por Bruno Barra

 

            Com pouco mais de 50 anos de existência, o Curso de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM) formou e continua formando professores/as e historiadores/as, além de produzir pesquisas científicas de alta qualidade. A priori, a graduação em História teve início com aulas durante o dia; ainda no século XX, o curso sofreu uma série de transformações no que diz respeito ao currículo, à carga horária e ao plano pedagógico. Atualmente, o curso oferece apenas formação na modalidade de licenciatura, porém, outrora, já teve também bacharelado, que foi extinto em 2005. A partir de 2010, a graduação em História se estendeu ao campus da UEM em Ivaiporã, além de ganhar forma na versão a distância (EaD).

             “O curso de história atua em várias áreas; em geral, trabalha com as disciplinas intituladas ‘História de …’”, conta o Prof. Dr. Delton Felipe. De acordo com ele, atualmente, os professores do Departamento de História (DHI) ministram disciplinas em diversos cursos, como Direito, Artes Visuais, Ciências Sociais, Economia, Moda etc. Ademais, no momento, este departamento é chefiado pela Prof.ª Dr.ª Solange Ramos de Andrade (Chefe) e pelo Prof. Dr. Marco Cícero Cavallini (Chefe Adjunto). Em relação ao quadro de docentes, o departamento conta com 28 professores permanentes e seis temporários.

             A pós-graduação possui três modalidades: curso de especialização; mestrado profissional (PROFHISTÓRIA), cujo objetivo é promover a formação continuada de professores que ministram aulas de História na educação básica; por último, mestrado e doutorado acadêmicos. As linhas de pesquisa são diversas; há mais de dez grupos de estudo/pesquisa, além dos laboratórios. Os temas de investigação são diversos, incluindo, por exemplo, Brasil, história das religiões, movimentos sociais, história medieval, arqueologia, história contemporânea etc.

            Sabe-que, ao longo dos anos, houve transformações em relação ao conceito de história como ciência, consequentemente, a maneira como ela é encarada nas universidades também mudou. O Prof. Dr. Delton Felipe explica que, “Hoje em dia, há uma discussão da história como campo do estudo que trabalha com o homem e a mulher – a humanidade –, localizados no tempo e no espaço. Por muito tempo, pensou-se que esta é uma área que estuda o passado; hoje, nós entendemos que esta área também estuda o passado, mas para entender o posicionamento social das pessoas no presente. Por isso, houve modificações no conceito de história como campo do saber.”

Trajetórias dentro do Curso de História da UEM

[…]

Vicenta Freire

             Graduada há 22 anos, Vicenta trabalhou em diferentes projetos ministrando aulas de História. Um deles foi o cursinho preparatório de vestibular da UEM. “O cursinho tem uma dinâmica diferente da sala de aula regular. Mas o grande barato de ter dado aula lá é que a maioria das pessoas trabalhavam, e estar lá era a única oportunidade que tinham. Eram pessoas mais maduras e rolava um feedback legal; eles prestavam atenção e o único momento que eles tinham pra estudar era aquele.”, relata a professora que, hoje, não leciona mais. Ainda no primeiro ano do curso, Vicenta participou de um projeto voltado à alfabetização de adultos que acontecia em empresas. À época, era bastante nova; segundo ela, “eu aprendi muito, eles me ensinaram coisas que levo para minha vida até hoje”. Além dessas experiências, lecionou também em colégios estaduais, o que, para ela, não foi tão prazeroso devido à falta de estruturas e a algumas políticas estudantis e de ensino com as quais não concorda.

               “Minha graduação foi na UEM e o Curso de História é um curso de excelência. Acredito que hoje continue assim. Tive professores maravilhosos, quase todos titulares, o que me proporcionou uma graduação bem bacana”. Após se formar, Vicenta viajou pelo Brasil e teve acesso a professores cujas obras leu na graduação; ela garante que seus mestres da UEM não deixaram a desejar de forma alguma.

             “Eu ajudei a montar o Laboratório de História. Era uma sala enorme no bloco de letras, cheia de documentos encaixotados, então, aprendi algumas noções de arquivismo também. Foi um curso muito gostoso. Eu não trabalhava, então, tinha disponibilidade para estar na universidade durante o dia. Dei monitorias de Metep [Métodos e Técnicas de Pesquisa], o que, para mim, foi maravilhoso”. Vicenta também conta que foi a muitos congressos e afirma que eles devem ser uma extensão da graduação: “É onde você tem a possibilidade de ouvir pessoalmente os autores que você conhece apenas em sala de aula. Não há experiência melhor, em todos os sentidos. Você conhece pessoas de outras culturas, outros países e outros estados onde a cultura é diferente. Muitas ideias são trocadas”. Apesar da densa trajetória acadêmica, Vicenta não desenvolveu projetos de pesquisa, pois não havia quem orientasse trabalhos sobre temas que a interessavam.

              Sua primeira opção de curso não era História, porém não se arrepende em momento algum. “É um curso que, se eu pudesse fazer hoje novamente, o faria. É um curso apaixonante, riquíssimo, de informações mil e que toda pessoa deveria fazer. Aliás, deveria ser ensinado nas escolas de uma forma mais crítica. Apesar de não podermos bater de frente com as diretrizes, um professor sabe identificar erros e acertos no livro didático; isso é uma das coisas que me decepcionou no ensino. Mas é possível trabalhar a história de forma mais dinâmica para perder este estigma de que é algo do passado, de museus”, finaliza a docente.

Delton Felipe

             Antes de se formar em Pedagogia e conquistar os títulos de mestre, de doutor e de pós-doutor em Educação, Delton Felipe concluiu a graduação em História na UEM. “Eu entrei no curso buscando me entender como sujeito social. A priori, não era o que queria fazer, mas, no decorrer do curso, a partir do terceiro ano, começou a se falar mais sobre ser professor e me encontrei no curso. Pensar a aprendizagem de história é muito importante para mim”, afirma o professor.

              Desde 2016, Delton tem como amigos de trabalho muitos daqueles que foram seus professores. Ele começou a carreira na UEM como professor temporário para ministrar uma disciplina eletiva sobre ensino de história e cultura africana. “Fui bem acolhido pelos meus alunos e colegas, e isto trouxe também uma representatividade, uma vez que quase não há professores negros. Surgi com uma preocupação não só de pensar sobre a história da África, mas também a ideia de uma intelectualidade negra, incorporar uma discussão sobre a população negra a partir de outros pressupostos, não apenas aqueles que a veem simplesmente como aquela que sofreu a escravidão de uma forma cruel, mas também percebê-la a partir de uma resistência. Então, de certa forma, para mim, ser professor no Curso de História é para além de ensinar o conteúdo; é permitir que os alunos, a partir da minha pessoa e meu compromisso ético e estético, também percebam a história a partir de questões políticas vinculadas à população negra e aos grupos minoritários”, enfatiza o docente.

 Eloá Lamin da Gama

            Colou grau no Curso de História no último ano e, atualmente, é mestranda em história na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Durante a graduação, Eloá desenvolveu projetos de iniciação científica de modo interdisciplinar e participou do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), o que a despertou para a docência. Além de que, durante o período de sua graduação, foi muito ativa e ligada a questões do movimento estudantil; chegou a ser, inclusive, Presidenta do Centro Acadêmico de História, espaço em que desenvolveu uma série de ações.

            “História não era minha primeira opção. Gostaria de fazer Direito, que é um curso bastante concorrido, mas sempre fui aluna de escola pública, com muito orgulho. Mas o vestibular não avalia conhecimento e sim técnica, e técnica quem dá é o cursinho. Passei em História pelo PAS, porque era minha segunda opção”, conta a mestranda.

            Eloá é uma das alunas que denunciou que professores do Departamento de História estavam cometendo abusos sexistas; como consequência, esses docentes sofreram processos administrativos. Esses casos geram debates até hoje. A ex-aluna da UEM afirma também que os dois primeiros anos foram os mais difíceis por conta da grade curricular, que é pesada, e em decorrência de dissonâncias ideológicas. “Os dois primeiros anos foram muito difíceis, e, a partir do terceiro ano, começaram as disciplinas didático-pedagógicas. Faço uma crítica em relação a isso, pois penso que, em um curso de licenciatura, essas matérias devem aparecer desde o primeiro ano. Quando essas disciplinas começaram, passei a me interessar mais pelo ensino de história, até mesmo porque havia participado do PIBID desde o segundo ano. Este programa, além de me ajudar muito na universidade, me auxiliou também a descobrir que era este o caminho que eu queria; me apaixonei pela docência e pelos processos de ensino-aprendizagem da história, em especial aqueles ligados à negritude. O PIBID foi essencial para mim”, complementa Eloá.

            Ela ainda tece outras críticas quanto ao currículo do curso. Uma delas é que, até o momento em que se formou, disciplinas sobre a história do continente africano, por exemplo, não eram obrigatórias. De acordo com o Prof. Dr. Delton, como houve a reformulação do currículo, a partir de 2020, passará a ser. “Não tínhamos disciplinas ligadas a questões étnico-raciais como obrigatórias; eram todas optativas e estas matérias ocorrem no contra-turno, o que inibe pessoas que trabalham de cursá-las; elas precisam ficar um ano a mais na universidade. Oito disciplinas optativas são obrigatórias, o que é muita coisa. Além de que o currículo é extremamente eurocêntrico, baseado principalmente nas historiografias inglesa e francesa. Muitos professores ignoravam questões relacionadas às populações indígenas, por exemplo, mas claro que há exceções. Não estou generalizando. Existem professores excelentes”, comenta a ex-acadêmica da UEM.

              Eloá só começou a desenvolver pesquisas sobre questões étnico-raciais e ensino de história quando conheceu o Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afrobrasileiros (NEIAB). Para a realização delas, foi orientada por uma professora do curso de Ciências Sociais.

História para quê? Por quê?

Visões acerca da importância do Curso de História, sua relevância e modos de ensino

            “Não tem como você falar que entra em um Curso de História, na verdade, qualquer um de humanas, e sai da mesma maneira que entrou. Alguma coisa muda; alguns mudam radicalmente, outros nem tanto, mas ninguém fica como antes. São cursos em que a gente lê muito e não é chavão dizer que quem lê abre a cabeça. Não tem como você não começar a ver o mundo de outra forma. O clássico ‘quem não conhece o passado não sabe o futuro’ é uma realidade. A situação política que vivemos hoje nos mostra isso muito bem. Muitas pessoas falam coisas sem embasamento e é necessário visão crítica; hoje, olho e penso ‘nossa, isso meu curso me deu, não posso vergonha alheia’.” – Vicenta Freire.

            “O Curso de História me parece ser um curso que todos/as deveriam fazer. Ter uma consciência de quem é você no mundo é fundamental. Um curso de História bem feito nos permite ter acesso à memória de outros tempos. Ao ter esse acesso, a gente aprende com aquilo que deu certo e com o que não deu. Teoricamente, o Curso de História é aquele que deve nos manter em alerta para as questões do passado, para que a gente não venha repeti-las no futuro, não é à toa que, atualmente, é um dos cursos que mais tem sofrido críticas. O profissional de história está aí para relembrar que, se tomarmos decisões equivocadas e com base em preconceitos, hierarquizando pessoas, o que já ocorreu no passado e esse fazer do passado causaram inúmeros problemas. A importância que essa disciplina tem, a de nos permitir ter acesso à memória e aos nossos ancestrais, nos faz perceber, a partir dessas conjunções, o que somos no presente. Há professores/as extremamente comprometidos/as com este curso.” – Delton Felipe.

            “Paulo Freire falava que fica o que significa. Então, enquanto a gente continuar reproduzindo esse conhecimento hegemônico pautado no sistema eurocêntrico colonial, patriarcal, racista, não vamos atingir outros públicos senão aqueles que passaram pelo processo de educação formal. Penso que o ensino de história é transformador por conta disso: você, aprendendo algo que significa e faz sentido para sua vida, muda, seu modo de pensar também muda, logo, sua vida se transforma e, também, as pessoas que estão ao seu entorno. Enquanto o ensino não for algo democratizado e abarcar outras visões, a sociedade continuará sendo setorizada por classe, raça e gênero e outros marcadores sociais da diferença. O ensino de história é relevante na formação da consciência histórica das pessoas e como elas se enxergam no mundo. Enquanto a população negra for vista apenas como descendentes de escravos, por exemplo, não haverá emancipação epistemológica. A história transforma vidas, mas também pode contribuir com racismos. Então, que tipo de ensino de história a gente quer? Um ensino que combata preconceitos ou que comtemple apenas alguns grupos?” – Eloá Lamin da Gama.

            Por ser um curso de Licenciatura dentro da UEM, a questão do ensino e da docência é o que move muitos estudantes deste curso. Percebe-se isso com base nos relatos expostos anteriormente. Trata-se de um curso que forma professores/as; formar bons/boas docentes é sempre necessário. Está aí uma indiscutível relevância deste curso de graduação. Além de toda essa contribuição à sociedade, o Curso de História da UEM produz pesquisas científicas de alto grau. O DHI, por exemplo, possui uma revista científica intitulada “Diálogos” e é um dos departamentos responsáveis pelo Museu da Bacia do Paraná. Os cursos de ciências humanas podem ter sua relevância posta em cheque, contudo seus valores são inenarráveis.

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