Foto: Helena Nascimento Menegassi
“Se o professor consegue entender que se ele faz uma determinada pergunta de leitura, essa pergunta de leitura corresponde a determinada teoria, ele entenderá que os exercícios que virão, as atividades que virão serão também dessa teoria por uma questão de coerência e isso resultará em um produto “xis” ao final.”
Renilson José Menegassi é Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina. Realizou seu curso de Doutorado em Letras na Universidade Estadual Júlio de Mesquisa Filho (Unesp-Assis). Concluiu, em 2012, seu Pós-Doutorado em Linguística Aplicada, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, está vinculado ao curso de Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e ao Programa de Pós-Graduação em Letras da mesma instituição, nos cursos de Mestrado e de Doutorado. Atua nas linhas de pesquisa “Ensino e Aprendizagem de Línguas”, a enfatizar a leitura e a escrita em situação de ensino, e “Formação do Professor de Línguas”, a investigar a constituição da escrita na formação inicial e na continuada. É líder do Grupo de Pesquisa “Interação e Escrita” (UEM/CNPq). Em 1º de agosto de 2022, em entrevista-aula concedida a O Consoante, intitulada “Leitura e escrita doem”, o Prof. Dr. Renilson José Menegassi promoveu reflexões sobre leitura e escrita, a destacar o processo de elaboração do livro “Leitura e Ensino de Língua” (2022), organizado por ele e pelas professoras Ângela Francine Fuza (UFT) e Cristiane Malinoski Pianaro Angelo (Unicentro).
por Eduarda Natali, Karine Girotto, Laura Galuch, Mirian Machado, Neil Franco, Terezinha Costa-Hübes (part. especial) e Tiago Guimarães
O Consoante: Sabemos que desde o seu mestrado em Linguística até o seu Pós-doutorado em Linguística Aplicada, você teve como principal interesse a investigação dos processos de leitura e produção textual escrita em sala de aula, se voltando primordialmente para o ensino e aprendizagem de línguas na leitura e escrita. Isso pode ser visto até os dias atuais na sua vivência acadêmica com a publicação de artigos, capítulos de livros com os resultados de suas pesquisas no tema e coordenando o grupo de pesquisa “Interação e Escrita” na UEM. Com isso, gostaríamos de saber, o que te motivou a seguir essa linha de pesquisa e de que forma, desde o momento em que você ingressou na área até os dias de hoje, houve um avanço no desenvolvimento do assunto e no objetivo desse estudo?
Renilson Menegassi: O meu ingresso na UEM foi em 1983. Já se vão trinta e oito ou trinta e nove anos de um processo. Eu sempre gostei muito da linguística e da literatura. Por isso, eu tive um grande problema para decidir para qual ramo eu iria no final do meu curso de graduação. Durante o processo da graduação, eu estudava a literatura e nós tínhamos muitos trabalhos em forma de monografias. Eram praticamente artigos que nós temos hoje. Me lembro, inclusive, quando eu fiz a disciplina de literatura infantil com a professora Odete Moro. Na época eu analisei “Bisa Bia, Bisa Bel”, de Ana Maria Machado e foi o único dez da turma. Quando ela foi entregar ainda me disse assim “tem certeza que você quem fez esse trabalho?”. Eu fiquei muito irritado com aquela pergunta. Esses dias até conversei com ela pelo facebook, e ela se lembrou dessa situação. Então, a literatura sempre me chamou atenção, tanto é que é o objeto que eu utilizo muito nas minhas investigações. E, naquela época, nós fazíamos uma disciplina chamada “Monografia” que equivale hoje ao PIC, ao PIBIC, à iniciação científica. Eu investiguei justamente os processos de leitura. Eu acho que eu nasci no ensino. Eu não tive escolha! Nasci dentro do ensino. Isso sempre esteve comigo. Nesse processo, fui fazer mestrado em Florianópolis, que na época era em linguística, mas eu optei por trabalhar com as questões de ensino. Eu pus o pé na pós-graduação de linguística e um pé na pós-graduação de língua inglesa. Isso me deu um grande conhecimento, inclusive não só de teorias, mas também de pessoas com as quais eu lidei durante esse tempo. Participei na época, sob a orientação da professora Leonor Scliar Cabral, a primeira psicolinguista do Brasil, (que inclusive foi orientanda do Mattoso Câmara, só para termos uma noção) e com a professora Loni Grimm Cabral, do laboratório de leitura. Eu fiz os meus experimentos na época em cima da teoria da psicolinguística, mais especificamente da cognição, da teoria cognitiva, onde nós analisamos os processos de leitura. Trabalhei três anos praticamente no laboratório de leitura sobre isso. Quando vim para Maringá, eu me ‘enfronhei, também, em todas as questões. Eu me lembro que na época perguntei para a Leonor “o que faço agora?”. E ela me disse “vá para uma universidade, passa num concurso, trabalha por cinco anos, passe por todas as instâncias de uma universidade e depois você vai para o doutorado”.
Eu fiz exatamente isso! Fui chefe de departamento, fui coordenador de colegiado, fiz extensão, fiz pesquisa, trabalhei em pós-graduação em nível de especialização. Fiz de tudo que aparecia. Dei até cursos de extensão. Fiz de tudo para poder ter uma noção do que realmente eu queria. Daí quando fui para o doutorado, eu fiquei pensando na escrita. Como eu tinha trabalhado na leitura, fui para produção de texto sob a orientação do professor Rony Farto Pereira. Inclusive, sou o primeiro orientando de doutorado dele na Unesp. Naquela época, fui pensando em começar a trabalhar com a linguística textual que era o “boom”. Saí daquela base cognitiva, peguei a linguística textual, e nos estudos eu descobri que a linguística aplicada americana com cognitivismo tinha avançado muito a partir dos processos de escrita propostos por Hayes e Flower. A partir daí comecei a investigar todo esse material. Eu fiz a minha tese inteira toda pronta para poder analisar os processos de revisão e reescrita porque quem domina a revisão e reescrita obrigatoriamente domina também produção de texto. Não dá para fazer reescrita sem conseguir entender os processos de produção de texto. E aí eu fiz todo este processo. Fiz uma visita à professora Raquel Fiad na UNICAMP uma vez, e ela me apresentou A Crítica Genética de Claudine Fabre. O meu orientador queria me matar porque joguei a tese do doutorado inteira no lixo. Ela estava pronta! Mas eu joguei ela inteira fora e fiz uma nova tese para juntar o cognitivismo americano com a crítica genética e poder mostrar como isso poderia ser utilizado.
Na sequência, começando a trabalhar, entrei em contato com o Interacionismo, que na época começava com Geraldi. Começava a se fazer uma discussão muito grande e descobri que essa teoria me dava mais sustentação de aporte prático. Com essas estratégias desenvolvidas eu conseguia aplicar nas minhas pesquisas e elas me davam resultados. Então, eu conseguia vislumbrar outras teorias, porque, inclusive, eu sou da fase da linguística aplicada na qual nós agregamos teorias para que se possa dar resultados a um problema de linguagem e interação social, que é o nosso principal foco. E aí nesse processo eu fui desenvolvendo muitos estudos no Interacionismo. Eu estudei o Interacionismo sociodiscursivo (ISD), estudei as análises do discurso, estudei Sociolinguística, estudei Semiótica. Para se ter uma ideia, passei por todas as teorias linguísticas que havia para eu poder compreender, para saber como poderiam me ajudar em alguns processos na sala de aula. Atualmente, junto com a Terezinha [Costa Hübes], com o Neil [Franco] e com muitos outros colegas, estamos estudando também as questões do dialogismo. Então, efetivamente, a minha carreira teve um processo de trabalho com todas as teorias linguísticas, que, inclusive, é muito mostrado no primeiro capítulo do livro Leitura e Ensino de Línguas.
Nesses processos todos, eu fui percebendo que as pesquisas começavam a ter muito desenvolvimento e o meu objeto de estudo, que era o ensino da língua materna, teve mais desenvolvimento a partir do interacionismo, a partir de Geraldi, de quando ele lançou aquelas noções todas das condições de produção e nós começamos a discutir a diferença de redação e produção de texto e de como é que isso poderia ir para os gêneros. Portanto, acabei enveredando por todas as teorias, eu fiz aquilo que a minha orientadora de mestrado me orientou a fazer: “Conheça tudo, para depois abrir a boca”. Sou da geração do “Vamos observar que as teorias linguísticas não são separadas quando vão para situação da sala de aula”. É claro que agora eu faço também análises distintas com o dialogismo em prospecções, que são recortes específicos dessa teoria. As pesquisas avançaram muito. Eu consigo ver nos livros didáticos, no material didático, nas apostilas, nos vestibulares e na própria sala de aula muitos desses avanços teóricos da linguística. Nós fizemos bem para o ensino da língua portuguesa no Brasil!
OC: Uma parte significativa de sua trajetória acadêmica (de pesquisa, de orientações e de formação de professores, inicial e contínua) é de dedicação aos estudos de leitura e produção textual escrita nos diferentes níveis de ensino. No livro “Leitura e ensino de língua”, recentemente lançado, organizado por você e duas colegas, a Ângela Fuza (UFT) e a Cristiane Malinoski Pianaro Angelo (Unicentro), o primeiro capítulo, de sua autoria com a Cristiane, nos traz um panorama das teorias linguísticas e os conceitos de leitura. Como nasce a ideia para a elaboração de tal capítulo? Na formação dos professores, você considera importante que tenham conhecimentos sobre as implicações das teorias linguísticas nos procedimentos de ensino da leitura na sala de aula? Por quê?
RM: Eu dividirei essa resposta em duas partes. Na primeira, falarei sobre como nasceu a elaboração desse capítulo e, na segunda, sobre a importância de se conhecerem essas questões da Linguística. Em 2009, a Universidade preparou um conjunto de livros para poder auxiliar a educação a distância da Pedagogia e, em um desses livros, intitulado “Leitura e ensino”, tinha um capítulo inicial, “Conceitos de leitura”, em que eu propus para a Cristiane Malinoski Pianaro Angelo que nós pudéssemos fazer esse trabalho para mostrar para o professor de Pedagogia e fazê-lo entender que os conceitos de leitura na sala de aula em atividades precisam ser conhecidos. Esse capítulo tomou forma muito grande, ele ficou conhecido no país inteiro e nós precisávamos atualizar esse capítulo com as novas teorias linguísticas, principalmente o funcionalismo, principalmente a questão das análises do discurso e do dialogismo. Então, nessa proposta do livro, nós fizemos essa atualização. O capítulo está, assim, descomunal com a quantidade de páginas que ele tem, mas ele por si só é uma disciplina. Esse livro é praticamente uma produção com minha organização, mas elas que fizeram essa produção, até porque nós temos que deixar os nossos legados, para essas meninas irem para frente para poder cuidar e fazer melhor do que nós fizemos. Isso é uma questão essencial. A elaboração do capítulo nasceu justamente dessa necessidade.
Aí eu vou para a segunda parte da pergunta, de fazer com que o professor na formação inicial e continuada entendesse que as atividades que ele aplica na sala de aula não são simplesmente uma atividade que nasce do nada. Elas têm um respaldo em uma teoria ou aquilo que Geraldi já falava no início da década de noventa, que a escolha da concepção de linguagem implica uma escolha política. Nós pegamos um exemplar de uma crônica, uma pequena crônica, para poder, justamente, fazer todo esse trabalho de ensinar como é que se dá. Isso serve para qualquer professor que esteja na formação inicial. O que eu considero aqui como formação inicial? Não só a graduação, mas também a especialização, o próprio mestrado e o doutorado. Nós temos uma grande quantidade de alunos que ainda não foram para a sala de aula e, mesmo que eles estejam fazendo mestrado e doutorado, eles estão na base da formação inicial, isso ainda é considerado, pelo menos para mim, nessa noção. Se o professor consegue entender que se ele faz uma determinada pergunta de leitura, essa pergunta de leitura corresponde a determinada teoria, ele entenderá que os exercícios que virão, as atividades que virão serão também dessa teoria por uma questão de coerência e isso resultará em um produto “xis” ao final. O docente tendo essa noção, dando esse conhecimento, fica mais fácil para ele entender o processo de evolução da leitura, porque, como nós trabalhamos atualmente com as questões do dialogismo, não dá para descaracterizar os aspectos sócio-históricos de uma situação, o cronotopo já passado, o cronotopo atual tem que ser considerado para que possamos compreender o como trabalhar. O professor de linguagem precisa entender se as atividades são estruturalistas, se as atividades são voltadas para o gerativismo, se as atividades são voltadas para a linguística textual. Tem-se que tomar cuidado, porque talvez o resultado em uma produção de texto ou em um trabalho de gramática pode ser díspar daquele que foi apresentado na leitura. Isso tem uma formação, tem um fundo exatamente dos processos de teoria nos procedimentos de leitura em sala de aula. Se nós formos buscar, por exemplo, em documentos oficiais de outros países, e o mais próximo que nós temos é Portugal, é muito comum ter isso para que o professor possa identificar a teoria linguística ou a que teoria literária pertence a atividade que está sendo feita. No Brasil, nós precisamos começar a pensar também essas situações. Eu diria que, de todos os capítulos do livro, este é aquele que me dá mais orgulho. Foi mais trabalhoso, mas eu posso dizer para se eu tivesse que fazer uma escolha de todos os textos que eu produzi na vida, aquele que teria a estrelinha do Lattes seria esse.
OC: No capítulo “A compreensão leitora nos anos iniciais do Ensino Fundamental”, de sua autoria, a partir de propostas de atividades, reflete-se sobre a compreensão leitora, considerando-a como etapa essencial do processo de leitura, que acontece em quatro fases, muitas vezes concomitantes e recursivas: decodificação, compreensão, interpretação e retenção. Você poderia falar dessas quatro fases e de como poderia ser encaminhado o trabalho com a leitura de modo que todas essas fases fossem contempladas na formação do aluno leitor?
RM: Quando eu fiz parte do projeto do laboratório de leitura, na UFSC, a professora Leonor Sciliar Cabral estava lançando um texto inicial a partir de alguns pressupostos da professora Tatiana Slama-Cazacu uma romena, coordenadora e líder da Associação Internacional de Psicolinguística durante muitos anos. Nesse texto, de 1987, se eu não estiver enganado, a Leonor trata exatamente das fases da leitura: decodificação, compreensão, interpretação e retenção. E na época, quando fui ser orientando, eu falei para ela que era muito pouco e que eu achava que aquilo poderia ser ampliado. Ela virou para mim e disse assim “É a sua vez. Então faça isso ir para frente. Eu já soltei a base inicial”.
Essas quatro fases pertencem justamente ao cognitivismo, a parte da psicolinguística que discute essa noção. Na mesma época, a Eni Orlandi lançava alguns textos em que ela invertia e que propunha que a interpretação vinha antes da compreensão dentro da análise do discurso. Isso não ficou muito compreendido pela academia. Nesse tempo todo eu percebi que, no Brasil, os estudos de compreensão deixaram de existir. É como se nós déssemos para o aluno um texto e, do processo da decodificação, ele já tivesse que ir para interpretação, sem entender os processos de compreensão, que são imensos. São muitas as abordagens de compreensão. E isso começou a ficar bem exarado quando 2005 a primeira Prova Brasil foi aplicada e o descritor número 1 participou muito disso. Ele falava sobre a identificação de ideias explícitas que não batia com o que a escola fazia, que era a cópia de ideias explícitas. Cópia é uma coisa e identificação é outra. E aí nascia justamente a lacuna. Para ilustrar, os nossos alunos foram produzidos, esta é a palavra, entre as décadas de noventa (1990) e de dois mil (2000) a não trabalharem com a compreensão. Se você dava para ele, por exemplo, uma pergunta “do que trata o texto?” a resposta vinha em forma do nome das personagens, nunca do tema que era discutido. Não se ensina a compreensão de que existe ali o tema a ser discutido. Esse capítulo tem um fundo de retomada. Eu faço um levantamento teórico nele de toda a literatura atual a respeito de compreensão, mostrando inclusive o que foi feito no Brasil, o que foi feito fora do Brasil: trazendo de Portugal, trazendo da França, trazendo dos Estados Unidos para mostrar como a compreensão está sendo efetivada. E a compreensão é uma é uma das fases, uma das etapas, muito estudadas, por exemplo, pelos americanos. Os americanos não estudam muito a interpretação, mas estudam muito a compreensão que é o que precisa, na verdade, para que a interpretação possa ocorrer. Quando um aluno entende o texto, compreende, mergulha no texto, sabe trabalhar com a materialidade linguística desse texto, ele consegue dar conta de muitos outros elementos da inferência e até mesmo chegar aos processos de interpretação textual com mais possibilidade. Depois, isso vai lhe dar condições para que ele possa ampliar sócio-ideologicamente os seus conhecimentos para que possa fazer a interpretação. Me incomoda muito quando eu vejo um professor levar, por exemplo, uma charge numa sala de aula para um grupo de alunos no qual o aluno não consegue ler os elementos notacionais, não consegue ler a expressão dos olhos da personagem, não consegue ler o fundo que está com determinada cor, não consegue ler determinado movimento que se faz com o dedo, que são na verdade recursos para dar um humor crítico marcado naquela charge. Por que ele não consegue ver isso? Porque o nosso professor não é ensinado a trabalhar com a compreensão. O nosso professor é ensinado a chegar, pegar o texto, olhar para o aluno e falar assim “O que você está vendo nesse texto?”.
A minha prática nesses anos me mostrou que quando o aluno compreende o texto, ele consegue fazer muito mais diferença no tratamento posterior, quando ele tem que analisar e refletir sobre o texto. Isso é muito comum quando eu vejo, por exemplo, na educação a distância, eu dou para os alunos perguntas pontuais para buscar as respostas no texto. Não são perguntas de cópia. Eles têm que pensar para buscar a resposta, mas ele não sai do texto. Depois que eles aprenderam a fazer isso, eu dou um texto, um gênero da literatura, por exemplo, para poder fazer a discussão de compreensão e como aquela interpretação pode ser realizada. Então, é uma tentativa de buscar isso e isso é um campo aberto de pesquisa no Brasil, ainda está muito falho.
OC: No capítulo “Perguntas de leitura em ordenação e sequenciação no Ensino Fundamental”, escrito por você e Ângela Fuza, é apresentada uma proposta teórico-metodológica de leitura de um poema narrativo. A proposta didática passa por perguntas textuais, de inferência e de interpretação, visando a auxiliar o aluno no processo de leitura e compreensão do tema abordado no texto em análise. Pode-se dizer, portanto, que o reconhecimento do tema é direcionado pelo professor através das perguntas, as quais foram sequenciadas para que o aluno o identifique no texto, faça inferências e o interprete, de maneira a não fugir da interpretação proposta pelo docente. Em algum momento do processo de formação leitora dos alunos, considerando que o sujeito-leitor é também coprodutor dos sentidos de um texto, há o risco de que esse trabalho de leitura compartilhada cerceie os discentes de expressarem outras interpretações possíveis e que não foram exploradas ou percebidas pelo professor? Qual é o limite para que essas perguntas de leitura não façam com que o aluno apenas reproduza a interpretação desejada pelo docente?
RM: Se você pegar a leitura desse capítulo no recorte temporal, essas suas perguntas são extremamente coerentes, mas esse capítulo é parte de um conjunto de uma obra que está sendo desenvolvida há mais de doze anos por mim e pela professora Ângela Fuza, que pegou esse tema para si. Essa proposta de ordenação e sequenciação de perguntas de leitura é uma forma de se trabalhar com o aluno, principalmente aquele que tem dificuldade nessa fase de sair da cópia para tentar fazer interpretação própria e entender que existe um processo no texto, existe uma sequência de raciocínio no texto e que ele vai ter que fazer essas respostas à luz do que o texto propõe. Ele (o aluno) vai ter que parar para pensar sobre as respostas e que uma resposta obrigatoriamente está relacionada a outra, porque é assim que o raciocínio desse menino entende, ele tem que fazer um raciocínio lógico. Isso significa que uma questão não pode ser independente da outra, que uma questão tem que dar sequência à outra e assim sucessivamente, o que a gente não encontra por exemplo em vários lugares. Na maioria das avaliações uma coisa não tem nada a ver com outra. E aí quando ele (aluno) entender isso, no momento que ele começa a fazer esse processo de raciocínio, as respostas dele por si só evoluem. Esse resultado todo é um trabalho longitudinal que tenta justamente ensinar o aluno a lidar com a compreensão do texto sem o processo de cópia, é uma outra forma de se fazer processos compreensivos a respeito de um texto. Quando me perguntam “Qual é o limite para que essas perguntas de leitura não façam com que o aluno apenas reproduza a interpretação desejada pelo docente?”, respondo que no momento em que ele consegue nas suas respostas, ir além do texto, eu já não posso mais trabalhar com essa sequência. Ficar somente com elas realmente é um grande risco e eu diria inclusive mais, eu acho que vocês foram muito perspicazes em usar a palavra “cercear”. Digo que ela não cerceia não, ela castra mesmo, se ficar apenas com essas propostas. Nós temos plena noção, Ângela e eu, do limite que esse trabalho de sequenciação tem.
OC: No texto “Entonação valorativa em atividades de leitura”, de sua autoria com Jane Bezerra, da UNEAL, apresenta-se uma abordagem de ensino de leitura a partir de atividades que exploram a entonação valorativa em um enunciado balizado pelo gênero discursivo História em Quadrinhos (HQ). Por se tratar de um texto verbo-visual, a abordagem da entonação valorativa, tomada enquanto elemento de produção axiológica de sentidos e enquanto elo que liga o verbal ao não-verbal, foi feita pela análise dos discursos das personagens, de suas expressões gestuais, corporais e faciais, e da temática em tela na HQ. Sabe-se que, conforme abordado na proposta em tela, o conceito de entonação valorativa não se reduz ao aspecto oral/fônico dos enunciados ou aos gestos corporais do personagem, mas amplia-se ao posicionamento axiológico daquele que enuncia sobre aquilo que enuncia, ligando efetivamente a palavra à vida. Nesse sentido, sabemos que o trabalho com a entonação em textos verbais, sem a multimodalidade visual, é possível, mas ele é igualmente produtivo? Se sim, quais aspectos do enunciado devem ser privilegiados na leitura para que os alunos possam chegar ao acento valorativo dos textos verbais trabalhados em sala? O trabalho com a expressividade fônica na leitura em voz alta, em textos narrativos, por exemplo, seria uma possibilidade?
RM: Eu não considero a entonação como um conceito. Para mim, ela é um elemento, porque justamente eu não consigo encontrá-la num lugar só. Ela está distribuída no discurso. É diferente, por exemplo, quando eu pego o interlocutor. Ele é um conceito, eu tenho comprovações do interlocutor em qualquer discurso, mas a entonação não, porque a entonação é algo que mistura o aspecto linguístico ou visual com aquilo que eu tenho guardado na minha cabeça como uma modulação de determinado discurso e que eclode naquele momento. Nesse capítulo, no momento em que eu tenho as personagens e uma dessas personagens tem um determinado movimento do corpo, esse movimento do corpo representa um susto, ele representa uma indignação, ele representa uma afirmação e que, ao ler esse texto, eclode na sua cabeça essa relação. Essa relação fônica acaba acontecendo, é como se ouvisse a voz daquela personagem ou aquele momento do susto ou do nervosismo que a personagem teve, porque já houve essas vivências sociais. Justamente a interação social, a interação discursiva é que permite a construção das vivências sociais e que permite justamente que a entonação possa aparecer.
Nos textos que são marcados pelo processo não verbal, elas são fáceis realmente de serem trabalhadas, tanto é que a Jane Bezerra já desenvolve justamente esse trabalho comigo há algum tempo, porque nós conseguimos mostrar isso com mais facilidade. Agora, nos textos verbais, eu quero justamente entender como é que na produção de texto essa expressividade pode acontecer. Essa memória acústica, essa semântica, essa memória semântico-fonética que nós temos guardada, como é que isso pode se manifestar.
Eu vejo, por exemplo, algumas coisas bem definidas. A pontuação apresentada em função do discurso que foi definido, as posições dos elementos acessórios, por exemplo, de tempo, de espaço, de modalização. A gente, de repente, fica muito preocupado nas escolhas lexicais, de adjetivos e de verbos, e acaba se esquecendo que a grande maioria do trabalho não está apenas nos substantivos, nos adjetivos e nos verbos, mas nas dez classes gramaticais e na estrutura sintática ali apresentada. Eu consigo observar essas diferenças, e isso é uma coisa que eu estou estudando. E, nesse processo, eu começo a ver que a entonação não dá para se caracterizar apenas como um conceito. Eu acho que ela está mais para um elemento que se se constitui em todo o processo de discurso para poder permitir essa compreensão. Por isso que esse elemento na modalidade escrita precisa ser entendido. Isso é uma coisa que, por exemplo, o dialogismo nos trouxe como novidade para a gente poder entender.
Aí você me pergunta: “As questões do trabalho fônico, na leitura em voz alta, elas vão me ajudar?”. Se for com leitura em voz alta, não. Porque aí a leitura em voz alta que nós temos hoje é como se fosse uma higienização do texto. Se pensarmos em leitura oral, não; mas se pensarmos em leitura entonacional, valorativa, aí sim. E isso é uma coisa aberta que nós temos que investigar. Nós não temos muitas investigações a respeito de como a leitura entonacional valorativa de modo fônico oral pode manifestar esse desenvolvimento.
Um dos textos que mais nós temos de desenvolvimento, para mim, um dos principais que faz essa discussão, é justamente o texto Questões de estilísticas no ensino de língua, de Bakhtin. Ele é um texto pequeno, mas ele é recheado de informações. Parece que Bakhtin deixou tudo que ele podia pensar sobre ensino de língua num texto. Eu me debruço muito sobre ele, sobre o que outros já falaram para poder entender como essa questão da leitura oral pode contribuir. Eu tenho um grande defeito que, ao mesmo tempo eu vejo uma virtude, e aí eu comungo com que o círculo sempre ensinou, até pelo cronotopo do círculo: eu não sei desenvolver leitura no aluno se não for pelo texto narrativo. Por mais que nós tenhamos uma série de textos midiáticos, eu acho que os valores humanos são muito mais visíveis nos textos narrativos, e a forma de sequência do raciocínio lógico no texto narrativo ensina mais do que os textos midiáticos. Posteriormente a isso, isso pode acontecer.
Por exemplo, não estou fazendo propaganda, mas eu sou um leitor corrente. Fui na livraria e encontrei Crônicas de pai. Ah, já estou me vendo aqui. Já peguei A lua na caixa d’água. Adoro as crônicas do Mário Prado. Comprei as Cem crônicas melhores do Luiz Fernando Veríssimo. Quer dizer, então, eu fico lendo, porque eu sou professor de linguagem. Professor de linguagem não lê apenas jornais e revistas, ele lê de tudo. E é a partir da literatura que eu consigo construir isso. Um dia, nós estávamos numa reunião do grupo de pesquisa, e eu encontrei uma citação do Bakhtin na Estética da Criação Verbal, depois uma de Medvedev, onde ele diz que o trabalho de compreensão discursiva é feito pelo texto literário. Eu fiquei muito feliz naquele dia quando eu li isso. Eu sempre trabalhei muito com isso. Tanto é que no próprio curso de especialização em literatura da UEM eu era o único peixinho fora d’água. Quando se tinha, por exemplo, as especializações de literatura, tinha uma disciplina de Linguística e o texto literário em que o Renilson ia lá perturbar justamente para mostrar como que nós podemos fazer o trabalho linguístico no texto literário. O privilégio dos textos narrativos para o desenvolvimento da leitura entonacional valorativa de modo fônico ainda, para mim, é uma primazia.
OC: Renilson, em seu texto intitulado “A escrita como trabalho na sala de aula”, você discorre sobre o conceito de escrita como trabalho, suas bases teóricas e possibilidades metodológicas de aplicação dessa concepção de escrita em sala de aula. Como você compreende esse processo na vida escolar para professor e aluno? Existem gêneros discursivos específicos para cada série?
Eu vou começar pela parte final da pergunta. Eu não diria que existem gêneros específicos para cada sala de aula, cada série, cada ano escolar. Eu diria que existem gêneros que precisam ser desenvolvidos num conjunto de qualquer ano escolar para que depois se possa fazer o desenvolvimento de outros. Por exemplo, isso ficou muito marcado no texto que eu e a Ângela Fuza fizemos agora para um livro que vai ser em homenagem a Raquel Fiad (Unicamp), dos seus 70 anos. No momento em que o aluno consegue pegar um texto e consegue fazer a marca exata do que é uma informação principal, uma informação secundária, qual é a primeira, qual é a segunda ideia, fazer enumerações, ele consegue fazer uma lista de informações, ele consegue fazer uma frase simples, ele consegue sintetizar aquele parágrafo ou aqueles parágrafos em uma forma mais específica e objetiva e depois ele sintetiza aquilo em forma de um resumo, é como se fosse um básico. Esse básico permite com que outros gêneros textuais possam ser desenvolvidos. Dessa forma, a partir daquela compreensão, eu posso dar uma resenha, eu posso dar o resumo expansivo, eu posso dar uma sinopse, eu posso dar uma questão interpretativa, eu posso dar um paper, eu posso dar outras possibilidades. Esses gêneros, chamados gêneros escolares, são esses que considero que deveriam ser propícios a todos os anos escolares. Especificar, por exemplo, um gênero determinado para anos escolares, nós sabemos que muitas partes da ciência já mostraram que alguns gêneros são mais propícios, por exemplo, aos anos iniciais, outros aos anos do ensino médio e assim por diante. Eu não vou trabalhar uma cantiga de rodas com o menino do ensino médio, mas eu preciso trabalhar justamente o valor fônico lá com o menino dos primeiros anos escolares. Esses já estão meio que categorizados, isso já começou num processo de desenvolvimento em muitos países. Então isso eu não vejo o problema, mas eu vejo o problema de atacar exatamente com o básico, eu ainda insisto nos processos de compreensão.
Com isso eu vou para segunda parte da pergunta. Como é que eu compreendo esse processo da vida escolar com professor e aluno? É muito difícil ver professor fazendo a escrita como trabalho na sala de aula. Muito difícil. Por que é muito difícil? Porque ele tem que saber trabalhar com planejamento, que implica em trabalhos anteriores de leitura, implica que ele saiba ensinar a proposta do gênero que ele vai trabalhar, implica discutir com o aluno quais são as ideias que ele vai apresentar, implica produzir, implica revisar, implica reescrever. Quando o Brasil começar a entender que é pela leitura e produção escrita que nascem todas as outras habilidades de ensino talvez a gente consiga mudar. Muitas vezes quando eu faço esses trabalhos em determinados cursos, eu me sinto como se eu tivesse enganando o professor, porque eu sei que ele muito dificilmente vai conseguir colocar isso na sala de aula. Mas por outro lado eu acredito muito que alguns deles consigam colocar isso porque tem essa necessidade em si de fazer essa transformação. Acredito muito naquela história do beija-flor que quando está pegando fogo a mata ele vai lá e busca uma gotinha d’água e joga porque ele está fazendo a parte dele. Os meus alunos, que passaram pelas minhas mãos e que estão nas minhas mãos, sabem o quanto a leitura e escrita doem, exatamente pelas exigências que são feitas para eles, para que possam tornar profissionais de primeira qualidade. Isso implica que eles tenham realmente a noção do que é a leitura como trabalho. E essa história toda começou com o Geraldi, lá na década de oitenta. Isso ficou muito marcado na tese de doutorado dele que virou livro, Portos de Passagem, depois em um outro texto que da Raquel [Fiad). Dessa forma, eu fui buscando essa parte histórica para depois comprovar como isso se dá efetivamente na sala de aula. São propostas muito boas, mas elas demandam muito tempo, muito tempo mesmo. Fazer o desenvolvimento daqueles textos iniciais para que o aluno possa compreender o posterior auxilia bastante. Porém, para ser muito sincero assim, eu estou terminando minha carreira e eu saio com o peso de ainda não ter conseguido fazer a as propostas de mudanças necessárias para essas questões de produção de texto. Por isso que ela ainda é meu objeto de investigação.
OC: Sabemos que uns dos conceitos chave do dialogismo bakhtiniano é o papel do interlocutor na constituição da interação verbal. Como o professor em sala de aula pode se constituir como o outro, o interlocutor do aluno no processo de escrita, revisão e reescrita?
RM: Eu vou fazer outra correção, eu acho que essa noção de interlocutor não é do dialogismo, ela é muito anterior a isso. Temos Percival Brito na década de 1980, no texto na sala de aula, já escrevendo a respeito disso, inclusive quando ele coloca que o problema não é a presença do professor na sala de aula, mas, sim, a forte presença do professor em sala de aula justamente porque faz com que o aluno não escreva para a sociedade mas escreve só para esse professor. Eu já vejo isso hoje como uma grande mudança. Essa noção do papel do interlocutor extrapola esses processos apenas do construto da revisão e da reescrita, ele começa justamente com os processos de leitura, penso que é por esse caminho que o processo se inicia. No momento em que o aluno for ensinado na sala de aula que seu professor é um leitor do seu texto, pois ele é o leitor primário do texto que poderá circular na sociedade, ele terá uma outra noção.
Inclusive, devemos começar a observar que esses papéis de interlocutor do processo de escrita revisão e reescrita extrapolam a noção apenas de corretor de um texto, e sim de um ser social, dessa forma devemos começar a pensar: Qual é o nosso papel no cronotopo da sala de aula e dos próprios alunos nessa construção? É apenas fazer apontamentos de correção e de arrumação? Isso é inócuo. As pesquisas já mostram isso. Só existe um jeito de aprender e ter desenvolvimento: escrevendo e sentindo dor na escrita, não existe outra forma. A constituição do ser professor como interlocutor vai além dos processos de revisão. Se pensarmos na sala de aula, qual disciplina nós ensinamos os alunos a fazerem revisão e reescrita? Eu participei esse ano de uma conferência na PUC do Paraná quando descobri que eles têm uma disciplina específica que ensina os alunos do curso de Letras a fazer processos de revisão e reescrita. Essa descoberta me emocionou, fiquei feliz em ver que essas discussões já estão tomando outros patamares. Por exemplo, na disciplina de Linguística Aplicada, por mim ministrada há anos, tínhamos um momento para realizar essas discussões, mas de forma muito rápida, afinal, existiam outras coisas para serem vistas na disciplina. Dessa forma o aluno acabava ficando com aquela sensação de: “Como é que eu faço agora?”, “Por onde eu começo o processo de revisão?”, “Devemos revisar forma ou conteúdo?”.
Ao trabalhar com os anos iniciais, eu comecei a perceber e, a partir disso, buscar diversas literaturas, e dessa forma entender que os processos de revisão para as crianças nos anos iniciais se iniciam pela pontuação. Enquanto elas não aprenderem a como fazer a pontuação que justamente dará o sentido aliado com a entonação, elas não conseguem fazer o desenvolvimento de sua escrita. Depois que percebem isso é que iniciamos os processos específicos, inclusive o “por onde começa”, pelos substantivos que marcam os nomes, por exemplo, a caracterização das personagens. Dessa maneira não tem como eu trabalhar da mesma forma com crianças do primeiro ano e do ensino médio. Esses processos progressivos são necessários para que antes do aluno entender que o professor é seu interlocutor o aluno é, primeiramente, interlocutor de si próprio, o outro de si mesmo. Se isso não acontecer, o professor pode se matar o quanto quiser. O aluno reproduz a palavra alheia, mas não produz a palavra própria.
O Consoante: Qual a importância dos estudos do Círculo de Bakhtin na constituição e consolidação de uma linguística aplicada no Brasil e, especificamente para uma concepção discursiva de escrita?
RM: Nós ficamos muito tempo tentando entender as abordagens e as teorias que as análises de discurso ofereciam no Brasil. Estávamos tentando entender como essa questão do discurso que sempre nos pegou, como professores de língua, poderia ser efetivamente trabalhada. Dessa forma batíamos de frente com algumas coisas que não se efetivavam na prática. O dialogismo está nos mostrando uma possibilidade de compreender a escrita como sendo discursiva, de entender que o discurso está também presente nos processos de escrita, mas de uma forma um pouco diferente daquelas propostas pelas análises de discurso que estão mais voltadas também para as questões de leitura, ideologia e assim por diante. Estamos marcados pensando nas questões de como essa concepção discursiva de escrita pode ser compreendida à luz do dialogismo. Não temos essa resposta ainda, estamos em processo de construção. Dizer assim “a análise dialógica do discurso”. Eu não uso essa nomenclatura, pois ainda não tenho bem esse processo, utilizado e discutido por diversos colegas, mas ainda não me peguei muito bem. Esse produto ainda não está bem processado na minha cabeça. Mas vejo que o dialogismo trouxe grandes conceitos e grandes elementos de construção. Por exemplo, ampliaram a noção de interlocutor para ver que, na verdade, nós temos o interlocutor real, virtual e o superior. Ampliaram a noção de finalidade, que não era simplesmente uma restrição verbal, mas sim uma questão voltada para o valor humano, para um tema específico ali discutido. Ampliaram a noção do que é cronotopo, a importância de entender o cronotopo inicial, o cronotopo atual e, principalmente, entender as questões valorativas e ver que todo discurso tem uma expressão de valor humano e essa expressão de valor humano se consubstancia em cima de uma materialidade linguística. Eu diria que nós começamos a pensar o dialogismo no ensino e acho que estamos longe ainda. Dessa forma temos algumas correntes dentro do Brasil, as correntes que pensam o dialogismo como teoria de linguagem, as correntes que pensam o dialogismo como teoria de discurso, as correntes que pensam o dialogismo como teoria ideológica, as correntes que pensam o dialogismo como teoria de análise possível do discurso, e eu e meu colegas estamos pensando exatamente o dialogismo voltado para o ensino, e pelo que parece, estamos um pouco longe, ainda. Se formos pensar nessa minha trajetória acadêmica e teórica, eu passei por tantas teorias e vivi tantas teorias vindo e saindo. Essa nossa abordagem teórica nos permite fazer algumas reflexões. Nós avançamos muito para as questões do ensino, mas a importância do Círculo está justamente na constituição, eu não diria ainda de uma consolidação, de uma linguística aplicada no Brasil. Então eu venho com uma implicação, eu sou de uma geração que foi construída, que mostrou que a linguística aplicada para resolver uma questão de linguagem em processos de interação social tem uma teoria marcada, mas vai buscar as informações necessárias em outras teorias. Assim, quando vejo trabalhos no dialogismo que são marcados pelo ensino eu não considero isso como linguística aplicada. Não é porque estamos falando de ensino que é linguística aplicada. Isso é teoria linguística voltada para as questões de ensino. Estamos bebendo muito do dialogismo do Círculo de Bakhtin? Incomensuravelmente, está nos dando muita sustentação. Eu acho que pegar apenas uma questão e ficar especificando uma teoria ainda é um pouco problemático na situação que nós temos no Brasil. Para fechar esse processo: Estamos construindo uma concepção discursiva de escrita? Estamos. Mas ela não está consolidada.