por Daniela Schüroff e Kellen Ramos

          A corrupção tem sido pauta em praticamente todos os lugares e, neste ano de eleições gerais no Brasil, a promessa de combatê-la se tornou uma espécie de palavra de ordem. Entretanto, não é um fenômeno novo. Para o professor doutor Joilson Dias, do Departamento de Economia da UEM, “o uso dos recursos públicos em proveito próprio, em especial quando se obtém vantagens indevidas decorrente do cargo público, é um fenômeno da história do Brasil”. Para exemplificar esta afirmação, Dias relembra do sermão “O Bom Ladrão”, de 1655, em que Padre Antônio Vieira já denunciava estas práticas no Brasil. “A diferença principal entre a corrupção do passado e a que observamos no presente”, afirma o professor, “é que na atualidade até conseguimos medir de forma indireta seu impacto social e econômico. E devido a estas medidas passou a se ter uma política ou consenso internacional voltada para a necessidade de combater de todas as formas a corrupção, especialmente a lavagem de dinheiro.”

          A corrupção também não é uma jabuticaba brasileira. Fundamentado no filósofo italiano Niccolòdi Bernardo dei Machiavelli (no Brasil, mais conhecido por Nicolau Maquiavel), o professor doutor José Antônio Martins, do Departamento de Filosofia da UEM, afirma que “a corrupção política é um fenômeno inerente aos corpos políticos” e “ocorrerá necessariamente em qualquer cidade, assim como a doença e a morte ocorrerão em qualquer ser vivo”. Sobre o “corpo político” brasileiro, Martins afirma que prevalece o fisiologismo, pois, no presidencialismo de coalisão, o chefe do Executivo precisa compor alianças com políticos do legislativo, “composições que nunca são ideológicas, sempre são fisiológicas”, e cuja moeda de troca são nacos de poder, trocas de cargos. Assim, o mandato se torna “um balcão de negócios, não um lugar para discutir propostas de melhorias”. O Judiciário, que “poderia ser um elemento de organização e de diminuição desse germe corrupto, se tornou um foco de corrupção”. Além disto, para Martins, alguns grupos políticos têm sido tratados com leniência pelo Judiciário, ao contrário de outros, cujos líderes são achacados. Assim, além do sistema político que favorece a corrupção, “não temos órgãos de controle”, ressalta Martins.

          Em contrapartida, o professor Joilson Dias diz acreditar que, como cientista, não se deve afirmar que a corrupção nos órgãos públicos é inevitável. “Isto porque o ser humano tem demonstrado ser capaz de feitos infinitamente superiores. Basta um grupo de cientistas ou até mesmo de cidadãos se dedicarem a estudar o órgão corrupto que esta será eliminada ou minimizada, pois acredito que somos capazes de criar sistemas eficientes de detecção e combate a corrupção.” Para ele, o que não existe ainda é um comprometimento de administradores públicos eleitos com o efetivo combate à corrupção. Além disto, “as leis atuais beneficiam a prática da corrupção, bem como a lentidão e a ineficiência do setor judiciário”, afirma.

           De acordo com Gabriel Antônio Roque, acadêmico do curso de Direito que estagiou no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) em 2017, a corrupção pode designar diversos tipos penais, que é como se classificam os crimes no código penal e em outras legislações. “A corrupção política (alta corrupção) envolve a passiva que é quando uma pessoa solicita ou recebe, direta ou indiretamente, em razão da função que ocupa na administração uma vantagem indevida ou ela aceita uma promessa de tal vantagem, relacionada à lavagem de dinheiro”, explica. Gabriel também destaca outros tipos de corrupção como a ativa, que é a promessa de uma vantagem indevida a um funcionário público induzindo-o a praticar, omitir ou retardar algum dado de ofício. Há também a prevaricação quando o agente público deixa de praticar um ato de ofício ou utiliza tal ato contra a lei. Outro crime é a concussão, o agente público exige do particular algum favor ou vantagem em razão da função que ele ocupa. Já no peculato, o funcionário público se apropria de algum bem em função do cargo que ele ocupa. “São dezenas de crimes relacionados à corrupção e esses especificamente são contra a administração pública. As penas são bem distintas, variando de três meses a doze anos, dependendo do crime e esses tipos penais podem ser conjugados e aumentados conforme a gravidade que o legislador entende que tem que ser atribuída àquele fato criminoso”, explica Gabriel Roque.

A Operação Lava Jato

        No cenário brasileiro a discussão judicial sobre corrupção veio à tona com o famoso caso da “Lava Jato”. A operação, que ficou conhecida por esse nome devido a uma rede de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar recursos ilícitos pertencentes a uma das organizações criminosas, é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve.

           Para as investigações, a delação premiada teve grande importância nos últimos anos para o esclarecimento dos crimes de corrupção, principalmente nos altos escalões governamentais do país. Durante o estágio no GAECO, Gabriel Antônio Roque teve a oportunidade de participar de perto com a temática. De acordo com ele, o nome jurídico da delação é Colaboração Premiada e surgiu de uma lei aprovada em 2013, a lei 12.850, a qual trata das organizações criminosas. “Ela instituiu no ordenamento jurídico brasileiro, de forma mais aprofundada, a colaboração premiada, na qual os profissionais do direito têm que lidar de maneira muito responsável. Isso porque só a palavra de um delator, só a palavra de uma pessoa que, em tese, também participou do ato criminoso que está sendo investigado, não pode ser suficiente para condenar uma pessoa, não apenas juridicamente ou penalmente, mas também condená-la publicamente e socialmente por conta de algo que alguém disse se não tiver outras provas que indicam e confirmem o crime”, enfatiza Gabriel. “Ninguém assina um recibo de uma propina, por exemplo. Então a colaboração dos próprios criminosos que delatam os seus comparsas ou pessoas que praticaram atos de corrupção é importantíssima. Mas tem que se lembrar que são meios de provas e não provas especificamente no seu sentido literal. Elas têm que ser corroboradas, confirmadas depois por mais provas que o próprio delator traz ou indica como foram obtidas”, explica o estudante, que enxerga a importância da delação, pois indica para as autoridades competentes como devem ser obtidas tais provas e como funciona a estrutura daqueles atos de corrupção.

          Sobre a “Operação Lava Jato”, o professor José Antônio Martins é categórico ao afirmar que não se trata de um instrumento de combate à corrupção. “O Judiciário e o próprio Código de Processo Penal não são instrumentos”, porque operam na lógica de individualizar penas e culpas. O Estado pode prender o indivíduo, mas não acabará com a lógica de ação da corrupção. Assim, o combate será inócuo se focado apenas na moral individual. Além disso, a maneira como o tema é tratado pela mídia e pelo judiciário brasileiro leva a uma aversão aos políticos e, ele afirma, “você não cura a corrupção demonizando a política”.

           A demonização da política também é preocupação em Portugal. Durante o intercâmbio realizado na Universidade do Porto, Gabriel Antônio Roque participou do Congresso Internacional Luso-Brasileiro de Corrupção e Governança Corporativa. De acordo com Gabriel, a relação do Judiciário, do Ministério Público, do político, se havia imparcialidade, se havia uma caça aos políticos, se havia uma criminalização da política também eram preocupações e discussões que se faziam em Portugal. No evento, foram debatidos vários problemas envolvendo a corrupção. Inclusive a delação premiada, suas vicissitudes, suas falhas e cuidados que se devem ter em relação ao que foi delatado eram problemas amplamente discutidos entre os pesquisadores e professores portugueses e brasileiros que fizeram as palestras no evento. “Fiquei surpreso em saber como os problemas que afligem o Brasil preocupam também Portugal. A família que me hospedou tinha as mesmas preocupações que as minhas (quando estava no Brasil) em relação à questão do pagamento de propina e superfaturamento de obras públicas. Lá há muita propina para empreiteiras. Portugal inclusive teve um ministro preso preventivamente, o José Sócrates, na operação Marquês, pelo pagamento de propina e envolvimento em ato de corrupção”.

 E tem mesmo remédio contra a corrupção?

           Para o professor José Antônio Martins, não. “A corrupção não tem remédio, nem receituário”, mas pode ser muito reduzida com a participação das pessoas em assuntos da coletividade. “Quando a vida coletiva é tratada de forma coletiva, diminuem os particularismos e a privatização da coisa pública, que é o primeiro sinal de corrupção”, enfatiza Martins. Outro elemento muito importante e que nos falta muito, segundo ele, é a transparência. Neste sentido, a comunicação pela internet e pelas redes sociais têm sido grandes instrumentos de combate.

           Em seu livro “Proposta de Uma Constituição do Futuro: novos princípios de igualdade perante as leis e de democracia”, publicado em 2017, pela Editora CRV, o professor Joilson Nunes apresenta sua visão sobre ações de combate à corrupção. Segundo ele, precisamos de uma efetiva separação e independência dos poderes Legislativo e Executivo e isto seria feito através da Democracia do Futuro. A proposta é dividir o país em distritos eleitorais, em iguais proporções, obedecendo ao princípio de que todos são iguais perante a lei e devem ter o mesmo direito de representarem e serem representados. Dentro de cada distrito, seriam escolhidos, aleatoriamente, os representantes do legislativo municipal, estadual e federal. Dentre as vantagens do chamado sistema democrático do futuro, estariam a melhor representatividade da diversidade de classe social, cor, raça, gênero etc; menor custo, pois não seriam necessárias campanhas ou tribunais eleitorais para julgar os casos; e a possibilidade de recall, pois os cargos pertenceriam aos distritos.

            No Judiciário, todos os casos seriam julgados por tribunais de júri popular, escolhidos também de forma aleatória. A medida, de acordo com o professor, segue o princípio constitucional de igualdade e leva em conta que a Constituição é feita pelas pessoas e somente a estas cabe a interpretação das leis. Neste sistema, afirma Nunes, o juiz não teria poder de interpretação e decisão, o que reduziria a corrupção; o júri seria soberano e os processos seriam céleres, dentre outros pontos positivos.

           Quaisquer que forem as perspectivas de análise, a corrupção é um fenômeno antigo, complexo e prejudicial à sociedade. Combatê-la, ou amenizá-la, é uma guerra onde não existem heróis ou salvadores da pátria. Uma guerra em que as armas estão nas mãos de todos, coletivamente e pelo coletivo.

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