por Lucca Portolese e Paulo Cruz

 

              Não é novidade que há casos de transfobia na sociedade que vivemos, e não é necessário muita pesquisa para tomarmos conhecimentos de tais casos, na maioria das vezes fatais, mas que não são levados a sério pela sociedade. O preconceito, seja ele fundado por questões de cultura, religião e intolerância não deixa de ser um grande problema entre as pessoas, que, por ignorância, acabam afetando, tanto psicologicamente quanto fisicamente a vida de pessoas transexuais.

            Por saber da importância de representatividade, voz e identidade, O Consoante dá uma atenção especial para casos de transexualidade dentro das escolas, sob a visão de Janaiçara Alves Meireles Lara Tait (à esquerda), diretora da Escola Estadual Brasílio Itiberê, e a professora transexual, formada na Universidade Estadual de Maringá, Naomi Neri (à direita).  Para a diretora a escola deve ser um lugar que vai além da mera transmissão de conteúdo. Ela acredita em uma escola comprometida com a valorização e o respeito ao cidadão e ao ser humano em suas múltiplas especificidades.

O Consoante: Você já presenciou algum caso de transexualidade na escola? Se sim, como foi lidar com o mesmo?

Janaiçara: Nestes oito anos de gestão, me deparei com muitos casos de transexualidade na escola, que por diferentes motivos me marcaram, mas todos apresentaram pontos convergentes: a ignorância, intolerância, preconceito e discriminação. O caso mais recente foi o de uma aluna (14 anos) nascida mulher, mas que se declarava homem, porém, a família não aceitava de forma alguma a sua orientação sexual. Desesperada e confusa, a aluna pediu socorro afirmando que a mãe batia nela. Ameaçava tirar o demônio da menina, dizendo que ela nasceu mulher e iria morrer mulher. Esses e muitos outros absurdos eram proferidos e praticados pela mãe. Diante do exposto pela aluna, acionamos o Conselho Tutelar, fazendo uma denúncia formal, convocamos a mãe para comparecer na escola. A aluna queria ser chamada pelo nome masculino (nome social), contudo, por ser menor, precisava da autorização dos responsáveis. Algum tempo depois a aluna teve um surto dentro da escola, fazendo cortes nos braços com uma lâmina. A escola acionou o SAMU, Conselho Tutelar e a família, e a aluna foi socorrida e permaneceu internada na ala psiquiátrica do Hospital Municipal por quinze dias. A escola buscou a ajuda do Conselho Tutelar, CRAS, CREAS, NRE para tentar ajudar a aluna. Depois deste episódio e muito trabalho do Conselho Tutelar e da escola junto à família, a mãe permitiu o uso do nome social e concordou que a aluna se declarasse livremente, ao menos dentro da escola. Este pequeno gesto da mãe fez uma grande diferença em todo o comportamento do aluno e consequentemente do seu processo de ensino aprendizagem.

OC: Como você acha que deveria ser tratada a transexualidade dentro das escolas?

Janaiçara: A meu ver não só a transexualidade, mas também o racismo, o preconceito social e/ou religioso, o machismo e todo tipo de violência devem ser trabalhados e discutidos amplamente dentro das escolas. De forma clara e responsável não podemos ser omissos. A própria postura dos educadores diante de qualquer um desses pontos faz toda a diferença, independentemente dos conceitos preestabelecidos que cada educador tem, o mesmo não pode levar isso para dentro da escola, ele precisa trabalhar com o aluno o respeito ao próximo, a aceitação ao diferente e o sentimento de humanidade e empatia pelo outro.

Dando voz para a professora e palestrante Naomi Neri, O Consoante buscou obter uma visão mais profunda do mundo marginalizado dos transexuais, mas que com representatividade e cuidado, podemos dar esperança a uma nova geração.

OC: Como é ser uma professora transexual no meio escolar?

Naomi: É ser muito isolado, tanto por que dificilmente se há alunos trans, quanto mais professores.

OC: Qual foi a impressão que os alunos tiveram de você?

Naomi: Em geral, os alunos foram muito receptivos. A resistência vem dos professoras/es e direção. Os colegas em geral, bastante transfóbicos, jogavam com a ideia de que ter uma professora trans poderia influenciar os alunos. Eles transferiam a transfobia para os alunos.

OC: Qual a importância da representatividade por parte dos professores no meio escolar?

Naomi: Muito importante, dificilmente uma pessoa trans tem acesso a uma formação educacional completa, devido à evasão por transfobia. Retornar ao ambiente escolar enquanto professora impressiona, não por ser algo visionário, mas pelo fato de a violência não possibilitar precedentes. A nossa luta é pelo acesso aos direitos que são comuns a todas pessoas não-trans.

OC: Como abordar a questão de gênero?

Naomi: Acredito que por meio de compartilhamento das vivências, a comunicação flui, pois são pessoas falando sobre suas vidas, sobretudo da fase escolar. É uma forma de expressar como acontecem as violências e a forma como estamos a mercê delas.

 

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