por Allana Freitas e Fernando Prezotto

Dizem que uma família só existe realmente após terem crianças. Estas são entendidas como um resultado do amor e da união entre duas pessoas; num conceito comum, a presença de uma criança transforma um casal ou um par em uma família.

Sempre convivemos com diversas configurações de famílias, e o  que era antes restrito ao universo “homem e mulher e crianças”, passa a ser mais abrangente: mães solteiras/viúvas, pais solteiros/viúvos, e pares homoafetivos são exemplos desta nova diversificação.

Neste contexto de diversificação e de mudança, casais homossexuais que desejam constituir uma família e que não podem gerar seus próprios descendentes encontram na adoção uma alternativa. A família passa a ser constituída por laços além dos sanguíneos.

De acordo com Maria Helena Diniz (2008, p. 484) “[…] adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”.

A complexidade do ato legal de adotar no geral é bem grande. Conversamos com Gisele Castanheira dos Santos, graduada em psicologia pela Universidade Estadual de Londrina e especialista em psicologia jurídica; há quatro anos analista judiciária, especialidade psicologia, no Tribunal de Justiça da Comarca de Cascavel, Paraná. Gisele afirma que : “não existe diferenciação nenhuma em relação a casais heterossexuais, ou mulheres sozinhas, ou homens sozinhos; todos são tratados da mesma maneira, o processo é igual para todos.”

Para cada criança pronta para adoção, há seis processos em andamento para acolhê-la, mas diferença entre perfil idealizado e o mundo real é obstáculo à redução da enorme fila de espera. A psicóloga comenta que aqueles interessados em adotar devem fazer um levantamento de diferentes documentos para comprovar renda, moradia, idoneidade e união estável. “[Os interessados] passam por um curso de preparação para a adoção, passam por uma entrevista, uma avaliação, e aí são habilitados, caso seja avaliado que têm condição de adotar uma criança”, diz Gisele.

Também conversamos com um casal homoafetivo – cuja identidade será preservada – sobre o próprio processo de adoção. Eles falaram logo de cara: é uma lista enorme de documentos. O casal, de Cascavel (PR) comenta sobre o processo: “Entramos com o processo de adoção em 2014, e precisamos cumprir todas as etapas, levantar vários documentos. Além disso, foi preciso fazer um curso de sete módulos, em que são levantadas diversas questões e questionamentos, como, por exemplo, que adotar uma criança não é para salvar um relacionamento, não é brincadeira. O curso faz o casal refletir se quer mesmo ou não adotar”. Para eles, os módulos foram esclarecedores, reforçando a vontade de adotar. Depois, um agente da assistência social faz uma visita à residência, faz uma vistoria e tira fotos do local para análise jurídica. O próximo passo é a entrevista com psicólogos e assistentes sociais. “Foi exaustivo, porém necessário. Mais de uma hora e meia. Fizeram uma entrevista com cada um de nós, separadamente, depois com os dois juntos” comentou o casal. Na entrevista, foi pedido sobre tudo, de trivialidades do casal até questões familiares.

Durante a entrevista, aspectos importantes são avaliados. “A relação da pessoa com a família dela, o próprio relacionamento conjugal, como o casal lida com as dificuldades, se os dois estão juntos neste processo adotivo, porque muitas vezes apenas um deseja adotar, se os dois desejam o mesmo perfil de criança,” diz Gisele. “A maioria dos casais está no processo de adoção porque não pode ter o filho biológico, então avaliamos se foi feito o luto por essa impossibilidade, pois as vezes o casal mal faz esse luto e já vem adotar, e as chances da adoção dar errado aumentam, existe uma tendência a haver uma rejeição. Também avaliamos o perfil do casal, se conseguem ser comunicativos, afetivos, e também a motivação para a adoção, o que é a adoção para as partes, porque a adoção não pode estar ligada a caridade ou a pagar promessa, mas sim estar ligada a vontade de ter uma criança”. Além disso, a psicóloga comenta que muitos casais querem adotar o mesmo perfil de criança (branca, menor de três anos de idade e saudável) e que, durante o curso, isso é desmistificado, além de esclarecido que uma adoção tardia (de crianças acima de três anos) também tem grandes possibilidades de ter sucesso.

Porém, definir o perfil de criança não é como um catálogo. Os interessados podem escolher sexo, se conseguem lidar com doenças que sejam tratáveis, e devem dizer se aceitam adotar crianças com HIV ou outras doenças não tratáveis. Este estreitamento pode parecer estranho em um primeiro momento, mas é um procedimento que está voltado ao melhor interesse da criança. “Não que é estamos dizendo que o casal pode fazer varias exigências, não; mas é para que o casal diga com o que conseguem lidar melhor e com o que não conseguem lidar para evitar que a adoção dê errado, para que a criança vá para uma família que a receba bem com suas peculiaridades”, diz Gisele. A psicóloga adiciona que tem observado pontos extremamente positivos em casais homoafetivos que buscam a adoção. “Pensando na adoção, talvez pela quantidade de preconceito que sofreram durante a vida deles, eles [os casais homoafetivos] tem uma capacidade muito grande de se colocar no lugar da criança que, às vezes, casais heterossexuais não tem” afirma a psicóloga. ”Por exemplo, os pares homoafetivos aceitam crianças com doenças sérias, mais velhas do que outros casais, e depois, quando adotam, percebemos que conseguem entender mais o lado da criança e não idealizam tanto o filho adotivo, o que é uma característica muito positiva na adoção”.

Em relação a adoção, não há nenhuma restrição nas condições nacionais para adoção que trate especificamente de casais homoafetivos, assim os métodos analisados para a aprovação  são os mesmos independente de quem entra com o pedido de adoção. “Fomos muito bem recebidos, sem preconceito!” O casal comentou. Apesar disso, relatos em todo o país comprovam que as adoções por casais homoafetivos são bem mais difíceis de serem aprovadas, provavelmente devido ao preconceito em relação a configuração familiar.

Há, no Brasil e no mundo, vários movimentos contra a adoção por casais homoafetivos. Pedro Henrique Alves, no website brasileiro Pro Ecclesia Catholica (veja o texto aqui), em uma publicação de janeiro de 2014, de título “Por que dizer não à adoção de crianças por casais homossexuais?”, lista quatro (absurdas) razões pelas quais homossexuais não devem ter permissão para adotar crianças: 1 – imposição cultural, com os argumentos de que os “homossexuais militantes” pouco se importam com as crianças, e na verdade querem se infiltrar na sociedade cristã para que esta ceda a “organizações internacionais que pressionam o governo para uma nova moral mundial”; 2 – imposição homossexualidade como uma nova vertente sexual, em que o autor argumenta que a exposição ao homossexual torna uma pessoa mais propensa a “escolher” ser homossexual; 3 – traumas psicológicos, em que argumenta que a caridade da adoção ultrapassa a ética e a moral, afirmando que a homossexualidade não existe naturalmente e é um problema psicológico, o que acarreta em uma difusão de “gayzismos”, gerando diferentes traumas; 4 – política fútil, que diz que o Brasil utiliza de políticas que permitem a adoção por casais homoafetivos para tapar o sol com a peneira, quando deveriam adotar uma política de castidade, principalmente em locais de desigualdade social e pobreza, onde indivíduos mais se reproduzem.

São preconceitos que acontecem diariamente, e que impedem crianças de saírem do sistema de adoção. “Em Maringá,” nos disse A.C.P., “tem gente que nega pedidos de adoção para casais homoafetivo sem pensar duas vezes, sem analisar documentos nem nada, simplesmente por uma questão religiosa”.

Ao ser questionada sobre movimentos contra a adoção por casais homoafetivos, a psicóloga Gisele disse ser lamentável, “principalmente porque quando as pessoas se colocam contra, as justificativas são muito embasadas no senso comum ou em crenças religiosas, que não deveriam estar interferindo em uma questão que é jurídica”.

Um dos grandes argumentos contra a adoção por pares homoafetivos é a questão dos papeis pai e mãe. Para a psicanálise moderna, compreende-se pai e mãe como funções, sendo possível mesmo a uma pessoa solteira exercer ambas as funções. Inclusive, a psicóloga judiciária confirma: “os pares homoafetivos que adotam tem direito a licença paternidade/maternidade”.

Para o casal entrevistado, a adoção é uma mudança de vida e um sonho realizado. “Quando recebemos a notícia de que receberíamos a criança em alguns dias, choramos copiosamente,” eles revelaram. “Para nós, é um sonho realizado. E faz questionar tudo, porque agora somos responsáveis por outra vida, por uma criança, temos mais responsabilidades emocionais, psicológicas, financeiras e espirituais. Essa nova etapa na nossa vida nos faz refletir sobre nossas próprias relações com familiares”. Segundo eles, é um processo trabalhoso, que pode ser cansativo em alguns momentos, mas isso é o que menos importa. “Já sabemos que outra adoção virá!”, eles afirmam.

O casal pensa que adotar é uma decisão importante que precisa ser feita com responsabilidade, e recomenda: “É preciso estar resolvido e se entender antes de pensar em uma adoção. Antes, tenham certeza, muita certeza mesmo se querem adotar. Uma criança é diferente de uma boneca que pode ser devolvida ou trocada quando bem entender”.

 

Um comentário sobre “Adoção por casais homoafetivos

  1. Ótimo texto, Allana e Fernando. O processo de adoção pode ser burocrático, demorado, mas não poderia ser diferente uma vez que a decisão pela maternidade/paternidade além de indiscutivelmente séria é, também, definitiva. Agora, se os critérios para aprovação são os mesmos, o que justifica tantos pedidos negados quando se trata de casais homoafetivos? O preconceito, as questões religiosas, o senso comum não podem destruir o sonho de dar família e amor a uma criança, criança essa que não está preocupada com a configuração familiar.

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