por Isabela Cristo e Kellen Mandarino

          Filosofia, História, Geografia, Sociologia, Artes e Artes Cênicas. “Se você está pensando em estudar um desses cursos, só pagando!”. Esta é a opinião de Thiago Turetti, paulistano e autor de uma proposta, disponível no portal e-Cidadania, para a extinção dos cursos de humanas nas universidades públicas. Turetti afirma ser mais adequado usar dinheiro e espaço públicos em “cursos de linha”, como Medicina, Engenharia, Direito, entre outros, já que, para ele, “o País precisa de mais médicos e cientistas”. Para que o tema seja analisado pela CDH – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa –, é necessário obter, em até 120 dias, 20 mil apoiadores. Até meados de maio, pouco mais de 7 mil pessoas apoiaram a ideia.

          Em resposta, a paraense Acsa Silva propôs uma ideia legislativa no mesmo canal, o e-Cidadania, com o objetivo oposto: sugerir “a permanência dos cursos de humanas nas universidades públicas, visando assegurar a realização presencial desses cursos em universidades públicas, assim como os ‘cursos de linha’”. A proposta, que já conseguiu mais de 50 mil manifestações de apoio, deve seguir para a CDH.

          Um caso semelhante ao do Brasil aconteceu no Japão. Em 2015, o governo japonês criou uma proposta de cancelamento de cursos de Humanas em universidades, quando Hakuban Shimomura, ministro da Educação do Japão, enviou uma carta aos reitores das 86 universidades do país com a seguinte recomendação: “tomem ações para abolir organizações (de ciências sociais e humanas) ou sirvam áreas que contemplem as necessidades da sociedade”.

           Segundo o portal britânico Times Higher Education, na época, das 60 universidades que ofereciam cursos nessas disciplinas, 26 confirmaram que cancelariam ou reduziriam o corpo docente. 17 universidades nacionais aboliram o processo seletivo de estudantes para cursos de Ciências Sociais e Humanas, incluindo cursos como Direito e Economia, de acordo com uma pesquisa com reitores de universidades feita pelo jornal Yomiuri Shimbun.

          No Japão, houve duas reações ao decreto. NishioShojiro, presidente da Universidade de Osaka, foi um dos primeiros a apoiar a ideia e a incentivar a administração das outras instituições a fazerem o mesmo. No entanto Takamitsu Sawa, reitor da Universidade de Shiga, denunciou o ato do governo como “anti-intelectual” por distorcer as políticas governamentais relacionadas à educação, e o Conselho de Ciência do Japão, organização multidisciplinar de cientistas japoneses, expressou oposição e “profunda preocupação” em relação ao impacto que esse decreto poderia representar no meio acadêmico. No Japão, diferentemente do Brasil, minimizar as ciências humanas em detrimento das ciências naturais está presente desde a Segunda Guerra Mundial.

         A propósito deste assunto, conversamos com o Professor Angelo Aparecido Priori, diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Estadual de Maringá. Para ele, extinguir os cursos de Humanas das universidades públicas seria catastrófico. Como exemplo do impacto negativo de tal proposta, enfatiza que 80% dos cursos para formação de professores do ensino fundamental e médio são das áreas de humanidades.

         As Ciências Humanas estudam o homem, ser social que “interage entre si em diversas manifestações: sociais, culturais, religiosas, politicas, filosóficas etc.” Compreender o homem – afirma Priori –  é necessário para “desvendar as complexidades da sociedade, suas criações e seus pensamentos”. Assim, ele assevera, os cursos de humanas são tão importantes quanto os ditos “cursos de linha”, pois estudam as “expressões da riqueza da existência da humanidade”.

         A incompreensão sobre o tema afeta, inclusive, o financiamento de pesquisas na grande área de humanidades. Constituída pelas artes, direito, educação, filosofia, literatura etc, costuma receber menos recursos do que as chamadas áreas “duras”, como as engenharias e tecnologias. Para o professor, este julgamento está equivocado. Embora a robotização da sociedade seja importante, humanizá-la é ainda mais relevante e “só alcançamos isso com o pensamento criativo e crítico que são inerentes às ciências sociais e humanas”. Assim, apoiar pesquisas nas ciências humanas é uma forma de depositar esperança no futuro da humanidade.

         Unicamp e PUCRS acreditam nisto também. Ambas foram destaque na 27ª edição de uma avaliação de cursos superiores, promovida pelo GUIA DO ESTUDANTE, que mediu a qualidade de 16,7 mil graduações. Na Unicamp, os 12 cursos da área de Ciências Sociais e Humanas são ministrados em quatro faculdades do campus Campinas que, juntas, concentram 3 mil alunos: o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), o Instituto de Geociências e a Faculdade de Educação.

          No IFCH, em 2016, foram publicados 442 artigos em periódicos especializados. Para o diretor Alvaro Gabriel Bianchi Mendez, “O IFCH é a unidade que mais contribui com a produção científica da Unicamp e também a que mais colabora com a difusão de saberes”. Segundo ele, em 2016, as 58 linhas de pesquisa do instituto foram responsáveis por captar 510 projetos com recursos de instituições de fomento, o que representa 10% de toda a captação da universidade. “Nossos pesquisadores também publicaram 442 artigos em periódicos especializados, sendo quase metade deles em revistas de circulação internacional”, conta Mendez.

          Na PUCRS, os cursos de Ciências Sociais e Humanas integram a Escola de Humanidades, que tem o objetivo de evitar a fragmentação do conhecimento de áreas afins e trabalhar de forma interdisciplinar em temas atuais que necessitam de um olhar múltiplo, como violência, envelhecimento e era digital. Os professores desses cursos, doutores, em sua maioria, coordenam seis laboratórios de pesquisa e 120 grupos, divididos em 26 núcleos de pesquisa, com participação dos alunos de graduação e pós-graduação.

           Para dar suporte aos alunos, a universidade aposta na infraestrutura. “Um exemplo é o laboratório de aprendizagem para auxiliar nas dificuldades que os alunos tenham como consequência de um ensino básico falho”, diz Ana Regina de Moraes Soster, coordenadora do curso de Geografia. Para ela, esse tipo de assistência é importante, especialmente para os futuros geógrafos, que precisam de conhecimento em cartografia e, muitas vezes, chegam ao curso sem noções básicas.

          A polêmica sobre a necessidade (ou não) de ofertar cursos de Ciências Humanas em universidades públicas parece ser uma discussão inócua. Sua necessidade advém da própria natureza de ser humano. Ponto. No entanto, a importância das Ciências Humanas não exclui ou diminui a importância de estudos em outras áreas, inclusive nos chamados cursos de linha. O que parece ser mais pertinente, e talvez seja o pano de fundo da proposta de Thiago Turetti, seja o debate justo sobre políticas públicas que garantam direitos básicos aos cidadãos, como direito à saúde de qualidade, segurança pública e respeito ao cidadão, temas que, vejam só, são discutidos e estudados nas Ciências Humanas.

 

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