por Oscar Rodrigues e Rafael Alves

 

       Por acaso, ao ler o título, o que lhe saltou aos olhos foi o “erro” de concordância em “nos meio digital”? E, a partir dessa constatação, você concluiu que esta reportagem não tem credibilidade e cogitou a possibilidade de não fazer a leitura? Desculpe-nos ser insistentes, car@ leitor@, mas se você se identificou, aí é que precisa lê-la.

     Não é novidade que a internet e, consequentemente, as redes sociais estão presentes e influenciam nosso cotidiano. Embora, por um lado, elas tenham ressignificado as formas de nos relacionarmos, por outro, ainda reproduzem algumas condutas comuns nos meios não digitais.

         Você já deve ter presenciado alguém ser constrangido pela forma que fala, certo? Da mesma maneira, já deve ter visto algum comentário em postagem de rede social desqualificando a opinião/posição de uma pessoa simplesmente pelo jeito que ela escreve, por não seguir estritamente o que se concebe como “língua padrão”. Em outras palavras, por apresentar variação em relação a ela.

           E o que isso tem a ver com preconceito linguístico? Tudo! Para a professora Dra. Neiva Jung, cujas pesquisas versam sobre letramento e superdiversidade, docente no Programa de Pós-graduação em Letras (PLE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), quando é feito um julgamento de cunho negativo, tanto da língua escrita quanto da língua falada de uma pessoa, estamos diante de preconceito linguístico. E por que as pessoas se sentem no direito de fazer esses julgamentos? Segundo a professora, há uma ideologia de “língua padrão”, a qual é usada como parâmetro para que sejam emitidos juízos depreciativos – que são, muitas vezes, xenofóbicos. Assim, tudo que se desvia dessa “norma padrão” é considerado um “mau uso da língua”.

         Mas, afinal, essa “língua padrão” existe? Na visão da especialista, trata-se de uma língua abstrata, que não é falada por ninguém. Reflita por um instante: você acha que sua fala e/ou escrita estão totalmente de acordo com as regras da gramática normativa? A professora Neiva assevera que todos nós falamos o português brasileiro – ou “portugueses”, para contemplar as variações. E, a depender da formalidade do contexto, utilizamos a língua culta escrita ou falada. Sejam vídeos que circulam no YouTube sejam as famosas pérolas divulgadas nas redes em época de vestibular, o preconceito linguístico ocorre em diversas situações.

         Falando em YouTube, há o caso notório da youtuber Marcela Tavares, que é autora de vídeos intitulados “Não seja burro”. Neles, a moça dá dicas de como seguir a norma padrão da língua portuguesa. Tudo em tom de menosprezo e com humor pejorativo sobre as variações da língua.

         Outro episódio de valor depreciativo aconteceu com a cantora Anitta. Durante sua estadia em Maringá, no mês de maio, para se apresentar na 45ª Expoingá, a diva pop sentiu-se legitimada a corrigir textos escritos em inglês no quarto de um hotel onde estava hospedada. Os erros foram compartilhados no aplicativo Snapchat. Boa parte dos fãs condenou a postura da artista, tida como grosseira. Afinal, além dessa ação, a cantora fez utilização de um filtro de equino (para alguns, parecia um burro, ainda mais que a cantora emitiu, propositalmente, sons que se assemelham aos desse animal) em uma de suas selfies, em que continha o nome da cidade de Maringá, fomentando ainda mais sua posição de corretora linguística.

         Vamos pensar no outro lado da moeda? Você já sentiu na pele o preconceito linguístico? Ou imagina como a pessoa que sofre se sente? Independentemente da sua resposta, vamos ver, a seguir, duas histórias reais.

         Rebeca (optamos por utilizar pseudônimo), natural do Chile, morou no Brasil durante cinco anos para fazer um curso de graduação em Teologia. Nesse período, ela recorda que já foi alvo de piada no Facebook. Em uma publicação, utilizou uma palavra que no português tem um significado diferente do que no espanhol. Parece inofensivo? Sim. Mas ela relata que isso a fez se sentir desconfortável, ignorante e sozinha em um mundo de fala no qual não se sentia parte.

           Outro caso é o do blogueiro Diego (novamente um pseudônimo). O universitário, morador do Rio de Janeiro, conta que um grupo de pessoas usou o preconceito linguístico como arma. Contrários à sua opinião, comentários como “texto com muitos erros gramaticais” foram o meio para desqualificar seu posicionamento. Humilhado, tal fato o coibiu de escrever durante um tempo.

           Respondendo à pergunta-título: sim, existe preconceito linguístico nos meios digitais. Muitas pessoas podem “torcer o nariz” para essa questão ou achar que é mais uma invenção de uma geração problematizadora, que não vê humor em situações aparentemente inocentes. Ou, ainda, entender que é uma liberação para todo mundo falar “errado”.

         O que essas pessoas não entendem é que o direito linguístico é (ou deveria ser) um direito humano fundamental. Todos deveriam poder se expressar, demonstrar suas emoções, compartilhar suas visões de mundo e transmitir seus conhecimentos, sem coerção, da forma que se sentem fluentes e capazes. As pessoas devem se sentir livres para poder falar a sua língua – ou variante dela.

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