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            O 8 de março, comemorado há mais de cem anos, é a data consagrada como o Dia Internacional das Mulheres. Não há como começar este editorial de outra forma senão reafirmando a importância desta data no calendário de lutas das mulheres de todo o mundo. Sim, ainda é preciso reafirmar! Afinal, ao mesmo tempo em que as mulheres têm avanços na conquista de determinados direitos, outros direitos, muitas vezes básicos, são colocados em xeque diariamente.

        Partindo de uma perspectiva histórica, o dia de hoje deve ser, portanto, um dia de “consciência política e solidariedade internacional”, como bem pontua Alexandra Kollontai, revolucionária e feminista russa. Mesmo sendo comemorada há tanto tempo, o dia das mulheres só foi oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1977 e isso só ocorreu por uma série de pressões dos movimentos feministas. Nesse sentido, diferente das outras datas comemorativas, a instituição de um dia específico para homenagear as mulheres não se deu por fatores comerciais. Ao contrário, é fruto de um contexto histórico permeado pela luta de mulheres trabalhadoras.

              Portanto, o Dia Internacional das Mulheres deve ser destinado à luta pela emancipação de todas mulheres, não de um pequeno grupo privilegiado por questões de raça e/ou classe. Nesse sentido, hoje, é importante analisarmos e celebrarmos esta data na tentativa de impedir que o conteúdo emancipatório que ela representa seja captado pelo sistema capitalista, pois, ao incorporá-los em marketing de venda, a ótica patriarcal tenta esvaziar o seu significado, transformando-o em mero produto. Aliás, é isso o que ainda fazem com as mulheres de todo o mundo. Fato que, infelizmente, pôde ser escancarado a partir de áudios perversos de um deputado brasileiro que vazaram na semana passada.

            Em viagem à Ucrânia, sob a justificativa de acompanhar de perto o conflito desencadeado pela invasão da Rússia ao país vizinho, há duas semanas, o deputado estadual Arthur do Val, conhecido como “Mamãe Falei” e autodenominado moralista, conservador e defensor dos bons costumes, fez, em “momento de empolgação”, repulsivas declarações machistas e sexistas sobre as mulheres ucranianas que estão situadas em um cenário de violência, desespero e fuga.

             As mulheres, na guerra e fora dela, são submetidas cotidianamente a todo tipo de violência, seja física, moral, psicológica e/ou sexual. Em situações de vulnerabilidade, porém, como o conflito bélico que se desenrola atualmente entre a Rússia e a Ucrânia, essas violências empreendidas contra as mulheres são impiedosamente potencializadas. Nesse contexto, a perversa possibilidade de uma exploração da vulnerabilidade das refugiadas ucranianas, que foi evidenciada pela fala do referido deputado, é, hoje, no Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres, um soco no estômago.

         Nos áudios vazados, em uma mescla de misoginia, aporofobia e racismo, o deputado descreve de forma repugnante as mulheres ucranianas que estão saindo de seu país, abandonando suas casas e indo em busca de refúgio. Para Arthur do Val, as refugiadas “são fáceis, porque elas são pobres” e são deusas, porque são loiras. Do Val afirma ainda que a fila da melhor balada do Brasil, em sua melhor época, “não chega aos pés da fila dos refugiados” em quesito de “beleza” feminina. Sim, o defensor da família tradicional e dos bons costumes, que viajou à Ucrânia para levar ajuda humanitária, comparou uma fila de mulheres fugindo de uma guerra à fila de uma balada brasileira. Se tudo isso não bastasse, o deputado ainda descreveu para seus interlocutores, em uma apologia clara, como funciona o turismo sexual no leste europeu, o qual ele afirmou que pretende realizar assim que a guerra acabar.

            Os áudios, compartilhados com os amigos do futebol, são repletos de falas repugnantes, mas que, infelizmente, não surpreendem. Não surpreendem porque há milênios, desde o desenvolvimento da ideologia patriarcal, o corpo e a sexualidade feminina são incessantemente objetificados, controlados e abusados por homens, como o que se manifesta nos áudios. Homens esses que devem ser descritos pura e simplesmente como predadores. Sim, predadores, porque exploram violentamente o corpo e o psicológico feminino, muitas vezes no auge de sua vulnerabilidade, para satisfazer os seus próprios desejos e inflar o ego, sem se importar com o que resta de humanidade e de dignidade nessas mulheres que sofrem.

              Em toda parte do mundo e até mesmo nos piores cenários possíveis, nos deparamos, em pleno século XXI, com o resultado da luta imperialista, que se desdobra em diversos cenários: guerras, fome, desigualdade, mortes de inocentes e, dentro disso, ainda há a luta de minorias pela vida, pelo respeito, pela humanidade. Em qualquer outra situação, o tratamento dispensado às mulheres ucranianas já seria, sem dúvidas, inaceitável. No entanto, o contexto que o envolve o torna ainda mais cruel. As falas de Arthur do Val são a prova viva, para os que ainda questionam ou relativizam, de tudo o que as mulheres sofrem diariamente. As palavras do deputado violentam dolorosamente cada uma das que as ouvem.

           Portanto, hoje, neste dia reservado para celebrar as conquistas de seus direitos, as mulheres, ao se depararem com tamanha desvalorização de sua humanidade, lamentam por ainda estarem tão longe do sonhado ideal de igualdade entre os sexos. Por isso, mais que receber flores e chocolate, as mulheres exigem respeito. O 8 de março é o dia de relembrar a importância de não tolerar e denunciar o sexismo, a xenofobia, o racismo, a violência doméstica, a violência das políticas discriminatórias, e todas as diversas outras violências empreendidas cotidianamente contra todas as mulheres. O dia de fazê-lo, no entanto, é todos os dias.

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