por Paulo Cruz e Rafael Alves

         Não é de hoje que a questão das cotas raciais serve de pauta para diversos debates e discussões. É a partir de 2004, momento no qual a primeira universidade do Brasil – Universidade de Brasília (UnB)– adere ao sistema de cotas raciais nos seus processos de vestibular, que esse tema ganha efervescência. Seja por algum comentário que ouviu, seja por uma notícia que leu, você provavelmente já deve ter se deparado com esse assunto e parado para pensar sobre ele. E, então, como você se posiciona? Caso não tenha uma opinião formada, não há problema. A partir de agora, traremos um pequeno, mas relevante, apanhado de informações que podem te ajudar a refletir.

          Primeiramente, é necessário ter em vista todo o percurso sócio-histórico que constituiu o nosso país e que traz implicações até os dias atuais. A nossa história foi reconhecidamente marcada por 354 anos de escravidão. No período pós-abolicionista, imigrantes europeus foram encorajados e até mesmo beneficiados por ações do Estado para tentarem a vida em solo brasileiro. Em contrapartida, a população negra foi largada à própria sorte, sem nenhum tipo de auxílio, sendo relegada a viver na pobreza. E como isso se relaciona com as cotas raciais?

            Djamila Ribeiro, pesquisadora e mestre em filosofia política, em um artigo de opinião veiculado na Carta Capital, diz que as cotas são uma modalidade de ação afirmativa que visa diminuir as distâncias na educação superior, reconhecendo-se que a população negra é muito pequena na academia, ao passo que é a maioria no Brasil. Em suma, ação afirmativa é uma medida especial que propõe a eliminação de desigualdades historicamente acumuladas. Portanto “é necessário conhecer a história deste país para entender porque certas medidas, como ações afirmativas, são justas e necessárias. Elas precisam existir justamente porque a sociedade é excludente e injusta para com a população negra”, afirma a pesquisadora.

            Então, você pode se perguntar: as cotas sociais, voltadas àqueles provenientes de famílias de baixa renda que estudaram em escola pública, já não seriam o suficiente para equilibrar a balança? Djamila explica que não. Embora sejam de inegável importância, ao contemplarem tanto brancos quanto negros de classe baixa, continuam favorecendo os brancos, pois estes “possuem mais possibilidades de mobilidade social, uma vez que não enfrentam o racismo”, acrescenta.

             Chegamos à raiz do problema: o racismo. Djalmila assevera que “há quem pense que racismo diz respeito somente a ofensas, injúrias e não percebem o quanto vai muito mais além: se trata de um sistema de opressão que privilegia um grupo racial em detrimento de outro”. Considerando a questão das cotas, é preciso admitir que o racismo institucional impede a mobilidade social e o acesso da população negra às universidades. Assim, nessa perspectiva, a não implementação das cotas raciais reforça o privilégio de uma raça sobre outra, caracterizando-se como uma forma de propagação do racismo.

            Mas todos nós não temos as mesmas capacidades? Logo, as cotas não seriam uma maneira de afirmar que os negros são menos capazes? Esse é um discurso muito comum de se ouvir. No entanto, para Djamila, precisa ser desmistificado. De acordo com a pesquisadora “cota não diz respeito à capacidade, capacidade sabemos que temos; cota diz respeito a oportunidades. São elas que não são as mesmas”. Ribeiro ainda faz menção ao conceito de equidade que, na acepção aristotélica, significa tratar desigualmente os desiguais para se promover a simetria. Isto é, quando se está diante de realidades assimétricas, prover o mesmo a todas elas só serve para manutenção dessas assimetrias. Isso reforça, mais uma vez, o porquê de as cotas raciais serem necessárias.

          Mas há quem discorde. A antropóloga Yvonne Maggie, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), posiciona-se, em seus trabalhos, contra as cotas raciais. Para ela, as leis raciais apenas incentivam o pensamento segregacionista que inculca nas pessoas a noção de serem diferentes umas das outras e, portanto, merecedoras de direitos individuais conforme a sua raça. De tal modo, as pessoas são ensinadas a se definirem a partir da cor da sua pele.

           A professora aponta as cotas destinadas à população pobre como uma solução, levando em conta, segundo ela, que essa população é majoritariamente composta por pretos e pardos. Yvonne acrescenta que tal medida impede que as pessoas sejam estigmatizadas pela sua cor e arquem com o ônus advindo disso.

            Todas essas discussões passam a ter ressonância nas universidades, sobretudo naquelas que ainda não contam com o sistema de cotas raciais. Um desses exemplos é a Universidade Estadual de Maringá (UEM). Embora o posicionamento contrário ou favorável ainda seja polêmico, há forças, nesse local, mobilizando-se a fim de fomentar discussões com a comunidade, com vistas à sensibilização acerca desse tema. Destaca-se o coletivo Yalodê-Badá que, entre outras ações, promoveu um evento de extensão intitulado “Por que a UEM não tem cotas raciais?”, em novembro de 2017.

            Uma das representantes desse coletivo, Eloá Lamin da Gama, formada em história nessa universidade, chama atenção para o fato de que as pessoas negras, no imaginário social, destinam-se a determinados espaços que remetem à servidão e à pobreza. Então, quando um aluno negro adentra o espaço acadêmico, que é elitista, branco e eurocêntrico, subverte-se a lógica de que os negros servem apenas para trabalhos braçais ou servidão, reforçando-se que estudar e obter titulação acadêmica é também para os negros.

          Para Eloá, a representatividade é a chave para o enfrentamento do racismo. Um dos fatores que perpetua o racismo é falta de pessoas negras em determinados espaços, como o acadêmico, sobretudo assumindo a liderança. Portanto, “as cotas raciais proporcionam mais alunos negros dentro da faculdade, então, com mais alunos negros ocupando esses espaços, haverá menos racismo”, diz.

          Com mais alunos negros nas palestras, eventos e salas de aulas, haverá questionamentos em relação à vivência negra, passando-se a consolidar e legimitar os saberes e conhecimentos desse grupo. Assim, essa presença que incomoda a lógica eurocêntrica branca da universidade vai sendo desconvertida aos poucos. Desse modo, “as cotas raciais combatem o racismo, à medida que diminuem a desigualdade social entre pessoas brancas e negras dentro da universidade”, completa Eloá.

          O relato da representante do coletivo coaduna-se com o posicionamento de Djamila, no sentido de que reitera a importância de ações afirmativas, como as cotas sociais, para que haja representatividade e legimitação dos saberes e da cultura negra nas universidades e, assim, possa-se bater de frente com o racismo que ainda perdura.

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