A imagem que o brasileiro tem da França normalmente está atrelada à magnífica e esplendorosa Torre Eiffel, ao Arco do Triunfo, às Igrejas monumentais, como a Catedral de Notre-Dame, aos bons perfumes, à elegância da moda e à boa culinária. Infelizmente, nos últimos dias, muito se tem falado sobre os cruéis ataques terroristas na capital francesa. Quando o assunto é Brasil, os franceses, em contrapartida, se remetem ao carnaval, futebol e mulheres. Muitos desconhecem a importância da língua e da literatura francesa no Brasil e não sabem da existência de universidades que possuem cursos de graduação em língua francesa ou com habilitação dupla (Português-Francês) e de acadêmicos e professores brasileiros que se dedicam no estudo deste idioma. Em Maringá, por exemplo, os acadêmicos da Universidade Estadual de Maringá – UEM, que cursam Letras com habilitação em português/francês, têm, do primeiro ao quinto ano, contato com essa língua a partir das disciplinas: habilidades comunicativas integradas, prática de formação de professor de letras (língua francesa) e literatura francesa (narrativa, conto, poesia e drama). Existem ainda pessoas de outras áreas do conhecimento que frequentam o curso de francês em escolas de idiomas da cidade, movidos talvez pela curiosidade. Essa mesma curiosidade pode ter levado Paula Anacaona, tradutora e editora francesa, a se apaixonar pela língua e literatura brasileira. Isso mesmo! Existem pessoas na França que investem e se interessam pela nossa literatura. Na terça feira, 24 de novembro, Paula Anacoana esteve no auditório do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias (DTL), na Universidade Estadual de Maringá, justamente para tratar das novas influências da literatura brasileira na França. Mesmo com problemas técnicos (a energia elétrica havia acabado momentos antes do início do evento), Anacaona não abriu mão de sua apresentação, que iniciou no horário previsto. Paula confessou que o português não é tão conhecido na França e que pouco espaço é reservado nas editoras e livrarias francesas para a literatura brasileira (o mercado editorial é monopolizado por americanos). Foi a literatura marginal (de periferia, surgida em São Paulo, que contém, nas palavras da tradutora, raiva e garra) e urbana brasileira que motivou a tradutora a fundar a editora Anacaona , que desde 2010 vem publicando livros que despertam seu interesse e que não havia tradução para o francês. Dentre seus critérios de seleção de obras, Paula Anacaona afirmou que não se trata de uma questão de valores: o livro deve fazer apaixonar-se, deve se encaixar nas três coleções existentes na editora deve ser bem escrito e deve ser uma literatura engajada, com algum papel social. No momento ela não tem problemas com concorrentes e até mesmo acredita que seria interessante ter outras pessoas que a ajudassem a traduzir e a divulgar mais obras brasileiras. Talvez uma dificuldade em se aceitar a literatura brasileira, da parte do francês, está no fato de se ter pouco contato com esse tipo de literatura na escola. Há 15 anos trabalhando com tradução (primeiro com a tradução técnica e depois a literária), Anacaona disse ser interessante unir a tradução técnica com a literária. A tradução literária na França é pouco valorizada. Para ser um bom tradutor, a pessoa deve dominar bem seu idioma materno (falar e escrever) e conhecer o idioma que irá traduzir. Para Anacaona tudo é traduzível, mesmo a palavra “saudade”. Ela mencionou a obra Menino do Engenho, para qual foi necessária uma contextualização do ambiente natural e social. Foi preciso criar uma nova palavra para designar “senzala”, por exemplo. A palavra “Seu” que antecede nome próprio também foge à realidade linguística dos franceses. “Foi necessário explicar em nota de rodapé que se tratava de uma contração de Senhor”. Como há diferenças entre as língua, o que é natural, Paula não faz apenas uma tradução literal, mas ela tenta fornecer imagens visuais para o leitor (como explicar o que é um cajueiro, em uma nota de rodapé). É conhecendo a realidade da língua que se é possível traduzir com proximidade semântica. Os tradutores antigos mandavam cartas para sanar dúvidas. Hoje Paula encontra na internet uma boa ferramenta para auxiliá-la nas traduções. A tradução depende da época e até mesmo da subjetividade do tradutor (um tradutor parisiense tem uma visão diferente de um tradutor de Marseille). A editora Anacaona já elaborou três coleções: La collection Urbana, La collection Terra e La collection Epoca. A primeira representa a literatura das favelas brasileiras, representação da realidade. A segunda é inspirada na ruralidade e no nordeste brasileiro, bem como na estética da literatura de cordel. Por fim, a coleção Epoca retrata a diversidade da literatura contemporânea brasileira. Voilà! Algumas obras e autores publicados pela editora: • Collection Urbana: Troupe d’élite 2 – l’ennemiintérieur (Luiz Eduardo Soares, Claudio Ferraz, Andre Batista e Rodrigo Pimental), Manuel pratique de la haine (Férrez), Kéro, unreportagemaudit (Plinio Marcos), Je suis toujours favela (Rodrigo Ciriaco, Ferréz, Marcelino Freire, Ana Paula Maia, Claudia Tajes, Eliane Brum, Marcelo Moutinho, Toni Marques, Duda Tajes, Ana Paula Lisboa, Patricia Higino, Joana Ribeiro, Arlindo Gonçalves, JulioPecly, Mario Feijo, Marcelle Abreu, Bartolomeu Junior), Je suis favela (Ferréz R. Ciriaco Buzo JA. Carrascoza M. Freire M. Aquino Sacolinha R. Bressane) e Favela Chaos, l’innocence se perdtôt (Ferréz e De Maio); • Collection Terra: Ombresévère: le romandespassionsprimitivesau Nordeste e Bernarda Soledade, Tigressedu Sertão (Raimundo Carrero), Nos os (Marcelino Freire), La Terre de la grande soif e João Miguel (Rachel de Queiroz), L’histoire de Poncia (Conceição Evaristo) e L’enfant de la plantation. Roman Brésil (Jose Lins Rego); • Collection Epoca: A sept et à quarante ans (Jose Anzanello Carrascoza), Charbon Animal, roman brésilien e Du bétail et des hommes (Ana Paula Maia), L’Océan dans lequel j’ai plongé sans savoir nager – Roman Brésil (Marçal Aquino), Le football au Brésil – Onze histoires d’une passion e Le théâtre contemporain brésilien. Divulgando as obras brasileiras na França, Paula Anacaona ajuda a dispersar as sementinhas de curiosidade entre os franceses, que aos poucos já começam a se interessar pela língua portuguesa e a tornar reconhecidos os escritores que o próprio país desconhece. Ela mesma se considera uma ponte cultural entre Brasil e França.

Leticia Terazzin Marroffino
Vanessa Ferreira.