imagem: O Consoante

 

             As palavras têm poder! Em 1968, Caetano Veloso entoava o refrão “enérgico-contagiante” “É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido proibir.” onde, além da melodia e do contexto histórico, olhos atentos aos recursos da língua também perceberão o ponto final a cada chamado do refrão, subterfúgio que o cantor e compositor pode ter utilizado tanto para encerrar sua declaração, quanto para dar-lhe um certo sentido imperativo, ordem. Já no “futuro do presente, do ano de nosso senhor de 2022”, ouvimos ecoar o “brado retumbante” do cidadão de bem, que desde de maio de 2021 tem se exposto nas ruas, em ocasiões em que aglomerações não eram recomendadas, com pautas alienadas, com armas “endedilhadas”, com faixas não pontuadas do “Eu autorizo Presidente”. Viver em um país democrático é isso, ao contrário do que a cognição de boa parte dessa massa possa discernir, visto que, além de autorizar o presidente, reivindicavam por exemplo, o fechamento do STF, a volta do voto impresso, da ditadura militar. Enfim, pautas alienadas, como já foi mencionado.

         Talvez, o grande problema destas vozes, que pensam ser um coro nacional, além da manifestação escrita sem pontuação, sejam os ecos, sim, os ecos. Deliberadamente (que tem certeza daquilo que pretende fazer) fomentados em lives presidenciais acaloradas, “enfezadas”, constipadas e ou “soluçadas”, convocando esse mesmo cidadão de bem a defender seus ideais, incitados e “polvorizados” (no sentido de estarem munidos de pólvora), vêm-se no direito legítimo de sobrepor sua opinião, sua alienação, sua deturpação ideológica sobre aqueles, aquelas, a todos que não comunguem ou se contrapõem aos ecos. Exemplos, lastimavelmente, não faltam. Marcelo Arruda comemorava seu aniversário em uma associação, quando sua festa temático-partidária foi invadida, sua liberdade destituída e sua vida ceifada, um cidadão de bem, bem armado, bem incitado, bem aparado, viu-se no direito de tirar o direito de quem tem tanto direito quanto ele.  O juiz Renato Borelli, que declarou sofrer ameaças por sua atuação no caso do ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, braço forte do governo atual, investigado por tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos do FNDE, teve seu carro atacado por fragmentos de terra e detritos, ato de mais um cidadão de bem protegendo os seus. No último dia 15 de junho, um drone, cujo operador com certeza é outro cidadão de bem, pulverizou sobre militantes que aguardavam um evento político de oposição, uma mistura de urina e fezes E assim por diante, as atitudes que fazem frente à democracia, que desvirtuam a verdade, que desestabilizam instituições e desrespeitam os cidadãos, todos, todas e todes os cidadãos, os de bem, os de mal, os inteiros, os mais ou menos, os classificados, os desclassificados, são autorizadas quando seu representante mor, seu líder, dialoga intimamente com a intolerância.

                  O atual líder do país, eleito democraticamente, por meio de um processo eleitoral, que o próprio usufrui há mais de trinta anos e o qual com a mesma vicissitude vem atacando, não pode governar apenas para os seus e, ainda assim, como se fossem um rebanho a um estouro desenfreado. Da mesma forma, é moralmente condenável este mesmo líder manipular a máquina pública ao seu bel prazer, liberando benefícios com prazo de validade definido e de cunho claramente eleitoreiro em conluio com os partidos que difamava ardentemente em tempos não tão remotos.

               O papel de um líder vai muito além de interesses pessoais, muito além de se manter no poder, muito além de se tornar uma criatura mítica. O papel de um líder exige responsabilidade dos atos, não clama por autorização de uma camada da sociedade utilizada como massa de manobra. O papel de um líder chama para si a preocupação com o que aflige seus cidadãos. O papel de um líder pode se espelhar ao gesto do professor Godofredo da Silva Telles Júnior, aquele que sem fazer uso de armas, sem incitar a violência, sem profanar a verdade leu, em 1977, a “Cartinha”, como menosprezou o atual presidente, aos brasileiros e brasileiras denunciando a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que o Brasil se encontrava. Talvez por isso, 45 anos depois, a força da “cartinha” se mantém, se prolifera, não grita, não insulta, não inflama, autoriza a democracia a se manifestar ao seu modo: DEMOCRATICAMENTE.

 

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