por Mariana Brito

 

            A profissão de filósofo pressupõe a busca pelo saber crítico, e o questionamento é o seu principal instrumento de trabalho. Assim, a graduação em Filosofia exige que o acadêmico desenvolva a prática da leitura, da escrita e da argumentação com fundamentação sólida em bases teóricas. Abrangendo assuntos e questionamentos sobre a vida, o comportamento humano, as relações entre indivíduos e a sociedade, os estudos filosóficos podem ser traçados em áreas de conhecimentos, como a Lógica, a Ontologia, a Epistemologia, a Metafísica, a Antropologia, entre outras. A Universidade Estadual de Maringá (UEM) possui o curso de graduação em Filosofia com habilitação em licenciatura, o qual é ofertado no período vespertino e tem duração de, no mínimo, 4 anos.

             Nas bases de surgimento do curso de Filosofia da UEM, o histórico percorrido foi o seguinte: em 1967, foi instalada a Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Maringá com o objetivo de formar profissionais para atuarem no magistério do ensino médio; para isso, foram ofertados os cursos de licenciatura em Letras, em História, em Geografia e em Ciências de 1.º grau. Os professores dos cursos de Geografia e de História foram agrupados, a princípio, no Departamento de Geo-História; em 1969, porém, foi criado o Departamento de História exclusivamente aos alunos deste curso de graduação. No ano de 1972, houve a criação do curso de Estudos Sociais e, em maio de 1976, a UEM foi reconhecida pelo Governo Federal; dessa forma, entrou em vigor o Estatuto e Regimento Geral da Instituição. Houve, então, a criação do Departamento de Ciências Sociais, vinculado ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH), com professores de Filosofia, de Sociologia, de Antropologia e de Ciência Política que atuavam em cursos da UEM. O Departamento de Filosofia foi criado em 2008; consequentemente, foram fortalecidos o curso de Licenciatura em Filosofia e os projetos de pesquisa dos professores, o que refletiu na abertura do Mestrado em Filosofia no ano de 2012.

            Segundo informações do site da Pró-Reitoria de Ensino (PEN), o curso de Filosofia dispõe de objetivos básicos, que são, essencialmente, estes: possibilitar o acesso do futuro educador e/ou pesquisador ao saber historicamente sistematizado, além de proporcionar a construção e a consolidação de uma postura crítico-questionadora em relação a fatos e ao próprio conhecimento. Desse modo, delineiam-se os objetivos específicos que caracterizam a formação do filósofo com vistas a atuar em diferentes níveis de ensino e em práticas de pesquisas, bem como em assessorias e em consultorias a órgãos diversos. Dentre esses objetivos propostos, destacam-se a apreensão de como, no decurso histórico, a ação de filosofar problematizou seu objeto e ampliou seus temas; a caracterização de modelos teóricos a fim de guiar o questionar e de orientar a busca por respostas aos desafios das relações dos homens entre si e com a natureza; a análise e o aprofundamento de temáticas pertencentes à ética e à política, perspectivadas pelo ato de filosofar; a identificação e a análise dos postulados ontológicos e gnoseológicos no fazer científico; a caracterização de métodos científicos ao longo da história; a reflexão crítica acerca das propostas que anunciam a ciência, a tecnologia e o desenvolvimento técnico-científico.

            Considerando as áreas de estudo da Filosofia, podemos dizer que ela oferece uma ampla gama de possibilidades para a atuação do profissional que deseja seguir no âmbito da pesquisa e do ensino. O coordenador do curso de Filosofia da UEM, Cristiano Perius, possui formação aprofundada em campos de estudos filosóficos, com experiência nas áreas de Estética e de Fenomenologia Francesa Contemporânea, atuando em temas como arte, ontologia, linguagem e modernismo brasileiro, além de ser coordenador do GT (Grupo Temático) de Filosofia Francesa Contemporânea, da ANPOF (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia). Ele explica brevemente a sua experiência e as suas motivações para o envolvimento com o universo da Filosofia: “estudei numa Universidade com alguns professores formados na [Universidade de São Paulo] USP, cuja metodologia seguia o estruturalismo francês. O curso de filosofia da USP teve, historicamente, muitos franceses que iam e vinham do velho continente para cá (Victor Goldschmidt, Gilles-Gaston Granger, Gérard Lebrun, Francis Wolff etc.). É um consenso afirmar que a formação francesa marcou toda uma geração de professores naquela universidade. Ao tomar contato com a ‘performance’ deles, incomparavelmente melhores, na minha opinião, do que os demais, foi tiro e queda! Sabia que iria até o fim do mundo a fim de imitá-los, pois gostaria de ser como eles. Desde então, estudei francês e me preparei para ir à França. O que ocorreu depois, em momentos distintos da formação, durante o doutorado e o pós-doutorado”.

            O professor Reginaldo Bordin, que possui mestrado em Educação pela UEM, doutorado pelo Programa de Pós-graduação em História da Educação (UEM), atua em centro universitários –  PUC – Maringá e Unicesumar –, inclusive no mestrado em Gestão do Conhecimento nas Organizações ofertado por uma delas. As suas áreas de experiências são Filosofia da Educação e História da Educação. Ele também conta um pouco de sua trajetória de formação: “travei contato com a filosofia dois anos depois do ensino médio. Até então, a disciplina não constava na matriz curricular e, graças a um amigo formado em Filosofia, fui despertado para essa área de conhecimento. Depois de concluído, lecionei na rede pública e fui para o mestrado e para o doutorado em educação, na UEM”, conta Bordin. O docente aproveita para explicar pontos cruciais sobre o processo de aprendizado necessários a quem se dedica à carreira acadêmica: “na formação, em todas as etapas, é importante se dedicar ao que escolheu para fazer o melhor possível, nas condições que se tem. Elaborar uma cultura de leitura, aprofundá-la e fazer pesquisas sistemáticas são essenciais na formação”, afirma.

            Outra perspectiva importante é a dos que buscam a formação em Filosofia na UEM, como a de Maria Augusta, que está cursando o terceiro ano da graduação: “quando eu fazia cursinho pré-vestibular, em 2015, já reconhecia minha possível vocação para ser professora e meu sonho era ser professora universitária. Sempre gostei muito de ler, escrever e falar sobre o que aprendia. No entanto, nessa época, eu me interessava por assuntos aparentemente muito diversos (ciências, ética, literatura, artes, política, religião, psicologia etc.); o curso que me apresentou uma solução para isso foi Filosofia, com a possibilidade de estudar todos esses temas e as intersecções entre eles. A paixão foi quase imediata, quando conheci a possibilidade de melhorar a qualidade da minha leitura e escrita e desenvolvê-la filosoficamente.”

            Uma experiência importante para a aluna rendeu frutos em eventos científicos e refletiu até em outro curso de graduação da UEM: “em 2017, no segundo ano, comecei um projeto de iniciação científica pelo CNPq – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) –, adentrando a área de Filosofia Estética, mais especificamente estudando a relação possível entre literatura brasileira modernista (Drummond) e a Filosofia existencialista (na figura de Sartre). O resultado da pesquisa foi satisfatório e tive a oportunidade de apresentá-lo em alguns eventos científicos, como no Encontro Anual de Iniciação Científica (EAIC), em 2018, e no Encontro Regional de Estudantes de Filosofia (Erefil), em 2019. O estudo serviu também de base conceitual para a configuração de uma peça teatral, Emaré, desenvolvida por alunos do curso de Artes Cênicas da UEM e apresentada no Festival de Teatro de Curitiba, na mostra Fring. Esse foi um dos momentos mais felizes da minha graduação, quando vi o trabalho teorético se tornando algo apreensível pelos sentidos, em forma de Arte, outra área pela qual sempre tive interesse. A impressão que sempre tive é que quanto mais avanço no curso, mais ele me exige aperfeiçoar as capacidades interpretativas e de raciocínio lógico. Tem sido uma aventura e tanto, esse percurso por diversas e diversas filosofias.”.

            Atualmente, porém, a profissão de filósofo/docente é vista como perigosa diante de discursos de lideranças políticas e sofre com a desvalorização consequente da visão deturpada que é propagada sobre a ciência filosófica e a área educacional. Há uma crise em curso que afeta os diferentes níveis da educação brasileira, principalmente o nível superior. Conforme argumenta o professor Perius, “entre todas as crises possíveis e imagináveis que a universidade poderia enfrentar, a crise atual não tem precedentes. A prova disso é empírica: pergunte a alunos do segundo grau se a vocação do professor não encanta… Vários responderão: ‘Sim, mas não!’. O trabalho do professor é bonito, é importante, é tudo o que se quiser de positivo. Mas não é mais possível, na atual conjuntura de demonização do professor, que inclusive virou, se for um professor de ciências humanas, socialista, comunista, admirador da Venezuela etc. É uma associação bizarra.”. Outro obstáculo enfrentado pelos cursos das ciências humanas é a preferência do governo por maiores investimentos em outras áreas, por exemplo, a tecnológica, em detrimento das mencionadas anteriormente, que caracterizam, nas palavras do professor Reginaldo Bordin, “baixos incentivos concedidos às humanidades, pelo fato de setores sociais e políticos não considerá-las essenciais para o desenvolvimento econômico e produtivo. Basta observar o pronunciamento de lideranças políticas, claramente favoráveis a outras perspectivas educacionais. Esse é um engano que tem um custo elevado para a sociedade”, considera o educador.

            Na perspectiva das pesquisas desenvolvidas na Universidade, temos o Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UEM com nível Mestrado, que foi aprovado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em novembro de 2011, tendo suas atividades iniciadas em 2012, coma primeira turma. As linhas de pesquisa do programa são “Metafísica e Conhecimento” e “Estética e Filosofia Social”, do qual participam 11 docentes permanentes e um colaborador. O programa objetiva propiciar uma formação acadêmica aprofundada e de alto nível, bem como a capacitação dos alunos para a pesquisa e para o mercado de trabalho em nível universitário, mediante discussões filosóficas de temas relativos às linhas de pesquisa do curso, visando também a qualificação de professores do ensino médio. O Programa de Pós-Graduação em Filosofia também propõe, por meio de instrumentos da prática filosófica como a leitura e o comentário de textos e a realização de seminários, o fortalecimento da habilidade para a pesquisa em áreas específicas da filosofia. A respeito das perspectivas da pesquisa dentro do programa, o coordenador Cristiano Perius afirma que “a Pós-Graduação do curso de Filosofia da UEM está de parabéns. Não que não possa melhorar. Pois é certo que pode. Nós temos 10 anos de curso e um número pequeno de alunos concluíram o mestrado. Não priorizamos os números, mas a qualidade. Participei de uma defesa de mestrado de um de nossos alunos. Um dos membros do júri, que participava por Skype, pois a universidade está sem recursos, disse o seguinte: ‘Fico impressionado de ver o curso de Pós-Graduação da UEM, que ainda é tão jovem, na periferia do Brasil, produzir uma dissertação como esta, cuja qualidade seria reconhecida por qualquer professor das melhores escolas do mundo. Quando se investe na educação, a sociedade responde’.”

             O professor Cristiano ressalta a importância da presença da filosofia no âmbito externo, ou seja, a sua importância para o público que está fora da universidade: “Em razão de posições equivocadas, se divisa a escola sem partido e a excomunhão das ONGs, o fim da ideologia de gênero, a educação a domicílio etc. Como impedir os professores de falar sobre educação sexual se 95% dos abusos contra crianças vêm da própria família? É interesse das elites combater toda forma de organização social a fim de fragmentar a sociedade civil. Pior ainda, a desmobilização social é invocada em nome de um valor maior (de que a onda conservadora e religiosa é vigia): a família. Mas não se percebe que a questão não é atacar a família, mas organizar a sociedade. Fragmentada como está, a sociedade limita-se a ordem familiar em que cada pai ou cada mãe defende o emprego de sua classe, lixando-se ao resto. Quando o policial faz greve, quando o professor faz greve, quando o enfermeiro faz greve, o carteiro etc., a sociedade civil deveria fazer greve, pois ensino público, saúde pública, segurança pública, correio etc. são de todos, não apenas de seus funcionários. A filosofia tem um papel fundamental no diálogo com a sociedade civil, ainda mais quando ela é alienada. Conscientizar a sociedade civil, convidando-a a participar das atividades da universidade e sair da universidade por meio de atividades sociais não é só importante, mas, necessário.”

              Em relação às atividades e aos eventos que o curso oferece à comunidade externa, o coordenador explica que há, na UEM, o café filosófico, atividades de formação de professores das redes pública e privada, participação em núcleos dirigentes de estágios e uma gama imensa de eventos abertos à comunidade externa. “O calendário está cheio. Nosso trabalho é intenso. Infelizmente, grande parte da sociedade civil o ignora”, comenta Perius. O professor critica, ainda, os ataques à universidade: “quem ataca o funcionário público chamando-o de dinossauro, de marajá, de vagabundo etc. não chega um dia sequer em casa sem reclamar do mau atendimento, da incompetência ou despreparo de funcionários da iniciativa privada… De forma que, se a universidade está isolada, é porque a sociedade civil está fragmentada e, pior ainda, coloca-se muitas vezes contra a universidade. Ora, a UEM é um bem público; atacá-la significa comprometer o futuro da própria sociedade”.

               Uma reflexão substancial feita pelo coordenador Cristiano Perius nos auxilia a entender as contradições do atual governo no âmbito educacional e a pensar como essas considerações afetam outras áreas de atuação profissional. “Quanto à educação, o discurso é o seguinte: ‘uma vez que os governos anteriores privilegiaram o ensino universitário, iremos privilegiar o ensino fundamental.’. Como privilegiar o ensino básico esquecendo-se que a universidade forma os professores do ensino fundamental? Aliás, a universidade não forma apenas professores, mas todas as profissões. Afinal, tudo começa com o professor.”, conclui o docente.

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