por Ingrid Lívero e Isabela Cristo
A Festa Literária Internacional de Maringá teve sua cerimônia de abertura oficial na de noite de ontem, 21, contando com a presença e prestígio de alguns dos responsáveis por sua realização e tendo como convidado especial Tony Bellotto – escritor, compositor e guitarrista da banda Titãs. O curador da FLIM, bem como a presidente da Academia de Letras de Maringá, o representante da Câmara dos deputados e o secretário municipal de cultura tiveram suas falas ao início e cumprimentaram a todos os presentes. Fechando esse primeiro momento, o secretário de cultura destacou algumas das mudanças operadas para o evento deste ano, como o repasse de vales de livros pelas editoras, os quais foram distribuídos para as escolas com o propósito de que os alunos fossem até a festa retirar os livros que mais os interessassem. Proposta encarada como uma forma de proporcionar o aumento e formação de leitores em potencial.
Feitos os primeiros agradecimentos, o convidado especial Tony Bellotto subiu ao palco junto a Victor Simião, que atuou como mediador do bate-papo e o iniciou fazendo uma breve apresentação do trabalho literário do convidado, o qual iniciou como escritor de romances policiais e estendeu seus trabalhos para muito além do gênero posteriormente. No início do bate-papo, Bellotto enfatizou a importância da arte dizendo que “é uma manifestação do indivíduo”, e que o ato de escrever, a seu ver, seria a capacidade de suportar a falta de sentido da vida, um resultante artístico que traz conforto. Considerando sua individualidade, falou que procura ser sempre “de boa”, mas que é assombrado pela angústia e pela melancolia, e que isso é o que o inspira a escrever. “São os demônios internos que te movem, um sentimento nebuloso que te leva a compor, a tocar, a escrever. É esse lado obscuro que move a gente como ser humano e que move o mundo” afirmou.
O escritor comentou sobre suas obras e destacou duas delas: Bellini e a esfinge, primeira obra publicada, e Lô, sua última obra publicada, as quais sofreram influências de outros autores e obras. “Meus personagens refletem um lado escuro de mim que não fica evidente”, contrastou Bellotto considerando sua individualidade como pessoa e seus personagens. Em relação a estes últimos, resgatou vários autores dos quais tirava inspiração, dentre eles Cristóvão Tezza e Ernest Hemingway, e detalhou como seus personagens se constroem psicologicamente, dando destaque ao primeiro que criou, um detetive, e como o tal lidava com as situações nas quais era colocado.
Em seguida, o bate-papo se dirigiu ao processo de escrita, especialmente ao que fora usado para a última obra publicada Lô. Bellotto compartilhou um pouco de sua visão sobre a obra com a qual Lô guarda estreita relação, que é Lolita, de Vladimir Nabokov, e sobre isso afirmou que “escrever e se defrontar com as dificuldades é o que faz o escrever tão fascinante […] é uma forma de lidar com esses demônios, uma espécie de vitória”. Ainda sobre esse assunto da construção da escrita, o escritor comentou que muitos dos dilemas e angústias dos personagens refletem a decadência do próprio ser humano, uma noção de “fim” que, a certa altura, pode-se vislumbrar, e que a grande questão aí é “vencer o medo de morrer”, algo que afirmou sempre procurar fazer em suas obras.
Com a conversa voltada, adiante, para os temas motivadores, o mediador destacou que era possível perceber uma nuance e transição entre gêneros bastante diferentes entre si na escrita do convidado. Bellotto, em relação a isso, constatou que “o gostoso de se escrever são as aventuras que você passa quando escreve”, o que não impede que a literatura policial, por exemplo, guie para uma busca mais profunda. O escritor também afirmou que, ao tratar do tema família em suas obras, só via duas formas de o fazer: pela tragédia ou pela comédia, o que talvez, em seu ponto de vista, justificasse a mudança de tom de um parricídio para uma comédia de costumes. Comentou, ainda, que “a literatura policial fala de literatura, não de crimes”, enfatizando como esse gênero de escrita pode alcançar níveis mais profundos.
Nos momentos finais, quando questionado sobre sua esposa, Malu Mader, Bellotto expôs que ela está sempre presente em sua vida de escritor, sendo a primeira a ler suas obras e, às vezes, ajudando-o como editora, e afirmou o quanto ela influencia em sua escrita. Já em relação à pergunta sobre a existência de boa literatura policial brasileira atualmente, considerou que a realidade brasileira, por si só, é avassaladora, e que a literatura ainda precisa descobrir sua linguagem para alcançar esse nível, mas não desconsidera que existe um rol de obras bastante significativas.
Ao final do bate-papo, Tony Bellotto comentou sobre seu próximo romance, que será baseado em fatos reais a respeito de um assaltante cuja história conheceu e decidiu usar como inspiração. A conversa encerrou-se com perguntas da plateia, que exploraram a questão de conciliar o trabalho musical com o da escrita – ao que Bellotto respondeu que o primeiro acaba por ser mais coletivo e, o segundo, mais solitário e sem controle do que se pode esperar na receptividade – e solicitaram que o convidado indicasse algumas obras que considerava essenciais para leitura. Uma das falas finais, inclusive, retomou algo do que fora dito em relação à busca pela formação e aumento de leitores no país: “a arte está a serviço da compreensão humana, por isso devemos ter muita atenção para mostrá-la e passá-la a outras gerações”.