imagem: https://www.google.com.br

 

         O termo negacionismo surge como forma de aludir a movimento político-ideológico que procurou desacreditar o Holocausto ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. Agora, em pleno século XXI, tal atitude de negar fatos históricos e comprovações científicas ressurgiu no mundo inteiro neste contexto pandêmico do novo coronavírus. Por mais que haja no mundo contemporâneo informações distribuídas em larga escala, esse comportamento de não reconhecer ou, no mínimo, questionar uma verdade já comprovada tem tornado toda e qualquer discussão uma forma de evidenciar mais ainda a polarização instituída pelo cenário político conturbado dos últimos anos. A pandemia da covid-19 não escapou de se contaminar pela guerra da (des)informação.

          Importante frisar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a mudança de classificação da doença não devido à gravidade, mas sim à sua rápida disseminação geográfica. Essa reclassificação teve, sem dúvida, a intenção de impedir o avanço do novo vírus. A OMS recomendou que as autoridades estabelecessem condutas de prevenção, como isolamento e distanciamento social. A partir daí, na esteira do fenômeno mais recente da polarização, houve um comportamento negligente de uma parcela da população mundial em relação à força do novo vírus. Quantos casos e quantas mortes poderiam ter sido evitados só no Brasil se houvesse a real compreensão dos efeitos desse novo coronavírus? 

          O negacionismo não se encontra só entre os cidadãos comuns. Não são poucas as autoridades que, com comportamento equivocado, também nas próprias palavras, incitam a população a uma certa “desobediência”. Pode-se afirmar, portanto, que há quem perturbe o entendimento sobre a crise sanitária instalada, menosprezando o que afirmam entidades e vozes de especialistas no assunto. Essa postura de negação vem incentivando a criação de bolhas sociais que “guiam” o pensamento dos mais desavisados.

         O contexto pandêmico vem demonstrando total ausência de responsabilidade de algumas autoridades nacionais e internacionais, uma vez que era preciso condutas preventivas e emergenciais que dessem conta de desacelerar a taxa de contaminação e de morte causada pelo vírus. Mesmo assim, meses depois de tantos óbitos, as restrições são bem mais superficiais em relação ao início da pandemia. E, em parte, é o próprio discurso negacionista que foi preenchendo todo o espaço não crítico que encontrou, incentivando dúvidas em pesquisas, em questões científicas já comprovadas e nos profissionais da saúde.  

      Se no século XIV durante a peste bubônica as pessoas criavam e acreditavam fielmente em superstições, atualmente, mesmo com acesso à informação, o cenário parece igual, visto que pessoas negacionistas produzem e difundem muitas notícias falsas, amplamente divulgadas pelos meios de transmissão de informações, sobretudo a partir das redes sociais, que dão abertura para a construção de comunidades que têm uma mesma percepção equivocada da realidade. Assim, as redes sociais são uma das principais responsáveis por fomentar a descrença na ciência e no jornalismo, na medida em que deturpam os fatos. Nesse sentido, como produto do espaço virtual, que não limita nem censura as inverdades impulsionadas pelos algoritmos, nasce a possibilidade de manipular e distorcer as evidências sobre a doença.  

          Quase um ano depois dos primeiros casos de Covid-19, a Europa chegou ao pico de sua segunda onda, prevendo uma terceira para o inverno no continente. No Brasil, a situação não é diferente. Discute-se sobre uma primeira onda que nunca acaba e assiste-se ao crescimento da curva no gráfico da mortalidade. De qualquer forma, essas situações fazem cair por terra o argumento negacionista de que esse vírus “é só uma gripezinha” ou de que ele é invenção dos opositores ao governo. Tanto existe que já matou muita gente. Nessa perspectiva, vale lembrar versos da canção “O real resiste”, de Arnaldo Antunes. O que está acontecendo é produto de vozes que falam numa única direção. A insistência do “não” na canção expõe as pautas que são desconsideradas socialmente, temas que buscam espaço para serem discutidos, mas que são negados: Trabalho escravo não existe Desmatamento não existe/ Homofobia não existe/ Extermínio não existe”. E, por insistirem em contrariar as evidências, há que se acrescentar a esses versos: “A pandemia não existe”.

       Dessa forma, é importante perceber que a postura negacionista vai muito além de menosprezar questões específicas, como o novo coronavírus. O pesadelo real é que uma mentira dita mil vezes não se torna verdade, pelo contrário, as pessoas que acreditam nela tornam-se coniventes e contribuem para o silenciamento daqueles que lutam por modificar “o novo normal”. O problema maior está em o próprio estado contar essa mentira.

2 comentários sobre “EDITORIAL – A pandemia e o (nega)ci(o)nismo

  1. Excelente texto!
    Muito importante ampliarmos os conceitos que utilizamos cotidianamente ao contexto histórico.
    Realmente vivenciamos um cenário conturbado, confuso, e de certa forma, até trágico e perigoso. Precisamos seguir em frente e resistir!
    Parabéns ao Oconsoante por esta leitura.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *