por Everton Paulino e Karina Soares

          Em junho do ano passado, foram à votação em todo o país os Planos Estaduais da Educação (PEEs) e os Planos Municipais de Educação (PMEs) juntamente com o Plano Nacional da Educação (PNE) a fim de planejar os andamentos da educação nacional nos próximos dez anos. Dentre os itens que compunham esses Planos, a Identidade de Gênero foi um item polêmico e que gerou discussões vigorosas em todo o Brasil.

Na sessão realizada em Maringá em 17 de junho de 2015, a discussão sobre gênero no PME-PR da cidade gerou contradições dentro da Câmara dos Vereadores e virou notícias nos telejornais locais pelo acalorado enfrentamento entre, de um lado, o grupo de religiosos e demais cidadãos contrários ao item e, de outro, um segundo grupo, do qual faziam parte membros da comunidade em geral e educadores a favor da inclusão do item no plano. O PME de Maringá foi aprovado, mas a diversidade de gênero perdeu a batalha, sendo retirados do documento os pontos que propunham o debate acerca do tema em sala de aula. Para a pesquisadora de gênero e raça e professora da Unespar em Campo Mourão, Fabiane Freire França,  que esteve presente nas sessões, o acontecimento, dado o resultado da PM, foi lamentável, pois “obrigar meninos e meninas a seguirem determinados padrões sociais é privá-los de construir sua própria identidade”,

A diversidade de gênero (não confundir com a diversidade sexual, embora  as discussões se encaminhem quase sempre aliadas) vem ganhando visibilidade aos poucos no panorama nacional a partir de movimentos sociais, políticos e humanos que vêm abalando a parcela mais conservadora da sociedade. Parcela essa que apresentou-se nas sessões de aprovação do Plano munida de cartazes, bíblias,  rosários e camisetas fazendo alusão à leis biológicas de reprodução, engrossando o coro de uma “ideologia de gênero”. Apesar de conquistas significativas pela comunidade, como o decreto Nº8.727, de 28/04/2016, que prevê em lei o reconhecimento do nome social de travestis e transexuais no âmbito da administração pública, promulgado pela então Presidenta Dilma Rousseff, ou então ações mais pontuais que preveem esse reconhecimento, como é o caso das escolas estaduais do estado de São Paulo, as estatísticas cada dia mais atrozes indicam para a necessidade de uma quebra do tabu da discussão, inserindo-a em ambientes basilares para a formação humana.

O que foi chamado de “ideologia de gênero” pela camada mais intolerante ao redor do país, com o teor pejorativo de “disseminação de valores ou de condutas” ainda tidos por eles como “errôneas”, nada mais era do que uma tentativa de introduzir ainda no processo da formação humana, social e científica dos jovens, a fim de proporcionar a conscientização, a tolerância, o aprendizado no combate ao preconceito. O que não foi possível, ainda.

A necessidade de abrir diálogos tem-se tornado urgente. Diversos episódios têm sido expostos pela grande mídia, como os inúmeros casos de agressões contra transexuais e travestis noticiados em todo o país. A exemplo, o da jovem transexual de 22 anos agredida por 20 pessoas na rua Augusta, em São Paulo. Além dessas atrocidades, outros ocorridos pioraram a situação do debate que já se encontrava em desequilíbrio. Em agosto de 2016, o Papa Francisco se pronunciou contrário à discussão de gênero nas escolas com o argumento de que seria terrível crianças “escolherem” o próprio gênero. O que  coloca essa notícia no mesmo patamar de atrocidades proferidas às agressões se dá pela influência que o Papa exerce na sociedade cristã como um todo e até mesmo em membros das comunidades evangélicas, que valem-se desse discurso como um argumento em favor do preconceito. Sobre isso, a pesquisadora Fabiane França comenta que “apesar das conquistas obtidas nessas duas primeiras décadas do século XXI como o Projeto Brasil Sem Homofobia (BRASIL, 2004) e mesmo a Resolução do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que condena qualquer tipo de discriminação motivada por orientação sexual ou identidade de gênero, nos deparamos com muitas resistências da própria sociedade em dialogar sobre essas questões, o que fere o processo de construção do respeito recíproco entre os alunos e alunas.”

As discussões acerca da diversidade de gênero seguem, assim, à margem, mais um combate entre pontos inflexíveis (um, pela luta por seus direitos, outro, ancorado em sua ignorância) do que um diálogo. A recente escolha por três mulheres transexuais para carregar a bandeira de países na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, dentre esses o Brasil, é uma luz para o termo, agora bastante conhecido mas praticado a duras penas, representatividade. Na mídia em geral, essa representatividade trans encontra forças em atrizes como Laverne Cox, popularizada pela série Orange Is The New Black e pelo remake recente do musical The Rock Horror Picture Show, e Thammy Miranda, filho da cantora Gretchen, que, em um dos seus últimos passos para a sua total identificação como homem trans, divulgou nas redes sociais o desejo pela escolha de um novo nome.

Pontos nebulosos da pauta da diversidade de gênero ainda são presentes. Dentre eles, a inserção do feminismo neste debate e os desdobramentos acarretados por divergências entre grupos feministas mais radicais e o reconhecimento da transexualidade. A diversidade entre homens e mulheres também é um ponto que deve ser refletido mas muitas vezes não acompanha o mesmo fluxo dos debates. A representatividade de homens trans como Tammy é outro ponto muitas vezes relegado, tal qual o é o papel das mulheres homossexuais na pauta LGBT.

O que sabemos ao certo é que a diversidade de gênero precisa, acima de tudo, ser reconhecida e ser inserida nos diálogos. Suas multi facetas muitas vezes geram apreensão até mesmo em diálogos positivos, tudo pelo medo do erro. É preciso conhecer e despatologizar as identidades transexuais, não só para esclarecer-se e por-se a par das discussões, mas principalmente para combater o preconceito que é alimentado pelo medo do desconhecido. Para isso, nada mais justo e nada mais efetivo do que o respeito aos princípios da representatividade: inserir nesses diálogos e em todo o âmbito da vida social, a voz de pessoas transexuais e travestis, para que essas possam compartilhar suas experiências, suas vivências e seus conhecimentos; para que essas possam ser reconhecidas como membros da sociedade, para que possam ser reconhecidas como os seres humanos que são.

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