por Íngrid Lívero

 

           Um dom, um hobby, um talento. Essas são algumas das palavras que circulam ao se mencionar a música e suas áreas subjacentes. De alguns anos para cá, muitos pais procuram, desde cedo, um curso de piano ou de violão (mais comumente) para matricularem seus filhos, mesmo que estes não desenvolvam gosto pelo instrumento após o início das aulas. Esse é um fato que demonstra como o saber a respeito de notas musicais é tido como diferenciado, como pode ser um fator de destaque ao se dizer “sei tocar tal instrumento”; no entanto, quando se leva esse conhecimento um pouco adiante, ao nível universitário e ao profissional, o que se vê recorrente é a pouca informação e uma visão informal do indivíduo formado e atuante em Música. Os “já-ditos” sobre Música como profissão que circulam carecem de fatos; como, porém, pode-se mudar essa realidade? O que é realizado pelo Departamento de Música que pode transpor o âmbito acadêmico e fazer reconhecer, finalmente, essa área como sistematizada científica e profissionalmente?

            Vive-se um momento de certa desvalorização dos cursos voltados à área de Ciências Humanas, Letras e Artes em geral, seja por seu caráter diferenciado ao mostrar resultados palpáveis (que podem não ser imediatos), seja pelas metodologias utilizadas que, claramente, seguem princípios diferentes daqueles seguidos pelas áreas da saúde e de exatas, por exemplo. Mesmo com tais desafios, cada curso de graduação da Universidade Estadual de Maringá (UEM) pertencente às humanidades é dotado de diversa riqueza de conhecimento, além de oferecer uma formação completa para que um bom profissional possa atuar socialmente. Como um desafio extra, a graduação em Música e as suas respectivas habilitações se encontram nessa luta diária por reconhecimento e para incrementar a sabedoria popular que restringe essa carreira a um “adicional”, ou seja, ela não é tomada como profissão principal.

            O curso de Música da UEM tem suas raízes na criação do Coral Universitário, em 1973, o qual visava o aprimoramento teórico-musical de seus integrantes. Com o avançar do tempo, em 1994, foi implantado o Curso Técnico em Música (reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação sob o Parecer n.º 1771/2001) para, enfim, em 1996, ser criada a Escola de Música da UEM, voltada à formação técnica em instrumento, em canto e em musicalização. A cientificidade da área foi estabelecida em 2002, com a constituição do Curso de Graduação em Música nas habilitações de Licenciatura em Educação Musical e de Bacharelado (Canto; Cordas Arcadas – violino, viola, violoncelo e contrabaixo; Cordas Dedilhadas – violão; Teclas – cravo e piano; Madeiras – flauta doce, flauta transversal, clarinete, oboé e fagote; Metais – saxofone, trompete, trompa e trombone; Percussão). Recentemente, em 2019, mais um upgrade foi conferido ao curso com o início das atividades do Programa de Pós-Graduação em Música (Mestrado) e com a Especialização em Educação Musical, as quais trouxeram ainda mais possibilidades de aprimoramento para os interessados na área.

              De forma a tornar conhecido o interior desse Departamento da UEM, O Consoante buscou a voz de graduandos do curso para construírem novos dizeres a respeito de seus respectivos cursos. Um dos entrevistados, que preferiu não se identificar, afirmou ainda ser corrente certo pensamento distorcido sobre a atuação do estudante e do profissional de música. Isso, porém, a seu ver, está diminuindo na região de Maringá devido ao curso na UEM: “Muito desse avanço é atribuído aos trabalhos feitos por profissionais ex-alunos da graduação em Música, alunos do curso inseridos na comunidade externa e grupos internos que vão até a comunidade”. Ao ser questionado sobre a sua própria visão antes de ingressar no curso, o graduando respondeu que já estava ciente de como seria esse ensino superior e que tinha conhecimento da prova específica de habilidades, realizada antes do vestibular regular, quando o candidato deve mostrar aptidão sobre conteúdos que farão parte da sua formação. Além disso, disse acreditar que o curso está bem estruturado e que oferece o necessário para o exercício da profissão, além de ter projetos de extensão, como laboratórios, que propiciam a vivência profissional ainda na graduação.

             Uma visão um pouco diferente dessa vem de outro graduando, Murilo Ferraz, que já possuía formação em Gastronomia e especialidade em docência no ensino superior. O então graduando de Música afirmou que “é um curso que vale a pena, inclusive pelo corpo docente, que é muito bem estruturado”. Ele escolheu cursar Música por influência de uma professora de canto que o incentivou a ingressar. Murilo relata que não tinha uma visão específica do curso antes da aprovação: “Por conta da outra graduação, eu nem sabia que era preciso realizar uma prova de aptidão musical antes de entrar, mas fiz e me apaixonei pelo curso desde o primeiro ano”, conta o estudante.

             Com uma resposta semelhante ao assunto, Scott Collie, egresso do Curso de Música da UEM e atuante na área, conta que, antes de iniciar a graduação, a sua visão também era limitada, mas que descobriu que “a valia do curso está nos professores, muito experientes e interessados, alguns até com renome internacional; as matérias são bem estruturadas e a câmara está constantemente pensando a respeito, inclusive, experimentei uma reformulação de currículo”. Collie ainda adiciona que, como esperado, a estrutura conta com “salas pequenas, sem isolamento acústico, por exemplo, mas, por outro lado, tem o [Laboratório de Pesquisa e Produção Sonora] LAPPSO, com equipamentos de alto nível e laboratório de piano coletivo”, o que valoriza, ainda mais, a cientificidade da graduação e da pós-graduação.

            Ainda sobre a visão da habilitação em Música, o professor Rael Bertarelli Gimenes Toffolo (UEM) também conversou com O Consoante para detalhar um pouco mais o curso, bem como para discutir sobre a área de cultura que, segundo ele, passa por um panorama de desconstrução política no país. “Cada vez menos, temos pessoas interessadas em se dedicar à área, mas as habilitações tentam, por meio da extensão e pesquisa, sempre se manter em contato com a comunidade externa para não só oferecer o conhecimento, mas para entender as demandas sociais de modo a transformar continuamente as ações de formação do curso”, explica o docente. Em questões de assistência pela UEM ao Curso de graduação em Música, o docente comenta que o curso sofre dos mesmos empecilhos que a maioria dos outros ali existentes: infraestrutura pouco adequada e baixa efetivação de docentes e técnicos para atuar. Ele ainda complementa que “o curso se formou em uma época que havia uma política de contratação de efetivos, assim, o déficit não é tão gritante como em outros cursos mais novos, mas ainda há áreas nas quais atuam somente professores temporários, como História da Música e Etnomusicologia”.

             Em relação aos caminhos que podem ser seguidos durante ou após a graduação, o Curso de Música conta com o Laboratório de Pesquisa e Produção Sonora (LAPPSO), o qual já oferece vivência profissional e acadêmica ao ter subsídios materiais para pesquisas na área. Além disso, alunos e demais integrantes participam efetivamente do programa Convite à Música promovido pela Secretaria de Cultura de Maringá, que patrocina apresentações e organiza eventos voltados à divulgação e à apreciação de diversos artistas.

            Scott, que atua como professor, reitera que “o Curso de Música devolve seus estudos e pesquisas à sociedade por meio da extensão, com corais, projetos de iniciação instrumental, recitais e intervenções”. Ele adiciona que é possível se tornar professor de instrumentos, integrante de orquestra, regente, músico de estúdio ou, ainda, compositor, exemplificando como é amplo o leque de possibilidades.

             Sobre esse mesmo assunto, o primeiro graduando entrevistado cita o projeto Orquestra de Flautas da UEM, do qual ele participa há anos. Sobre isso, ele afirma o seguinte: “contribui bastante em minha formação. Esses projetos têm o propósito de difusão dos vários aspectos da música, não somente no meio acadêmico, mas também no meio externo”. Ele também reitera que, no âmbito científico, o Curso de graduação em Música “conta com pilares que o sustentam nessa perspectiva. […] Contamos com ensino, extensão e pesquisa: produção de material científico pelos professores e alunos, cada um em sua área específica”. Enfim, ao ser questionado sobre vislumbres do futuro como profissional, o graduando conta que já atua na área, nos campos de performance instrumental e no ensino, mesmo ainda não tendo concluído o curso. “Após me graduar, tenho vontade de continuar me especializando […] em pesquisa e trazendo contribuições para a área”, finaliza o estudante.

           Tendo as mesmas perguntas direcionadas, Ferraz afirma que percebe um vasto mercado de trabalho como licenciado em música, uma vez que “além da performance musical (músico de orquestras e bandas), posso atuar desde a rede básica até em uma universidade (mestrado e doutorado) na área de artes ou de música em específico”. Ferraz traz outra perspectiva que também se mostra bastante pertinente: a de trabalho em projetos sociais e em ONGs. Em relação a isso, menciona que “se acaba adquirindo mais consciência disso no decorrer da graduação, pois antes não se sabe bem ao certo o que esperar [do curso]”.

             De maneira análoga a essa tentativa de mostrar como os profissionais formados em Música atuam, o professor Rael comenta que “o ponto mais importante para fazer com que a sociedade entenda a Música, bem como outras artes, como cursos que se dedicam à criação de conhecimento na dimensão científica, é a luta pela inserção da Música e das Artes na formação de ensino fundamental e médio. Essa havia sido uma conquista importante que foi destruída pelas reformas governamentais ocorridas recentemente”. Corroborando o que foi exposto no início deste texto, o especialista afirma: “somente fazendo com que a música, bem como as outras linguagens artísticas façam parte da vida dos estudantes é que se pode enfrentar o pouco conhecimento que todos têm dessa área”. Além disso, acrescenta que, dentro da própria instituição, o problema é parecido: “há muito preconceito e preconcepções que estão ligadas à visão das artes como entretenimento ou produto da indústria cultural. O curso e os estudantes, em conjunto com professores, lutam continuamente contra isso por meio da produção artística e científica, de modo a conquistar um espaço de visibilidade”.

             A graduação e a especialização em Música, assim como os demais cursos das Ciências Humanas, ainda têm alguns desafios a superar para obter o real reconhecimento de suas contribuições. Diante desses detalhes apresentados – poucos mediante a abrangência do curso –, percebe-se o quão rica é a formação do profissional de Música, a qual requer muito mais que um “dom” e pode ser muito mais do que um hobby. Por meio da procura de informações sobre o trabalho efetivo de graduandos e do corpo docente, somada à consciência de que há produção científica de importância social acontecendo no departamento, é possível compreender, mais profundamente, essa ciência e alterar os já-ditos que circulam, os quais se fundamentam no senso comum e são pobres em conhecimento a respeito do quão significativa a Música pode ser, seja para atividade extracurricular, seja para entregar contribuições reais à sociedade por meio dos profissionais formados.

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