos irresponsáveis de quem deveria ser um dos primeiros a cuidar do país. País que está assistindo a uma morte a cada minuto, causada pelos vírus da Covid-19 e da cegueira.

Um comentário sobre “EDITORIAL – Falta de empatia e normalização do caos

  1. Excelente texto! Totalmente “empático” com a minha opinião sobre o assunto. O Consoante sempre provoca uma reflexão crítica sobre o nosso presente, fazendo um diagnóstico preciso da realidade (infelizmente sombria!) que vivemos. Parabéns!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *