por Bárbara Castro e Felipi Yamabe

 

            Atualmente, os cursos da área de Humanas, bem como as pesquisas relacionadas a ela, estão desvalorizados. Há muito tempo existem ataques constantes contra aqueles que se dedicam a essa área. A realidade do curso de Letras não é diferente.

           Isso leva a pensar como estudantes do curso e profissionais formados são vistos pela população de forma geral. Mediante diálogos com acadêmicos e docentes do curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM), é perceptível a falta de conhecimento em relação ao curso por parte de muitas pessoas. Assim, surge outro questionamento: como essa falta de saber sobre o curso prejudica alunos, pesquisadores e profissionais da área de Letras, bem como sua atuação na sociedade?

             Os cursos de Letras têm o seguinte objetivo: propiciar que os estudantes aprofundem seus conhecimentos sobre determinada língua, seja por meio das estruturas gramaticais, seja por meio da comunicação e dos gêneros cotidianos, seja por meio da literatura. Os estudantes podem especializar-se nas línguas modernas, como inglês, espanhol, francês e alemão; durante o curso, porém, haverá passagens pelas línguas clássicas, como latim e grego. Na UEM, o curso de Letras está presente há mais de 50 anos. Sua implantação é anterior ao próprio surgimento da Universidade. No Campus Sede da UEM, são oferecidas quatro habilitações: Habilitação única – Português; Habilitação única – Inglês (licenciatura e bacharelado em tradução em Língua Inglesa); Habilitação dupla – Português/Francês e Literaturas Correspondentes; Habilitação dupla –Português/Inglês e Literaturas Correspondentes.

            A maior parte da sociedade desconhece o que se estuda no Curso de Letras; se conhece algo, é de forma bem superficial. A graduanda Isadora Maria Magalhães Javorski, do segundo ano de Letras Português relata isto: “A maioria das pessoas as quais não têm contato com o Curso de Letras pensam que nós estudamos apenas regras gramaticais e, de vez em quando, literatura”. Do mesmo ano e habilitação, a aluna Ana Maria Crozatti complementa que “[…] muitas pessoas não conhecem nem vinte por cento dos assuntos que são tratados no curso e nas pesquisas”. “Inclusive eu, ao entrar em Letras, me surpreendi com o leque de oportunidades e conteúdos que o curso oferece”, admite a estudante. Os alunos que escolhem cursar Letras entram por motivos diferentes, mas não de forma muito variada: a maioria ingressa no curso pensando na carreira docente e desconhece, muitas vezes, o futuro acadêmico ou outras formas de seguir uma carreira que exija a graduação em Letras.

             Aqueles que escolhem a habilitação em Língua Inglesa, por exemplo, ingressam no curso pela possibilidade de atuarem como docentes e, principalmente, pela especialização em língua inglesa, o que os torna aptos a realizarem trabalhos como tradutores.  Essa é o caso de Lara Albino, aluna do segundo ano de Inglês: “Minha motivação, ao escolher o Curso de Letras Inglês, foi a vontade de me tornar professora e aperfeiçoar, cada vez mais, minha fluência na língua inglesa”, conta a graduanda. Ela afirma que, apesar das dificuldades enfrentadas durante o curso, a experiência é muito positiva. “Está sendo um desafio a cada dia para falar a verdade, mas me sinto realizada em conseguir, aos poucos, entender cada matéria e aprender novas coisas. Confesso estar gostando bastante do pouco que aprendi da área de tradução, mesmo que meu primeiro foco tenha sido a licenciatura”, comenta Albino.

            Quando questionada sobre o conhecimento das pessoas acerca do Curso de Letras, a estudante declarou que ainda há uma falta de entendimento e, até mesmo, uma percepção limitada sobre o trabalho feito dentro da academia: “A visão das pessoas sobre o Curso de Letras parece-me bem rasa; muitos devem pensar que apenas estudamos gramática e como lecionar. Além do mais, o retrato da pesquisa está cada vez mais deteriorando, então, confesso que o senso comum não reconhece todo o trabalho e estudo feito, por falta da busca de informação sobre o assunto”, explica. Para concluir seu pensamento, a aluna falou sobre a repercussão negativa que essa visão limitada pode gerar para o Curso de Letras. “Essa falta de conhecimento traz para os envolvidos uma queda na credibilidade diante da população, tornando todo o trabalho feito não tão relevante como deveria ser. Assim, vai se perdendo todo o apoio que deveria ter a essas pessoas envolvidas com pesquisas que aprimoram conteúdos sobre línguas e métodos de ensino, sem deixar de pensar na humanização”, finaliza a estudante.

            Evely Libanori, professora do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias (DTL), compartilhou os motivos pelos quais decidiu cursar Letras e como foi essa experiência. “A motivação foi a área de estudos do curso de Letras. Eu queria ter contato com os livros, com a escrita, a Literatura, a Cultura Clássica. Era o que, até então, eu pensava do curso de Letras. Depois que entrei, um universo se abriu. Eu queria um curso em que estudássemos a cultura, a língua, outras línguas, a comunicação, a arte. Em Letras estão os livros, a arte da palavra escrita. Isso era o que mais me fascinava. Quem gosta de ler e gosta de livros encontra seu lar nas Letras”, diz a docente. Em relação à visão que as pessoas possuem sobre o curso de Letras, a professora acredita que a falta de conhecimento da maioria da população sobre o curso acaba afetando os alunos e os profissionais dessa área: “A comunidade externa não tem ideia do que se estuda em um curso de Letras. Eu sei que isso acontece porque as pessoas vêm conversar comigo. Pensam que estudamos apenas as regras da gramática normativa. E que lemos livros para trocar impressões. A gente precisa de estratégias que nos aproximem das pessoas nas ruas. Elas não têm ideia de que a Literatura tem um projeto de livramento nas penitenciárias, de que Letras é pioneiro na questão dos gêneros textuais no vestibular e que foi adotado por várias instituições. Esse desconhecimento do nosso trabalho, mais o fato de que o cenário político é desfavorável à docência, é ruim para como a comunidade vê o aluno de Letras e os professores”.

           Libanori ainda comenta sobre as dificuldades que os docentes encontram nessa profissão atualmente: “O desafio mais premente é resistir às forças contrárias para o exercício da profissão. Trata-se de um momento em que grande parte da sociedade vê o professor como um profissional perigoso e dispendioso para o Estado. Pensam que o professor das ciências humanas poderia ser dispensado com o Ensino a Distância. O momento é de união e resistência”. Apesar do cenário desfavorável, segundo ela, a docência tem pontos positivos. “Os benefícios em ser professor existem quando o professor acredita que o seu trabalho é importante. O professor tem, todo dia, uma plateia para ouvi-lo falar. E aquilo que o professor fala, explica, debate precisa ser importante para ele e para os alunos. Ensinar é o benefício de ser professor. Hoje, os benefícios financeiros estão arrojados, todos sabem. E todos precisam sobreviver, precisam de um salário digno. E ser professor é bem difícil no começo, mas depois a gente vai se ajeitando. Há muitos alunos que se deram bem. A vida é cíclica; essa fase ruim para a docência vai passar”, finaliza a docente.

             Outra professora que falou sobre suas experiências foi Célia Santos, que contou como ingressou em Letras: “Desde a minha infância, sou apaixonada pela língua inglesa, então, fazer Letras foi uma opção óbvia ao término do ensino médio. Apesar do meu interesse em língua inglesa, ao longo da graduação, na Faculdade Estadual de Campo Mourão – FECILCAM – (hoje, Universidade Estadual do Paraná – Unespar), descobri como a linguística e a literatura também dialogavam e criavam novas perspectivas de conhecimento para professores de inglês como eu, pois já dava aulas em escola de línguas quando comecei a faculdade. Ao término da graduação, fiz especialização em língua portuguesa e, mais tarde, mestrado em literatura de língua inglesa na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)”.

            Santos finalizou apontando os obstáculos e os benefícios encontrados no curso: “Um dos desafios que sempre ouço as pessoas comentarem é a questão da remuneração, por isso, acredito, muitos pais não encorajam seus filhos a escolher Letras como primeira opção. No entanto, as oportunidades profissionais são muitas e vão além da carreira acadêmica e do ensino de línguas em escolas de idiomas ou de ensino fundamental e médio. Dependendo do curso escolhido no âmbito de Letras, se licenciatura ou bacharelado, se foco em língua portuguesa, inglesa ou outras, as atividades possíveis de serem desenvolvidas pelo graduado de nossos cursos vão desde a tradução e revisão de textos a trabalhos em agências de publicidade e em departamentos de comunicações, para apontar alguns. Já tive muitos alunos que, ao término do curso de Letras, foram para as áreas de Direito, Ciências Sociais, Pedagogia e Jornalismo”.

            A docente Lilian Cristina Buzato também acredita que a falta de conhecimento sobre o curso em questão gera um preconceito e, por conseguinte, atrapalha os profissionais da área, desanima os estudantes e prejudica o desenvolvimento em Letras. Segundo a entrevistada, “A consequência é uma visão mais estreita e preconceituosa do curso. No geral, cria-se um preconceito que pode reverberar a ideia de que pesquisa na área das ciências humanas não ‘serve para nada’. A maioria das pessoas desconhece as pesquisas da Linguística Aplicada, dos estudos discursivos e sua importância social tanto para a formação do professor como para o próprio cidadão que usa a linguagem para interagir socialmente”.

            Em suma, pelos relatos das professoras e das alunas de Letras, o curso sofre pela falta de informação da comunidade externa, o que acaba limitando o trabalho dos docentes e prejudicando suas formações. No entanto, mesmo com todo esse cenário desfavorável, é inegável como a graduação em Letras muda a vida daqueles que têm a oportunidade de cursá-la. É um curso que abre a mente das pessoas para além dos conhecimentos básicos sobre línguas, literaturas etc. vistos anteriormente. É por meio do aprofundamento acadêmico que os estudantes conseguem expandir a sua concepção de mundo.

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