por Íngrid Lívero e Ramon Alves

É fato já, na realidade do estado e também do país, que os estudantes da rede pública de ensino decidiram se portar de determinada forma frente à proposta de desfalque na grade curricular do Ensino Médio que pode retirar matérias de grande peso para a formação pessoal e intelectual dos jovens que cursam essa última etapa do ensino básico. O Consoante, por ser a voz dos que convivem com a formação e desafios da área da docência, acredita ser notória e também inovadora a atitude dos alunos ao construírem uma forma de resistência à medida provisória.

A MP 746/2016 foi proposta pelo então presidente Michel Temer juntamente ao ministro da educação Mendonça Filho e, dentre as mudanças, a que mais repercutiu no âmbito midiático foi a não obrigatoriedade das matérias de Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia. A urgência com que o governo tem tratado a MP se deve ao resultado do ensino médio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Mediante o cenário de opiniões bastante diversas que o país vivenciou com o processo de impeachment, muitos atos de resistência ganharam espaço entre a população brasileira, sendo o dos alunos não menos significativo, pois há muito a rede pública – em especial o Ensino Médio – parece ser formada, aos olhos do povo, por “meros” alunos que devem se preocupar com o que farão quando acabarem a escola.

Foram (ou ainda são) as ocupações a melhor forma de reagir a uma MP? Talvez não seja possível afirmar isso com toda a certeza, percebendo que a opção pensada pelos alunos – origem esta que já é de reconhecimento – foi a única que realmente entrou em destaque. Será que se tem, então, muito mais do que um espaço de estudos para o vestibular ou para o concurso na escola? A corrente de ocupações das escolas por si só confirma que o Ensino Médio – e também as outras séries do ensino – tem indivíduos pensantes e que tentaram fazer valer sua opinião para com o que acreditam não ser a melhor mudança no seu dia a dia na educação pública.

Em se tratando da MP, O Consoante vê nos estudantes um descontentamento totalmente justificável, pois o grupo entende tais propostas como prejudiciais a eles, sendo assim os apoia em suas ocupações. Os organizadores das ocupações se mostraram responsáveis ao organizarem-se com a alimentação e acomodação e ao preverem os possíveis prejuízos que os alunos pudessem ter. É justamente para evitar tal prejuízo que alguns deles, tendo em vista o pouco tempo que restava para os principais processos seletivos, pediram ajuda a universitários e professores para que, dependendo da disponibilidade, ministrassem os chamados “aulões”, que auxiliaram os ocupantes desejosos de garantir uma vaga na universidade. Por aí se seguiram as atitudes dos jovens que muitos julgavam uma massa indiferente intitulada ensino público.

É de conhecimento d’ O Consoante que, infelizmente, houve colégios forçados a serem desocupados por medidas governamentais coercitivas e documentos que solicitam aos alunos a reintegração de posse das escolas em prazos determinados. Tais atitudes, provenientes da falta de diálogo do estado no que diz respeito a questões educacionais importantes, podem fazer pensar que a causa estudantil, que levou o corpo discente a sair de suas casas, não é legítima e que esses indivíduos são “sem educação” a ponto de desrespeitarem o poder governamental.

Como se pode julgar essa “falta de educação”? Torna-se também interessante refletir sobre possíveis traços de intencionalidade contidos na MP 746/2016, questionando sobre os critérios utilizados na retirada de matérias que convidam justamente ao pensamento crítico, à consciência política e ao desenvolvimento artístico. Será que é de interesse governamental que os nossos estudantes desenvolvam tais habilidades? Entender a “falta de educação” como o desfalque que levou os alunos a tal atitude de ocupação é uma possibilidade de interpretação bastante plausível. Aproveitando essa ambiguidade presente na expressão “sem educação”, é importante deixar claro que a única forma adequada de se empregar o termo seria a que aponta para a falta de acesso que esses adolescentes têm à educação de qualidade.

Dessa forma, a posição d’O Consoante de apoio às manifestações que tomou forma com as ocupações não pretende ser partidária, apenas segue uma concepção de que aqueles que estão se formando professores – e também os que já o são – precisam de recursos e um ambiente para colocar em prática o que prometeram cumprir em sua colação de grau e durante todo seu preparo, em comprometimento com a educação. Com a mobilização dos alunos, mais um sinal de que esses quesitos não estão sendo atendidos aparece, logo provocando esse apoio ao movimento que, de sua forma, pede por um ensino que seja digno para aqueles que dele participaram.

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