por Fernanda Martins e Vitória Floriano

          A cada quatro anos, praticamente o mundo inteiro para ao prestigiar um dos maiores eventos do planeta: a Copa do Mundo. O dia 14 de junho, na cidade de Moscou, marcou o início da Copa de 2018, sediada pela Rússia. Durante um mês, 32 nações se reuniram em diversas cidades no país euro-asiático para verem seus craques em campo, fazendo com que o país estivesse cheio de estrangeiros que buscavam a experiência do jogo e as comemorações dos times vitoriosos.

          Contudo, a repercussão midiática da Copa na Rússia não mostrou apenas o triunfo das seleções, mas, principalmente, notícias que quebraram a noção de que política e futebol não se misturam. As questões tornaram-se evidentes nas manifestações racistas, xenófobas e homofóbicas dos torcedores, da sede do evento e também dos países europeus com a crise imigratória bastante significativa.

      Conforme o Prof. Dr. Fernando Starepravo, do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá, o futebol é um grande negócio. Os times de futebol, tanto a nível local quanto nacional, se importam que o jogador seja efetivo em campo e, principalmente, proporcione um bom espetáculo esportivo para ser comercializado. Com isso, “não consideram” a nacionalidade daquele jogador, pois, ao buscar o reconhecimento internacional, priorizam o rendimento e a qualidade esportiva, os quais não estão conectadas a uma etnia específica.

         A seleção francesa, campeã da Copa, foi considerada o time com mais jogadores “estrangeiros”, sendo três naturalizados e doze filhos de imigrantes, porém não foi a primeira vez que ganharam com uma seleção com essas características.  O jornalista e correspondente do jornal O Estado de São Paulo na Europa, Jamil Chade, afirmou que a vitória francesa de 1998 só foi possível devido aos jogadores imigrantes. No entanto, percebe-se que, mesmo que haja uma valorização do jogador estrangeiro, as políticas de imigração francesa demonstram o contrário: que eles não são bem-vindos.

           Percebe-se que existe, portanto, uma diferenciação do tratamento do europeu com o imigrante refugiado e o imigrante jogador. Starepravo, ao citar o capital do Futebol, menciona a hierarquização social congruente em diversos países, a qual ratifica o prestígio e o desprestígio de seus cidadãos, devido a suas condições financeiras, sociais ou profissionais. No entanto, essa hierarquia vai muito além de uma simples questão econômica para o Prof. Dr. Delton Aparecido Felipe, do Departamento de História da UEM, que aponta que o europeu por possuir características distintas – como cor da pele, olhos e tipo de cabelo – dos imigrantes africanos, os consideram e enxergam como cidadãos de segunda categoria.

      Além disso, o Delton Felipe relaciona a supervalorização do talento e da força física dos imigrantes africanos, em um time europeu ou em uma seleção europeia, aos períodos escravocratas, no qual existia a dicotomia força bruta e inteligência para racionalizar a necessidade do escravo negro, uma vez que o homem branco era “intelectualmente desenvolvido”. Assim, afirma que “quando um negro se insere no campo científico não tem a mesma valorização que se tem no esporte e é por esse motivo que muitas vezes tais jogadores não partem para outros campos sociais como a ciência, economia, política, pois quando isso ocorre geralmente são criticados e tolhidos de suas ações”. Mesmo assim, não se deve pensar que os estrangeiros que possuem prestígio tenham aprovação o tempo inteiro, como o próprio professor Fernando Starepravo declara:  “você é aceito até o momento em que traz um retorno positivo”.

          Conforme expresso na reportagem intitulada Europa nega abrigo, mas comemora gols dos filhos de imigrantes, publicada no site da Carta Capital em 06 de Julho de 2018, diversos jogadores revelaram os preconceitos sofridos devido às derrotas de seus times, como o jogador da seleção belga, o descendente congolês Romelu Lukaku, e da seleção sueca, o descendente turco Jimmy Durmaz. O professor Delton explica que tal situação não pode ser considerada apenas um aborrecimento dos fãs ao ver seu time perder, pois não ocorrem esporadicamente, sendo “muito comum seus jogadores sofrerem retaliação, sobretudo quando são jogadores de origem africana”. Essa retaliação é acompanha de simbologias e insultos, como serem chamados de macaco ou o ato de jogar cascas de bananas no campo, e isso, segundo o historiador se trata “de um preconceito devido ao aspecto físico e relacionado à cor da pele. O nome disso é racismo’’.

         As mídias, em determinados momentos, omitem os ocorridos para “não manchar” o produto a ser vendido, destacando apenas os elementos positivos das práticas esportivas e, assim, deixando de lado os preconceitos existentes no esporte (xenofobia, homofobia, machismo, etc.). Segundo Delton Felipe, a sociedade para formar sua identidade nacional nega seus preconceitos e, muitas vezes,  os trata de maneira individualizada, pois a mídia, ao  alegar que o preconceito existe no agressor deixa de reconhecer que a pessoa é fruto de uma estrutura social e de um país preconceituoso. “O que o agressor faz é, no momento de decepção, emitir determinada opinião e na maioria das vezes a mídia entende apenas como aborrecimento”, explica o professor. Pode-se inferir, então, que a naturalização das multi-intolerâncias em espaços esportivos, manifestadas nos xingamentos em estádios, nos “gritos” das torcidas organizadas e nos comentários pós-jogo para o time perdedor, são reflexos dos preconceitos velados construídos culturalmente.

           Nesse sentido, por que apenas agora a xenofobia no futebol ganhou um maior destaque?  De acordo com Starepravo, as pessoas estão mais atentas a essas questões devido ao advento das mídias sociais e ao rápido compartilhamento de relatos dos fatos ocorridos, além de estarem menos tolerantes perante estas situações. Assim, alguém que presenciou o preconceito e, acima de tudo, se indignou com a cena, ao problematizar tais questões em uma rede social para centenas/milhares de pessoas, cria um espaço de discussão, obrigando mídias maiores a também relatarem o ocorrido.

     Desse modo, ao presenciar cenas e atitudes preconceituosas na competição, fica visível a noção de que política e futebol se misturam e que cada vez mais andam próximos das pessoas que interagem ou não com o esporte, pois todos, em consequência da mídia, acabam tendo conhecimento sobre os ocorridos dentro e fora de campo e, de maneira inevitável, opinam sobre fatos que integram as notícias. Por isso, ao se posicionar contra atitudes racistas, xenófobas ou até mesmo homofóbicas, a sociedade, mesmo que em partes, demonstra uma evolução a maneira de não distinguir ações desportivas de ações políticas nos mais variados cenários mundiais, tolerando cada vez menos todo e qualquer tipo de discriminação ao agir de maneira empática em diversas situações.

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