Foto: Mizael Simão

 

por Anna Larissa Rodrigues e Raphaela Caparroz

 

            O termo theaomai (θεάομαι) significa olhar com atenção, perceber, contemplar. É o termo grego mais antigo cuja significação se aproxima à ideia da ação do teatro. Não se sabe ao certo quando se originaram, mas se entende que, durante toda a história da humanidade, ritos e celebrações simbólicas como a dança e a música sempre se fizeram presentes. Ao longo dos anos, esses rituais se modificaram e se transformaram nas religiões, nas tradições fúnebres, de nascimento, de matrimônio e de diferentes etapas da vida. As artes – mais especificamente o teatro, a ópera, a dança e o circo – caracterizam toda a forma de expressão representada, ou seja, caracterizam aquilo que acontece entre quem se apresenta – o artista – e quem assiste – o espectador. Por esse viés, considera-se que o artista é o próprio instrumento; por meio de seu corpo, da sua voz e de seus movimentos, consegue configurar um ambiente, uma imagem, uma cena e uma interpretação.

            “Como a realidade em que estamos inseridos é feita de uma multiplicidade de formas de se relacionar com ela mesma, a existência de um curso de Artes Cênicas-Licenciatura em Teatro se dá como uma das possibilidades de compreender esta diversidade de pensamentos, ações e práticas sociais, para que possamos expandir nossas interações e reinventar criticamente o mundo em que vivemos. A produção artística-educacional, para além de propiciar contato com as manifestações culturais e seus tempos históricos, convida-nos para redimensionar as relações em que vivemos: ampliando os caminhos e pontos de vista sobre o mundo, as pessoas e nós mesmos. E, desta forma, abre espaços para nos repensarmos enquanto sujeitos e nos reinventarmos a todo o momento, convocando outros mundos possíveis”, declara o coordenador adjunto do curso, André Luís Rosa.

            Por meio da arte, os seres humanos se relacionam com o mundo; por meio dela, as pessoas expressam as suas necessidades, as suas crenças, os seus desejos e os seus sonhos. Conectando-se a ela, é possível perceber o seu caráter educacional, que objetiva estimular o desenvolvimento da percepção, da sensibilidade, da cognição, da expressão e da criatividade. Existe também a função social da arte, por meio da qual os artistas tentam explicar melhor a vida, representá-la e criticá-la, uma vez que os problemas sociais, como a desigualdade, a opressão e o preconceito, são questões que afetam a todos; por isso, tais temáticas são colocadas à prova do desconforto e da catarse, já que o estudo delas é de extrema importância. De acordo com Paola Antunes, acadêmica do 3.° ano, “ter o curso de Artes Cênicas na [Universidade Estadual de Maringá] UEM é conduzir todas essas questões para um ambiente de pesquisa, de interação, um lugar em que é possível promover transformação social, além de deslocar todos esses questionamentos para um ambiente super privilegiado em que a maioria das pessoas está num local em que é cômodo não refletir sobre si e sobre o meio. O teatro faz o refletir e é a partir disso que fica possível transformar as coisas.”

              A história do teatro se confunde com a própria história da humanidade. Transmitir ou modificar a herança cultural é uma atitude educativa. Dessa mesma forma, a história da atividade teatral em Maringá está estreitamente ligada e comprometida com a história da atividade teatral na UEM. Esse percurso, inclusive, confunde-se com a atividade militante do professor Eduardo Fernando Montagnari, responsável pela criação do Teatro Universitário de Maringá (TUM). É importante e interessante ressaltar que o curso de Artes Cênicas, antes de ter caráter acadêmico, nasceu na comunidade externa, justamente por ter suas raízes no TUM. Segundo informações do Departamento de Música (DMU), com o qual o curso em questão está intrinsecamente ligado, “em 1987, a Oficina de Teatro da UEM é criada e (re)organiza o teatro na Universidade Estadual de Maringá sob a forma de um grupo experimental de teatro: o TUM (até então Grupo Experimental/FUEM, criado em 1978 e dirigido por Valter Pedrosa, e configurava um projeto informal de extensão universitária)”.

                No entanto, apenas “em 2010 foi criado o Curso de Graduação em Artes Cênicas – Licenciatura em Teatro. Com a LDB 9394/1996 e o advento da Lei Federal 11.769 – que tornou obrigatório a partir de 2008 o ensino de Artes Visuais, Teatro, Dança e Música nas escolas – verificou-se uma carência de profissionais habilitados para atuar com as artes da cena dentro da educação básica. Sendo assim, o curso foi criado com o objetivo de formar profissionais para atuarem na educação básica, mas também nos demais projetos culturais que envolvem essa área artística”, ainda segundo informações disponibilizadas pelo DMU.

                Em termos de contribuição à comunidade externa, o curso conta com uma ampla gama de possibilidades. “O curso de Artes Cênicas-Licenciatura em Teatro da UEM possui uma vasta atuação na região por meio de seus projetos de extensão e pesquisa, oferecendo cursos de iniciação teatral, montagem de espetáculos, modalidades artísticas específicas (hip hop, meditação, yoga, dança contemporânea, jogos teatrais, dança-teatro, dança afro etc.), apresentações de teatro e dança, eventos científicos com pesquisadores, artistas e educadores em arte por meio de palestras, de seminários, de conferências nacionais e internacionais, focando na produção em arte e educação e seus desafios atuais”, explica o professor  André Luís Rosa.

                 Em sua trajetória, o TUM produziu e conquistou inúmeros trabalhos e prêmios em suas participações em festivais e em eventos; além disso, paralelamente aos espetáculos e aos processos de montagens, sempre desenvolveu projetos de extensão que contribuíram na formação acadêmica e possibilitaram uma ativa participação nas atividades culturais no campus e na comunidade. É possível citar as seguintes atividades: Médicos da Graça, Teatro na Escola, Temporada Universitária, Caminhada Cultural, Toda Quinta Que Tem, Cursos de Teatro. O Médicos da Graça, por exemplo, projeto de extensão em parceria com o DEN – Departamento de Enfermagem, criado em 2006, tem como objetivo a humanização do atendimento hospitalar por meio da atuação de clowns-palhaços no hospital, especialmente nas alas pediátricas. O TUM se encarrega das oficinas e preparação de clowns-palhaços e supervisão na atuação nos hospitais, bem como o retorno trazido pelos alunos. O Teatro na Escola, por sua vez, é um projeto de extensão oferecido anualmente com o objetivo de instrumentalizar professores e acadêmicos para o desenvolvimento da atividade teatral na escola.

                 Ademais, dentro da universidade, às quintas-feiras, o TUM e diferentes grupos artísticos da Diretoria de Cultura da UEM (DCU) e da Divisão de Artes Plásticas e Cênicas (APC) levam espetáculos e atividades artísticas ao palco ao ar livre localizado em frente ao Restaurante Universitário (RU). Neste local, a UEM construirá uma Concha Acústica, um projeto já em execução, de extrema importância para a democratização e para a consolidação das atividades artísticas na Instituição. “Outra ação importante do Curso tem sido o processo formativo, em que nossos estagiários desenvolvem atividades junto às escolas públicas da cidade de Maringá, expandindo o ensino de teatro na rede pública de ensino e fazendo com que os estudantes dessas escolas e da comunidade em geral possam usufruir de uma extensa programação cultural, geralmente apresentada na Oficina de Teatro (TUM)”, aponta o professor André Rosa.

            A produção científica é tema muito relevante no curso de Artes Cênicas. “Um curso de Licenciatura em Teatro cria, produz e analisa arte no cruzamento com fundamentos e metodologias da educação. Dessa forma, nossas produções artístico-científicas possibilitam pensar o artefato artístico e seus procedimentos em vários campos de atuação social, desde a educação básica (educação infantil, ensinos fundamental e médio) até setores públicos e privados que desenvolvem e promovem atividades artísticas e culturais”, argumenta o professor André Luis Rosa. O aluno Hugo Martins Castilho, do 4.º ano do curso, enfatiza que os cortes de bolsas de incentivo acabaram por inviabilizar mais projetos.  “Penso que as bolsas de incentivo à pesquisa e uma reestruturação nas disciplinas que formam o discente como pesquisador possam contribuir para uma melhoria na produção científica do nosso curso”, argumenta o acadêmico.

             É válido salientar que Maringá se beneficia com o curso de Artes Cênicas, considerado vital para o desenvolvimento do espaço cultural da cidade. Os espaços ocupados pelos professores-artistas desde a criação do curso aumentaram grandiosamente, bem como os editais de incentivo e fomento cultural promovido pela Prefeitura Municipal. “Não há como desenvolver arte-teatro sem que haja a formação inicial de profissionais capazes de mediar e produzir arte”, destaca Hugo Martins Castilho. Ele ainda enfatiza: “Sabemos que é por meio dela que podemos não só nos entreter, mas propor, sobretudo, intervenções, reflexões, debates, questionamentos e, no fim, encontrarmo-nos em espaços comuns no tempo presente, no agora. O teatro une povos e tribos e congrega em seu âmago, daquilo que vale a pena, daquilo que chamamos de humanidade”.

             Os cursos relacionados ao pensamento crítico e às relações humanas, como é o caso do de Artes Cênicas, promovem uma capacitação profissional e social única, ainda que tenham perdido grande parte da sua visibilidade em consequência dos cortes orçamentários do atual governo. O que é reforçado na fala da aluna Paola Antunes: “O artista carrega o refletir e o questionar no seu próprio ser. Um corpo de um ator ou atriz, por exemplo, carrega em si mesmo essas ações, pois seus corpos são políticos, como de todos os outros, mas o corpo de um artista já deixou de ser um corpo cotidiano, que carrega em si ações comportamentais iguais, respondendo de forma ao que a sociedade o impôs. O corpo de uma artista é um corpo que carrega em si a resistência de tudo aquilo que é imposto. A existência e a ocupação desses corpos em TODOS os espaços são vitais”.

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