A Professora Doutora Lúcia Osana Zolin, do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias (DTL), da Universidade Estadual de MARINGÁ, concedeu entrevista a O Consoante para falar da sua palestra “Mulher e Literatura” na II Festa Literária de Maringá, a FLIM, e de sua linha de pesquisa: a literatura de autoria feminina.

OC: A professora estudou grande parte da sua vida literatura de autoria feminina. Como surgiu esse interesse pela mulher na literatura?

Lúcia: Eu comecei a estudar a questão da mulher, estudava os modos de representação da mulher nos contos de Machado de Assis e isso acabou me abrindo um caminho. Assim, comecei a participar de eventos e a me interessar mais pelo assunto. Logo descobri uma linha de pesquisa que surge a partir da crítica literária feminista com o objetivo de descobrir qual o tom da literatura feminina tendo em vista o fato de a mulher ter sido silenciada por milênios. Eu fui me apaixonando pelo modo de escrita a partir da perspectiva feminina e comecei a questionar: “ o que a mulher tem a dizer? ”, já que por tanto tempo foi silenciada. OC: Você acha que o público de Maringá estava apto para receber as ideias que seu trabalho propõe? Lúcia: Eu fui um pouco apreensiva na palestra porque eu não sabia ao certo qual era o público-alvo. Na véspera da palestra fui assistir outra apresentação onde havia muitos adolescentes. Fiquei um pouco preocupada e pensei que teria que montar um outro recorte, diferente do que eu tinha pensado. Mas me informaram que minha palestra fazia parte de um simpósio que estava voltado para os professores da rede pública. Eu acho que é bem por aí. Nós precisamos levar essas ideias e novos modos de pensar literatura para os professores do Ensino Básico, afinal, é por lá que as coisas começam. Eu estou orientando uma professora de ensino público e a sugeri que trabalhasse a teoria feminina. Ela ficou um pouco assustada porque não sabia como trabalharia o tema com adolescência, mas foi uma experiência muito bacana e teve uma recepção ótima por parte dos alunos. Então é isso, é preciso levar para outros segmentos que não sejam apenas os da academia para que as ideias se disseminem.

OC: Qual foi a sensação de participar de um evento tão renomado para Maringá, evento em que ícones conhecidos nacionalmente estiveram presentes?

Lúcia: Foi muito bacana. Inicialmente eu não sabia o que esperar, não sabia do público ou como seria, se iria ser algo ocasional como pessoas passando por lá ou algo mais formal, mas foi uma experiência interessante, eu gostei muito. Acho que é uma iniciativa bacana. Eu não participei da primeira edição do evento. Passou pela minha cabeça vagamente coisas como “poxa vida, será que as pessoas vão querer me ouvir?”, mas no final das contas foi uma sexta- feira muito gostosa, cheia de gente que pela fisionomia parecia estar interessada. Claro que tivemos a presença de celebridades, mas cada um com o seu espaço. Eles foram para falar como escritores e eu fui falar como professora pesquisadora de literatura de autoria feminina.

OC: O curso de Letras da UEM é majoritariamente feminino. Como as mulheres do curso podem ter acesso as suas pesquisas e publicações para futuras referências?

Lúcia: A maior parte dos periódicos nos quais publicamos são disponibilizados online, na verdade os estudantes de Letras precisam, primeiro de tudo, se interessar pelo assunto ou qualquer outro assunto, seja meu ou de qualquer outro colega e ir atrás de obter informações, pois estamos disponibilizados na internet. Além disso, temos as pesquisas e o grupo de estudos que são constituídos naturalmente pelo pesquisador e pelos orientandos. Então os meus alunos de PIC, meus orientandos de mestrado e doutorado participam ocasionalmente desses grupos. Eventualmente convidamos algum professor ou demais convidados para as discussões, mas na verdade nós trabalhamos para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa em andamento, um deles é o centro de documentação virtual de literatura de autoria feminina paranaense, é um site que estamos preparando contendo todo o levantamento das escrituras paranaenses, suas obras e a fortuna crítica a respeito delas, com o intuito de fazer um portal que seja uma janela para mostrar o que as mulheres paranaenses produzem. Sendo assim, as vezes um convidado pode se sentir deslocado, por se tratar de um trabalho de longa data, mas por outro lado pode ser interessante para aspirantes, como alunos que queiram entrar no projeto.

OC: Em sua palestra você disse que antigamente as mulheres tinham dificuldade em publicar suas obras. Você acha que isso continua?

Lúcia: Eu penso que sim. Isso não é uma coisa explícita porque o movimento feminista reivindicou muita coisa e nós podemos falar em igualdade dos sexos, mas a gente sabe que ainda há muito preconceito. Por exemplo, se uma mulher desconhecida chega em uma editora com um livro em baixo do braço, a aceitação é muito mais difícil. Eu digo isso não pensando em uma hipótese, mas porque sabemos que as grandes editoras do país publicam obras produzidas por homens. Então será que as mulheres continuam sem escrever? Não, elas escrevem! Mas normalmente elas conseguem publicar seu texto por conta própria ou por editoras menores.

OC: Você se considera feminista? Existe alguma corrente do feminismo com que você se identifica?

Lúcia: Sou feminista, com certeza! Mas não sou militante, mas acho que feminismo é uma postura ideológica em relação ao modo que as mulheres e os homens viveram, então se eu penso que mulheres e homens são igualmente seres humanos, que constroem contribuem para o desenvolvimento da cidade, que homens e a mulheres têm direitos iguais, então eu sou feminista.

OC: Você já sofreu algum tipo de descriminação por ser mulher no meio acadêmico?

Lúcia: Não, embora no magistério nós tenhamos muitos professores, tradicionalmente essa é uma área feminina. No começo do século XX pensávamos na professora, era possível a mulher ser professora. Não era possível ser engenheira, médica ou matemática, mas era possível ser professora. O preconceito que sinto é por conta da minha linha de pesquisa. Ainda existe muita valorização sobre a literatura canônica, ou seja, uma literatura predominantemente masculina e quando eu digo que estudo literatura de autoria feminina é possível perceber alguns narizes torcidos no sentido de “ah, ela estuda essas coisas de mulher”. Mas como eu disse, não por eu ser professora, mas pela minha linha de pesquisa.

OC: Você tem alguma indicação de livros para dar as alunas de Letras?

Lúcia: É muito bacana ler textos não tão padrões, com perspectivas diferentes. Experimente ler literatura marginal, experimente ler literatura de autoria feminina. Você vai ler Machado de Assis, Clarice Lispector. Quando você mescla a literatura canônica com outras vozes não tão conhecidas, você amplia o seu horizonte cultural. Você não deve largar a literatura canônica, afinal, vocês são estudantes de Letras.

Allana de Freitas
Karina Soares