Por Vanessa Ferreira e Ueysla Sinhoreto

A República do Haiti – antiga colônia francesa e considerada a primeira república negra do mundo – foi fundada em 1804 por antigos escravos e está situada na América Central. Problemas socioeconômicos, políticos e, até mesmo, de ordem natural assolaram e continuam afetando o povo haitiano. Muitos deles procuraram o Brasil, buscando novas oportunidades e melhorias para a qualidade de vida. De acordo com o Ministério da Justiça, o principal grupo de trabalhadores imigrantes que laboram formalmente no Brasil é o de haitianos, empregados em sua maioria nas regiões sul e sudeste.
Algumas medidas e atitudes voltadas para a inclusão desses imigrantes foram desenvolvidas em nosso país e foi firmado um tratado internacional entre Brasil e Haiti. Assim, então, foram elaboradas cartilhas como a apostila Ann pale potigè (2012) – que possui um trabalho voltado para o vocabulário criolo haitiano/português e com algumas informações práticas sobre o Brasil; o guia de informação sobre trabalho aos haitianos – Gid enformasyon sou travay pou aysien nan Brezil (2012); e o guia de informação sobre trabalho aos imigrantes e refugiados (2015) – Gid enfòmasyon sou travay pou imigran e refijye (2015). Os dois últimos fornecem orientações aos haitianos quanto às leis trabalhistas no Brasil, sobretudo sobre os seus direitos. Em outubro de 2015, o Conselho Nacional de Imigração (órgão vinculado ao MTPS) autorizou a residência permanente de imigrantes haitianos no país, e algumas cidades tiveram a ideia de ofertar cursos gratuitos de língua portuguesa.

O voluntariado em Maringá
Sabemos que a língua é capaz de unir pessoas, e recentente algumas cidades brasileiras têm constatado que essa premissa pode ir além: a língua consegue unir povos e, assim, percebemos que cada vez mais é comum vermos brasileiros e imigrantes haitianos em situações de interação, seja ela social, profissional ou linguística. Em Maringá, cidade localizada no norte do Paraná, por exemplo, existe um grupo de voluntários que dedicam suas tardes de domingo a um curso destinado aos haitianos que têm interesse em aprender mais sobre a língua portuguesa .
Há três anos o professor Alfredo Capelassi Junior, formado em Letras Português/Francês pela UEM, teve a ideia de ministrar aulas de forma voluntária a um grupo de haitianos. A turma começou com apenas três alunos e na casa do professor. Os primeiros integrantes informaram a existência de um pessoal que aguardava por um curso e foi, então, que tudo começou em uma sala de aula que pertence à ARAS (Associação de Reflexão e Ação Social). Atualmente o curso, cujo enfoque se volta para a necessidade da comunicação, utiliza duas salas de aula, uma específica para a turma de iniciantes – que tem em média 40 alunos – e outra de nível avançado, recebendo novos alunos quase todos os domingos. São alunos que não estudaram português no Haiti e que possuem diversas profissões. Alfredo era o único voluntário até que outros integrantes começaram a surgir, após um convite feito via facebook. Nem todos os voluntários são necessariamente professores de português. O projeto não é financiado por instituições privadas, mas ele possui parceria com a ARAS e com o Cvu – Centro de Voluntários da Universidade, e com o apoio dos voluntários que se interessam pela causa.
O professor nos diz que a metodologia utilizada é a mais direta e resumida possível, explicando claramente e utilizando a tradução para as turmas iniciantes. O principal objetivo não é a gramática, pois os conteúdos são trabalhados em forma de temas, como os cumprimentos, os agradecimentos, as maneiras de fazer perguntas, responder, conjugar verbos, expressões idiomáticas etc. Segundo Alfredo, os alunos treinam muito as situações do cotidiano, intensificando a compreensão e a expressão oral, para que consigam realizar suas atividades cotidianas como fazer compra, pedir informações entre outros. O curso surtiu efeitos positivos na vida dos alunos. Ele observa que é perceptível o desenvolvimento deles, pois muitos já trabalham em funções que exigem a comunicação (como garçom) e até mesmo estudando em curso universitário na própria cidade.
Já para a professora Izadora Volpato Rossi, as aulas ministradas aos imigrantes haitianos contribuem para a inclusão destes no cotidiano brasileiro, visto que “a comunicação é necessária em todas as situações do dia-a-dia, desde uma compra até uma entrevista de emprego ou consulta médica.” As aulas de português são adaptadas, abordando os conteúdos de forma exemplificada, usual e aplicável ao cotidiano deles, com o intuito de atender à necessidade do imigrante de entender e de “fazer-se” entendido na língua portuguesa. Os professores procuram conversar com os haitianos sobre seu cotidiano no Brasil – o que revela a forma como eles veem suas vidas aqui –, já que são orientados a não interrogarem os motivos da saída de seus países.
Acredita-se que a maior dificuldade que os imigrantes enfrentam ao chegarem no Brasil é a busca por emprego. Geralmente, as empresas preferem contratar colaboradores que tenham a capacidade de se comunicar em português, talvez pela grande limitação em repassar informações e solicitações a alguém que não entenda a linguagem. O desenvolvimento na comunicação, proporcionado pelo curso de português, pode se configurar como um diferencial na busca por vagas de emprego.
Sobre a recepção aos haitianos, Izadora nos concedeu este emocionante depoimento: “A recepção ao curso de português é bastante boa e a gratidão que eles possuem é comovente e nos faz enxergar as aulas de português como um desafio que tem grande impacto na vida deles, já que a maioria dos professores não é da área de língua portuguesa. Nos sentimos muito felizes em poder repassar um pouquinho do que é tão cotidiano para nós, brasileiros. Uma das situações que me marcou como demonstração dessa gratidão que eles possuem foi receber um “obrigado” ao final da aula de um imigrante que havia chegado há menos de uma semana no Brasil, mesmo ele conseguindo entender pouquíssimas palavras que utilizamos durante a aula.”
Os haitianos
Quando chegaram na cidade, os haitianos enfrentram dificuldades, talvez pela cultura totalmente diferente (que dificultou a adaptação aos costumes da região), pela difícil entrada no mercado de trabalho e o não domínio da língua portuguesa, já que o idioma oficial do Haiti é o francês e a língua familiar é o criolo. A língua portuguesa é vista por muitos haitianos como uma língua difícil. Para eles aprender a nossa língua é uma oportunidade de atuar na área de formação ou de melhoria de emprego. Entretanto, a dificuldade em aprender o idioma brasileiro é reconhecida por alguns haitianos. É o caso dos senhores Marc Kendy, Milot, Esnold e Lemc.
Em uma conversa, Marc nos revela que tem muitas dificuldades com a língua portuguesa, o idioma mais difícil do mundo, segundo ele. Um outro haitiano, o senhor Kendy, nos diz que consegue estabelecer comunicação e compreender o que falam em português, mas falar é difícil. Ele que trabalha durante o dia e a noite frequenta uma escola, deseja aprender mais e falar o português muito bem. Para senhor Milot, a língua portuguesa é muito importante, mas é difícil de se entender devido suas palavras complicadas. Ele gostou muito do curso de língua portuguesa, que foi uma oportunidade de aprender e colocar na prática. O seu desejo é poder atuar na área de ensino, já que era professor no Haiti. Esnold não teve muita dificuldade com o idioma brasileiro porque em seu país natal ele praticava a língua portuguesa e aqui ele contou com a companhia de brasileiros que o auxiliaram. Para ele, o curso voluntário que frequenta aos domingos tem uma importância máxima, pois dominar a língua portuguesa confere mais oportunidades de emprego em nosso país.
Uma outra situação em Maringá é a dificuldade dos agentes de saúde em proporcionar orientações e prestar atentimento médico aos imigrantes, devido a falta de intépretes e tradutores durante o acompanhamento. Para os haitianos, nem o lugar mais acolhedor é capaz de tirar a saudade da terra natal. Lemc, que está no Brasil há um ano, nos conta que os maringaenses o receberam muito bem e que aqui encontrou pessoas gentis, entretanto, ele expressa desejo voltar para a casa.

3 comentários sobre “InterAÇÃO voluntária: a integração de haitianos na cidade de Maringá

  1. Parabéns pelo projeto e pela temática escolhida sobre atitudes que mudam o mundo. Acredito sempre que a mudança começa por nós mesmos. Vamos juntos!

    • Olá Izadora, nós d’ O Consoante somos gratos pela sua contribuição à nossa reportagem e pela interação a partir de seu comentário. Dando voz a essas pequenas e significativas atitudes nós conseguimos deixá-las visíveis na sociedade, o que pode trazer mais gestos solidários. É assim que, aos poucos, o mundo vai se tornando um lugar melhor.

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