por Lucca Portolese

          A professora Marta Bellini inicia sua vida em no estado de São Paulo – no município de Porto Ferreira, onde nasceu em uma família grande, de classe média e muito trabalhadora. Desde muito cedo presenciava os movimentos sociais que emergiam da época de ditadura no Brasil, se tornando assim, uma pessoa imersa em assuntos de cunho político. Preocupada com a população que sofria na época, tinha uma grande consciência das classes que povoavam a cidade. Teve contato com diversas vozes, tanto conservadoras quando liberais em sua família, situação que a ajudou a expandir seus horizontes e a compreender melhor sobre a sociedade em que estava inserida. Uma jovem também cercada de literatura, uma leitora ávida e apaixonada pela língua francesa, que leu de Crime do Padre Amaro a Madame Bovary e O Amante de Lady Chatterley. Ela trocava livros entre amigos ou os comprava e fazia de tudo para continuar expandindo seu conhecimento de mundo. A literatura não era só importante ao longo de sua vida, assim como o oxigênio “me ajudava a sobreviver”, afirma ela.

            Porém, contra todas as expectativas, Marta não fez alguma faculdade de Letras ou seguiu a carreira política, apesar de continuar atuando de maneira bastante ativa em greves e manifestações que surgiam cada vez mais no Brasil daquela época. Ela se direcionou para a área da Biologia, iniciando seus estudos na USP de Ribeirão Preto, em 1974. Seu caminho teve mais uma reviravolta, quando, em determinado dia, na cantina da universidade, ela viu o cartaz de uma peça teatral “Fala baixo ou eu Grito!”, de Leilah Assumpção, e inspirada por essas frases, que na época considerou muito revolucionária, Marta entrou no movimento estudantil. Os períodos de tensão durante a ditadura só aumentavam, e logo em 1976, seu penúltimo ano da faculdade, participava de uma grande greve que parou a USP.

          Em 1977, ela finalmente se formou em Biologia, e um ano depois, já retornava a faculdade, mas agora focando nas ciências sociais na Unicamp. Os anos que seguiram foram complicados para ela. Marta acabou enfrentando uma severa depressão devido aos problemas causados por ser alguém tão politicamente empenhada, que participava de várias manifestações e se comunicava tão abertamente com seus alunos. “Foram tempos muito difíceis para mim”. Mas ainda lutando pelos seus grandes ideais, e com a literatura permanecendo com um papel fundamental em sua vida, em 1981 ela começou seu mestrado em Educação, e hoje brinca: “Sempre digo a todos que meu nome deveria ser Renata, pois o nome significa renascida, e foi como eu me senti depois de superar tudo que eu passei”.

          Ela renasceu como pessoa, e continuando suas batalhas, em 1986 a professora defendeu seu mestrado intitulado “A face naturalista da pedagogia” e veio trabalhar como colaboradora em Maringá, na UEM, se efetivando no ano seguinte e permanecendo por mais 33 longos anos. Completando nesse tempo seu Doutorado em Psicologia, em 1993. Atualmente está na área de metodologia de pesquisa e epistemologia das ciências. Sua paixão por dar aulas é inquestionável. Ela procura se conectar com seus alunos, prefere se tornar amiga e conselheira dos que a quiserem assim. Porém, sua atuação em Maringá não se resume apenas à Universidade. Marta continuou sendo uma pessoa de forte opinião política, lutando pelos direitos dos professores e melhores condições de trabalho em diferentes cidades do Brasil. Participou de debates e de outras manifestações, além de ser uma das líderes na grande greve da UEM, em 2000/2001 e em 2015, uma pessoa política que sempre lutou por melhores condições de trabalho de seus colegas professores. Ela também atuou como diretora do SINTEEMAR durantes os anos de 2001/2002, e atualmente está na SESDUEM em seu quarto mandato.

          A professora também está prestes a inaugurar uma editora com sua colega de departamento Patrícia Lessa. A editora “Maria Lacerda de Moura”, em homenagem a outra mulher igualmente batalhadora e considerada por muitos como a primeira feminista, terá como função publicar textos não acadêmicos, desde poesias a manifestos. O que para Marta é uma forma que encontrou para estar ainda mais próxima do que é um dos seus meios de sobrevivência, a literatura.

          A literatura está intrínseca ao ser que é Marta Bellini, tanto que são praticamente sinônimos! Apesar de não levar isso como uma profissão, ela se conecta com as palavras de um jeito singular, as fazendo ter outra percepção de mundo “Quando estou lendo um livro eu quero demorar o máximo de tempo para acabar, para não deixar tão cedo esse mundo”. Entrando em contato com tantas realidades ao longo dos anos, é quase previsível dizer de seu  entendimento com a diversidade e desigualdades sociais, e tudo isso colabora para que ela continue ativamente na militância.

          Prestes a se aposentar e com peso no coração, ela responde a pergunta, que talvez seja a pergunta principal a ser feita para todos que dedicam tantos anos e esforço para a Universidade, “O que a universidade significa para você?”, Marta responde simplesmente, “liberdade”. A Universidade, para ela,  representa todos os tipos de liberdade que se possa imaginar, e é muito difícil alguém passar por essa experiência sem tomar consciência que a diversidade está logo ao lado. “Mesmo que a liberdade não se concretize, pelo menos você sabe que existe”. Ela também considera dar aula uma “festa”, uma festa de afetividade e conhecimento e explica o quanto será difícil quando sua aposentadoria finalmente chegar, já que, apesar de não ser algo esperado, é necessário devido a alguns problemas de saúde. Porém, ela ainda tem planos de continuar com algumas aulas para a pós-graduação.

          A Universidade modificou tanto Marta Bellini quanto ela mesma (a professora, militante e amiga de muitos) modificou a universidade. E isso é algo que não será facilmente esquecido. Ela renasceu, gritou e foi ouvida, fazendo história na Universidade Estadual de Maringá.

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