A mestra generosa que ainda me inicia na ciência sempre me preveniu: o trabalho do pesquisador, mesmo o do pesquisador experiente, é predominantemente feito em solitude, na companhia do computador e de alguns autores mortos. Mal sabe ela o quanto isso me é confortante, realmente. A academia, porém, tem das suas: ela quer muito colocar o garoto tímido e órfão do Ensino Médio diante de uma série de faces ameaçadoras com sobrancelhas impacientes. Os minutos se arrastam no corredor cor de terracota em que espero a hora de entrar na sala. Na bolsa, o computador que guarda minha crucial apresentação em power point deve estar se sentindo pressionadíssimo, uma pilha de nervos. A sensação que eu tenho – e essa é uma suspeita séria – é a de que o metal gelado desses circunspectos aparelhinhos começa a demonstrar sinais de ansiedade e confusão psicológica, tão tipicamente humanos, sempre que precisamos muito que eles funcionem direito. Por via das dúvidas, tento agir diminuindo os riscos: infinita coleção de pendrives fora recrutada e está atenta a chamados por reforço. É, eu sou um comunicador preparado, sou um comunicador preparado, um comunicador preparado, respira, expira, calma, um comunicador preparado… O mantra parece tomar conta do ambiente.

Não conheço mais ninguém do modesto segundo ano da graduação que apresentará trabalhos hoje (sendo sincero contigo, não conheço quase ninguém de maneira geral; é preocupante, sei disso, sei disso). Às vezes, porém, vejo surgir pelas escadas alguém com aquela expressão característica de quem está fingindo tranquilidade num esforço gutural, a camisa de botão bem passadinha que jamais tinha visitado o campus e as pernas inquietas por terem chegado cedo demais. A identificação é imediata, mútua, surpreendentemente calmante e nós nos cumprimentamos de longe com um risinho nervoso.

Diante de mim, um agitado monitor de colete azul abre a porta pela qual devo entrar. Ele é graduando como eu, certamente, mas me trata com polidez esforçada graças à pasta que me identifica como um dos participantes. Procuro agradecer de maneira enfática, mostrando estar encabulado; realmente, eu não devia ser alvo da preocupação e dedicação dos coletes azuis. Sinceramente, quero renunciar logo a pasta, a pesquisa, a participação e o figurino engomadinho. Me vejo irrompendo pela porta, mas me mantenho ali, bravamente acovardado. Encolhido numa das cadeiras do fundo, arrasto adiante o cômico (pra não dizer ridículo) drama da pré-apresentação. Hei, não me julgue tanto assim, viu; pro coitado do apresentador de primeira viagem as coisas triplicam de tamanho.

Depois de alguns (vários) minutos de embate entre dois dos monitores do colete azul e um irredutível aparelho de datashow, o coordenador inicia as falas. Meu nome é o primeiríssimo a ser chamado (ah, esses momentos de pânico social nunca deixam de ser irônicos conosco). Coração na boca, a voz sai baixa e, imagino, muito constrangedora pra quem ouve. Por fim, colega, digo com orgulho que minha apresentação aconteceu dentro do esperado: foi majestosamente mediana, com gaguejadas aqui e ali e confusões pontuais resolvidas pela complacência dos mais experientes. Eu sei, eu sei, foi tudo muito modesto, mas não vou negar que fiquei profundamente satisfeito.

E você, excelente colega? Vejo que já quase não consegue esconder a frustração com o final muito medíocre dessa crônica amadora. Realmente, ninguém pode tirar sua razão, mas, se te agrada, posso tentar dar uma enfeitada filosófica nesse parágrafo derradeiro: F.A.L.E., parceiro, pois há de se falar, há muito de se falar. Há de se falar, mesmo gaguejando, e há de se falar agora. Há de se pensar e de se argumentar em alto e bom som, mesmo que o som seja novíssimo e inseguro. Os tijolinhos dessas paredes velhas permanecerão aqui por muito tempo, mas as vozes mudam, se renovam, se transformam, pois são vivas. Seja uma voz, FALE.

 

Lorena Martins