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por Anna Julia Sbardelott, Gustavo Filipe Freitas e Laura Galuch

 

            Desde 12 de março de 2021, data em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a pandemia do novo coronavírus, os brasileiros sofreram alterações em sua vida. Com o passar dos meses e com o aumento de casos, foram diferentes decretos para estabelecer o isolamento social, e algumas atividades presenciais passaram a ser remotas e se estenderam por meses, como as aulas. Homens e mulheres viram sua jornada de trabalho aumentar, enquanto outros perderam sua posição no mercado de trabalho. Novas pesquisas surgiram e muitas outras precisaram ser replanejadas. Uma reviravolta total. 

            Aprovado na Universidade do Estado de Santa Catarina para o Mestrado em Pedagogia das Artes Cênicas, Vanderlei Antônio Bachega Junior viu sua vida e seu projeto mudarem completamente. “No ano de 2019, fui aprovado no mestrado, com um projeto totalmente prático e, em março de 2020, no ano em que comecei a pós-graduação, a pandemia chegou e afetou a minha pesquisa, já que eu precisei adaptar as minhas práticas que seriam presenciais para a modalidade online”, conta o estudante. Para ele, a adaptação ao remoto foi muito difícil, pela extensão da carga horária e pela pressão, já que toda a sua vida passou a girar ao redor de uma tela de computador. “Eu senti uma pressão psicológica muito maior, um desgaste mental muito maior. Às vezes, eu acabava tendo aversão a ficar em frente ao computador. Em certos momentos, eu acabei procrastinando mais, justamente por não aguentar estar no computador seja para assistir às aulas, seja para escrever o meu projeto. Foi um momento bem delicado, bem difícil”, lamenta Bachega Junior. Apesar das dificuldades, ele foi aprovado para o Doutorado. Contudo, a pandemia ainda causa certa instabilidade: não se sabe se precisará mudar de cidade, se as aulas continuarão remotamente, um cenário cheio de incertezas.

              O pós-graduando não foi o único a ter a pesquisa afetada. A estudante de Comunicação e Multimeios da Universidade Estadual de Maringá UEM e pesquisadora na área de Administração, Roberta Gritzenco Araújo, relata que, com a chegada da pandemia e, consequentemente, do isolamento, viu-se obrigada a mudar os rumos de sua pesquisa. Com a universidade fechada, ela ficou sem acesso ao material necessário para os estudos e precisou cumprir prazos menores. Já a Prof.ª Dr.ª Patrícia Bonfim, docente do Departamento de Análises Clínicas e Biomedicina e do Programa de Pós-Graduação em Biociências e Fisiopatologia, viu seus trabalhos serem extremamente prejudicados pelas circunstâncias de segurança. “Com certeza, o trabalho experimental, que é a minha linha de pesquisa, foi extremamente prejudicado em virtude das circunstâncias de segurança que a gente deve proporcionar aos nossos alunos. Não dá mais para colocarmos vários alunos dentro de um laboratório nesse momento para fazer experimentação em detrimento de uma possível contaminação”, relata a professora.

            Nesse cenário de pressões e de incertezas, Patrícia Bonfim discorre sobre a relação entre orientador e orientando e como ela também foi afetada pela pandemia. “Somos cobrados pelas agências de fomento a todo instante; justamente por isso, a relação entre orientador e orientando foi menos acolhedora.” Além disso, exprime que, neste espaço temporal, mesmo com a tentativa de acolher os alunos, enquanto uns tiravam ‘da cartola’ artifícios para que o desânimo e a desistência não tomassem conta, muitos outros precisaram parar a pesquisa, logo quando estavam começando.

            De modo geral, o cenário tornou-se ainda mais conturbado para todos os pesquisadores. Porém, outra circunstância entra em jogo: a realidade feminina, construída historicamente, para além das fronteiras da universidade. De acordo com a Hibou, empresa de monitoramento e de pesquisa, a jornada diária das mulheres aumentou 79% durante a pandemia, momento em que, além de incertezas, vivem incansáveis jornadas e sobrecarga de trabalho e se viram assumindo novas funções dentro de casa ou da estrutura familiar. 

            Quando questionada sobre as dificuldades geradas pelo simples fato de ser mulher, Patrícia Bonfim destaca a dupla (tripla, quádrupla…) jornada feminina. “Hoje, quando a gente entrevista uma mulher, a gente já entende que ela não tem somente aquela atividade que seria da pesquisa. Com certeza, está envolvida em outras atividades familiares, como o cuidado dos filhos ou até mesmo dos seus pais idosos. Isso faz com que, de alguma forma, ela tenha que dividir o seu tempo”, completa. Embora não seja mãe, a docente analisa que, pela vivência, sente como a rotina é mais exaustiva para aquelas colegas que, além da pesquisa, possuem a vivência da maternidade. Esse é o caso de Danielle Penha, professora e aluna de Doutorado em Literatura na UEM.

             Mãe de quatro filhos, um deles recém-nascido, ela está no fim de sua licença-maternidade e se prepara para voltar à sala de aula. “A pandemia amplificou as dificuldades de você ser mãe, pesquisadora, de trabalhar, de ser dona de casa e de equilibrar tudo isso. Ela aumentou todas as dificuldades, porque as crianças não podem ir à escola, então, agora, preciso estar perto durante as aulas remotas. Eu também gostava muito de tirar cópias dos livros, comprar alguns livros e ir à biblioteca para escrever, o que não é possível no momento”, afirma a professora. 

             Danielle está no terceiro ano do doutorado e desabafa como tem sido os seus últimos meses e o andamento de seus estudos. “A pandemia prejudicou a minha pesquisa, porque o envio de alguns livros atrasou, as reuniões com a orientadora se tornaram mais espaçadas e os encontros presenciais precisaram ser suspensos. No momento, estou no capítulo mais difícil, o de análise, de aliar a teoria às poesias. Além disso, ganhei meu quarto filho. As madrugadas que eu tinha para estudar praticamente não existem mais. Eu consegui produzir até a última semana antes do parto, mas, nos últimos três meses, minha pesquisa deu uma parada”, detalha.

             Sobre a situação da mulher na sociedade, como um todo, Penha faz um desabafo: “É uma coisa que me chateia, uma coisa que a gente precisa fazer e o homem, não: escolher. Você fica em casa, não trabalha e corre o risco de perder, infelizmente, o seu valor social ao virar dona de casa, um trabalho árduo, que não é valorizado como deveria, ou você vai trabalhar, corre o risco de, de repente, trazer um vírus desse para casa e de ainda ser acusada, porque, como mãe, você deveria ter pensado nos seus filhos”. Essa situação aparece, de modo muito semelhante, na fala de Aline Santos, mãe, professora e aluna de Mestrado em Literatura na UEM. “Como mãe, eu me sinto aliviada em ver que minha filha está crescendo bem, apesar desse caos, mas todos os dias preciso sair para trabalhar, com medo de trazer o vírus para casa, e sem possibilidade de escolha”, confidencia. Patrícia Bonfim faz uma reflexão sobre essa situação. “Com certeza, eu posso dizer que o impacto foi muito maior nas mulheres do que nos homens, afinal a cultura do cuidado está ligada à mulher e não ao homem. Claro que há exceções, há diferenças, mas falo de maneira geral”, explica a professora.

            Apesar desses percalços, a presença feminina no ambiente acadêmico é muito significativa, seja pelas pesquisas desenvolvidas, seja pelo significado social dessa participação. De modo geral, no ramo da pesquisa, atualmente, no Brasil, em torno de 40% dos pesquisadores são mulheres. Embora pareça um número relativamente baixo, Patrícia Bonfim ressalta que, “a duras penas, as mulheres têm conseguido atravessar as barreiras e conquistar o seu lugar”. Ainda, a estudante Roberta Araújo avalia a importância da representatividade da mulher no campo científico, mesmo em tempos pandêmicos. “Ser mulher no campo da pesquisa foi muito significativo para mim, me deu força durante todo o tempo, principalmente quando a minha família ficou sabendo. Poder mostrar para as minhas primas pequenas a importância de estudar e que elas podem ser quem e o que quiserem ser quando crescer”, destaca.

            Ser pesquisador no Brasil é um desafio. Ser mulher no país é desafiador. Em tempos pandêmicos, Aline Santos, Danielle Penha, Patrícia Bonfim, Roberta Araújo e Vanderlei Bachega Júnior encontraram diferentes alternativas para que seus trabalhos não fossem completamente afetados. Adaptar-se fez parte do vocabulário desses pesquisadores e de milhões deles mundo afora. “Felizmente temos a ciência e a possibilidade de voltar a sorrir (sem máscaras) garantida em doses de vacina. Espero que a gente não perca a esperança. Ainda bem que somos feitos de luta e de resistência. Resistiremos”, enfatiza Santos. Certamente, essa força e essa esperança vêm fazendo a diferença nessa pandemia, em que todos procuram um meio de ser resistência e de ser representatividade em meio ao caos.

 

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