por Letícia Terazzin e Vanessa Ferreira

 

Um dos primeiros ensinamentos que os graduandos da área das ciências humanas têm é de que não existem verdades absolutas. Deparam-se, então, questionando tudo aquilo que está preconizado ou enrijecido pelo senso comum. Presenciamos tal fato na graduação em Letras, sobretudo nas disciplinas relacionadas à literatura: “O que é literatura?”, “o que pode ser considerado uma obra de arte literária?”, “o gênero drama pertence à literatura ou ao teatro?”, são apenas alguns dos questionamentos feitos pelos estudiosos da área. Além disso, diante da diversidade encontrada na literatura – com a sua ampla variedade de gêneros literários, de temáticas, de estilos, de teorias e de vozes enunciativas – é audacioso, e até certo ponto preconceituoso, ser taxativo, muito embora existam críticos e defensores daquilo que é padrão clássico.

Nesta reportagem, trabalhamos a diversidade literária no que se refere à questão do fazer literário e seus gêneros na contemporaneidade, nos valendo de uma conversa com professor-doutor Márcio Roberto Prado, formado em Letras, com ênfase em estudos sobre a comunicação, a arte e a cultura contemporâneas em suas relações com mídias e tecnologias, enfocando, sobretudo questões de poética. Prado é doutor em Estudos Literário pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e atualmente é professor adjunto do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Em uma perspectiva diacrônica, podemos observar que os gêneros literários não são puros e estáticos: eles variam e se transformam. Para o professor Dr. Márcio Prado, do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias, da UEM, que desenvolve pesquisas sobre comunicação, arte e cultura contemporâneas em suas relações com mídias e tecnologias, com ênfase em questões de poética, não seria absurdo considerar a “twitteratura”, (a produção literária oriunda do Twitter), ao menos como um subgênero literário especificamente novo. Com relação ao perfil dos autores desses “novos” gêneros, Prado nos diz que estes estão conectados constantemente, têm abertura em relação às produções coletivas, colaboram e mantém um canal aberto com os leitores (que são sempre potencialmente autores).

Os caminhos que os gêneros lírico, narrativo e dramático vêm trilhando são inúmeros. Segundo Prado, eles são limitados apenas pela criatividade e ousadia dos autores e pela disponibilidade ou ausência de recursos para explorar tais possibilidades. Ele destaca a existência de obras líricas produzidas e disseminadas pelas redes sociais e que caracterizam a “poesia viral” (encontrada em tantas fanpages do Facebook); Obras narrativas percebidas nas fanfictions, e nos games que, “em profundo diálogo com as narrativas literárias, oferecem interessantes perspectivas na esfera transmídia”; e obras da esfera dramática que conta com certa intermidialidade cada vez mais presente no âmbito teatral (com recursos explorados no próprio palco). Os suportes de circulação mais produtivos utilizados por essas produções literárias é o digital, que possibilita, inclusive, uma circulação mais efetiva (o que talvez represente o aspecto mais revolucionário dessas produções). Vale lembrar que algumas dessas produções terminam migrando para o suporte de papel, como é o caso de algumas fanpages de poesia viral.

Atualmente têm sido produtivos os diálogos entre a literatura e outras artes. De acordo com o professor, considerando os diversos procedimentos transmídia e transartísticos, não é espantoso que a literatura surja em conjunto com o cinema, com a música ou com os quadrinhos, o que é percebido em obras já assimiladas e com certa distância temporal. No tocante à cibercultura, o professor lembra que “a disseminação da literatura que se viu potencializada com o boom dos e-books e seu acesso via e-readers, tablets, celulares, notebooks e mesmo PCs. […]. Em suma, a cibercultura afetou a configuração da literatura em seus meios de produção, circulação, ensino e pesquisa”.

Márcio Prado afirma existir um desafio e um risco ao analisarmos obras literárias, que são produtos da cibercultura: “O desafio é o de abordar produções literárias “contaminadas” (sem nenhuma conotação pejorativa) por outras mídias e artes, tendo, para tanto, um instrumental teórico-crítico que nem sempre dá conta das demandas contemporâneas. O risco advém de tal contexto: é importante respeitar as especificidades de cada arte e de suas respectivas poéticas, inclusive em termos de conceitos e abordagens, o que nem sempre ocorre”.

Sabemos que, de modo geral, a diversidade vem atrelada a atitudes preconceituosas. Quando indagado sobre como essas manifestações preconceituosas ocorrem no meio literário, o professor nos disse que não há um único motivo ou uma simples resposta, para tais atitudes de intolerância. Se considerarmos alguns elementos como o preconceito com o autor, com a qualidade da obra, com a temática trabalhada, encontraremos casos de preconceito ligados a cada um deles, por vezes na recusa de uma mesma manifestação artística.

Diante dessa literatura a crítica especializada têm posicionamentos diversos: desde a intolerância mesquinha até o entusiasmo ingênuo. O professor Márcio nos diz que os estudos mais interessantes tomam uma posição neutra, equidistante dos extremos. Ele cita como exemplo o caso dos games, devido seu caráter emblemático: “Se por um lado temos autores que tendem para as especificidades de tais produções como Aspen Aarseth ou Grant Tavinor, encontramos, por outro lado, nomes como Janet Murray ou Henry Jenkins, que mantêm a literatura em perspectiva ao abordar esses games. Esse último, por sinal, merece destaque, uma vez que Jenkins sempre se mostrou muito perspicaz frente ao contexto comunicacional contemporâneo, produzindo ao menos uma obra seminal: a Cultura da convergência, essencial para qualquer um que busque entender a relação entre mídias e artes”. Prado destaca estudos locais realizados sobre o tema:

  • Leitura e escrita no ciberespaço, organizado pela professora da UEM Alice Áurea Penteado Martha e por Vera Teixeira de Aguiar: obra que aborda questões como as fanfictions, o uso de blogs no ensino de literatura, as produções do Twitter, os e-books, os games, dentre outras;
  • Teatro e intermidialidade, organizado por Alexandre Flory, da UEM, e por Sonia Pascolati, da UEL: livro que aborda as relações de teatro e mídia a partir da articulação de referências intermidiáticas, transposição midiática e combinação de mídias;
  • Letramentos e mídias: música, televisão e jogos digitais no ensino de língua e literatura, também organizado por uma professora da UEM, Vera Helena Gomes Wielewicki, cujo título acaba antecipando o conteúdo.

São livros que mostram que “em um mundo conectado, mesmo em nosso “quintal” podemos encontrar estudos de qualidade e capazes de lançar luz sobre as questões da cibercultura e da atual situação comunicacional e de mídias.”

Ao fim da conversa, Márcio Padro deixa em aberto um convite a todos nós: “E que isso signifique um convite a novos trabalhos de novos autores, sobretudo por parte daqueles que hoje são professores e pesquisadores em formação. Há muito ainda a ser feito; digamos, então, sim à aventura”.

Esse diálogo entre literatura e outras artes foi recorrente na 3ª edição da Festa Literária Internacional de Maringá (FLIM),  entre os dias 13 e 18 de setembro, no Centro de Convivência Renato Celidônio. O evento, aliás, trabalhou com o quesito diversidade frequentemente: étnica (com a participação do angolano José Eduardo Agualusa, do  mexicano Juan Pablo Villalobos, do norte-americano William C. Gordon, do português António Vilhena, do francês Eric Chartiot e da guatemalteca Frieda Liliana Morales Barco);  de apresentações (o evento teve lançamentos de livros, shows, oficinas, apresentação teatral, contações de história, palestras e mesas-redondas); e  de expressões artísticas, com a presença do cantor e compositor Tom Zé, da escritora carioca Ana Maria Machado, do crítico literário José Castello, do jornalista Caco Barcellos, do romancista Domingos Pellegrini e do cantor Wagner Barreto, vencedor do “The Voice Kids”.).

 

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