Íngrid Lívero e Mariana Brito
O acesso ao ensino, nos seus mais diversos níveis, tem sido facilitado ao longo dos anos por variados âmbitos e meios, desde oferta gratuita da escolaridade básica a bolsas auxílio para ingresso no ensino superior. Nesse último, em especial, vislumbram-se projetos e modalidades de aprendizagem bastante produtivos e que muitos acadêmicos convivem diariamente no decorrer de sua graduação e pós-graduação; é no sentido de abranger um público ainda mais diferenciado que a Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI) surge para compor a estrutura da Universidade Estadual de Maringá.
A UNATI foi criada com o objetivo de inserção social do idoso no universo acadêmico, promovendo melhor qualidade de vida de pessoas na melhor idade. São ofertados cursos de caráter não formal, ou seja, os alunos podem escolher as disciplinas que desejam participar e não há a obrigação formativa no campo profissional (como ocorre nos cursos de graduação e pós-graduação). Os idosos podem usufruir da universidade para aumentar seus conhecimentos e buscar novos interesses e oportunidades em suas vidas.
A UNATI/UEM foi instituída a partir de decisão do Conselho Universitário (COU) em 14 de dezembro de 2009 e, desde então, integra a vida da universidade como educação permanente. São mais de 40 cursos que se organizam em seis eixos temáticos: arte e cultura; processos e procedimentos comunicativos; saúde física e mental; meio físico e social; direito e cidadania e humanidades. Os cursos acontecem de segunda à sexta, nos períodos manhã e tarde, com aulas ministradas por professores da UEM, e os materiais necessários para realização dos cursos são disponibilizados gratuitamente.
As turmas são bem diversas no que se refere ao nível de escolaridade, nível socioeconômico, de idade, experiências, capacidades e condições físicas; o que se torna um desafio aos docentes. Sobre este aspecto, o professor Paulo Lopes, do Departamento de Música da UEM e atual coordenador geral da UNATI, afirma que, atualmente, os alunos que frequentam a UNATI, são, em sua maioria, indivíduos de classe média, mas há pessoas de todas as camadas sociais frequentando as aulas. O professor comenta ainda que o processo de socialização dos alunos ocorre com a criação de grupos de convivência, formados por um interesse comum, no caso, a disciplina que estão cursando. “Isso gera um ponto inicial de interesse que leva à descoberta de outros durante o processo. De forma a buscar essa integração da terceira idade à cultura e socialização, o programa tem alcançado já uma média de 500 alunos”.
Em busca das figuras que compõem a UNATI da forma como se apresenta hoje, O Consoante conversou com a professora Liliam Marins, do Departamento de Letras Modernas (DLM), que atuou por dois anos na UNATI e tinha, como foco de seu doutorado, o trabalho com a terceira idade. A professora conta que a justificativa de sua pesquisa ali não era necessariamente acadêmica, pois tem como fonte seu avô, responsável por sua trajetória como professora, mas o envolvimento se deu de tal forma que ministrou duas disciplinas para praticamente o mesmo grupo de alunos. Sobre o público diferenciado e os desafios concomitantes a essa prática, a professora compartilha que “ensinar, para qualquer grupo, especialmente para a terceira idade, não se resume em preparação para o trabalho ou em preencher uma tabula rasa com conhecimento, mas formar para a vida, considerando suas próprias experiências. Esse não deixa de ser um dos desafios que constantemente enfrentamos enquanto formadores”.
Para ilustrar esse fator, a professora Liliam compartilhou as características de seu grupo de alunos na época que atuou na UNATI: pessoas com idade entre 50 e 84 anos, de formação escolar distinta, de contextos socioeconômicos e culturais, condições físicas e experiências de vida bastante diversas entre si. “Embora essa seja a realidade legitimada pelas teorias críticas de ensino, a ideia de uma sala heterogênea é bastante desafiadora para a prática pedagógica” complementa, também relatando que sua disciplina inicial envolvia a circulação de um texto literário – uma peça de Shakespeare – em um produto popular – a telenovela -, o que gerou uma recepção “conturbada” no primeiro contato pela grande valorização do livro impresso enquanto suporte por parte dos alunos, advindos de uma geração cujo contato com o conhecimento era feito pela palavra impressa. “Dessacralizar Shakespeare também se apresentou, então, como um grande desafio” de acordo com a docente.
Não só a perspectiva docente proporciona um olhar atento para a UNATI, como também a experiência dos próprios alunos. O senhor João Brito, participante da UNATI desde a primeira turma em 2009, compartilhou seu grande entusiasmo com a referida disciplina da professora Liliam. “Foi a primeira vez que ouvi falar de Shakespeare, no curso dela, mostrando todo esse drama que ele tem. A professora também trouxe uma novela da Globo com o mesmo objetivo, e acabei escrevendo um texto sobre isso falando de Lampião e Maria Bonita, comparando com a narrativa de Shakespeare. Foi grandioso”. O senhor Brito ainda comenta que a UNATI foi um divisor de águas em sua vida, que tem uma socialização muito grande com os colegas de turma e que as disciplinas contribuíram muito para sua formação pessoal. “Sou outra pessoa com outras visões, outras tolerâncias, sou um melhor pai, uma melhor pessoa, mais tolerante, mais observador e que ouve mais as pessoas agora”.
Além do trabalho com a literatura, muitas outras atividades que tocam em áreas do conhecimento diversas são feitas, como atividades de psicologia e música, além de palestras e eventos que dizem respeito à saúde e equilíbrio mental na idade do público da UNATI. Sobre as disciplinas desenvolvidas, o senhor Brito conta como o idoso adora música e gosta de participar de atividades manuais, e destaca o assunto de brinquedos e brincadeiras que foi abordado em suas aulas. “Eu pensava: como um idoso de 75, 80 anos vai fazer isso?. Mas foi uma bela surpresa ver esses idosos pulando amarelinha. Até eu sentei no chão todo descontraído para participar das brincadeiras. Foi um bom crescimento”. Ainda ressalta que tudo isso contribui para o melhoramento das relações entre os alunos. “Muitos chegavam distantes, não queriam fazer quase nada, mas com o tempo foram melhorando, inclusive a autoestima”.
Segundo o coordenador da UNATI, professor Lopes, um dos desafios é levar o programa para um maior número de pessoas, àqueles com nível econômico menos favorecido, para que também possam usufruir deste serviço. Contudo, a divulgação da UNATI, nas palavras do professor, é insuficiente, pois esta acaba acontecendo mais entre a comunidade acadêmica do que para o público geral. A falta de recursos advindos do Estado é um dos obstáculos que impedem a implementação e o aumento do número de serviços ofertados ao idoso, assim como o crescimento da UNATI para que esta possa atender um número maior de pessoas. “Hoje temos em torno de 500 alunos, mas somente na cidade de Maringá, há mais de 50 mil pessoas com idade acima de 60 anos, ou seja, ainda é pouco o que fazemos”, afirma o professor.
Apesar destes obstáculos, a UNATI tem ganhado maior espaço na mídia, sobretudo nas rádios, ainda que de forma insuficiente para tamanha importância do trabalho realizado com a terceira idade. “No âmbito da UEM temos recebido todo o apoio dos diversos setores de propaganda, da reitoria, dos centros, mas é preciso que os órgãos municipais e estaduais nos enxerguem e apoiem mais efetivamente, pois a população idosa é numerosa e tem direito a ter uma vida de maior qualidade através destes tipos de serviço”, conclui o coordenador. Nesse sentido, é interessante o diálogo já estabelecido da UNATI com a comunidade externa, como o apoio adquirido do Conselho Municipal do Direito da Pessoa Idosa e a Pastoral do Idoso.
Diante das diferentes perspectivas sobre a Universidade Aberta à Terceira Idade e sua existência há quase uma década, não é arriscado afirmar que é um programa que tem se mostrado bastante produtivo. Um crescimento significativo da adesão de docentes nas universidades que possuem UNATIs vinculadas foi um dos pontos destacados pela professora Liliam Marins, bem como a expansão de novos horizontes para o grupo social da terceira idade nos âmbitos sociocultural e acadêmico. Conforme explica, “tal expansão é importante porque, após a aposentadoria, há uma necessidade latente por parte desse grupo de exercer uma agência social que vai além do papel de avós, pais ou mães. Por isso, eles fazem questão de vestir a camisa da UNATI e das disciplinas que cursam e de participar de todos os eventos promovidos pela instituição, inclusive de conferências e simpósios em que eles apresentam trabalhos e discutem os problemas enfrentados pelo grupo em diversos setores da vida”. Essa preocupação com o social, que norteia as propostas pedagógicas aplicadas nas disciplinas ministradas na instituição, é um dos aspectos que mais foram significativos no sentido pessoal, de acordo com a professora, já que permitiu a “dessacralização de campos do saber”, que antes, conforme destaca, eram interditos aos idosos.
A Universidade Aberta à Terceira Idade veio compor o quadro da Universidade Estadual de Maringá no âmbito de expansão de atendimento ao público e não se limitou a oferecer cursos para tal público. Tanto por uma visão docente e administrativa como por uma discente, são perceptíveis e interessantes os aspectos dessa grande equipe e seus resultados não só no sentido acadêmico, mas também no de vivência dentro deste espaço. O senhor Brito reitera os momentos marcantes que viveu enquanto participante e o orgulho que grande parte dos alunos externa por seus professores. “Os professores constroem todo um roteiro para fazermos o nosso melhor, até digo que são nossos ‘paizinhos’ e ‘mãezinhas’, somos muito vaidosos por termos professores com paciência e tolerância que chegaram até nós com a didática adequada a nossa idade”. Tudo isso é corroborado pela professora Liliam ao destacar que a UNATI não é regida pelas mesmas regras acadêmicas da graduação, o que concede maior liberdade na prática pedagógica e também possibilita a forma de um ambiente de ensino mais colaborativo, e “isso significou olhar para o conhecimento (não somente acadêmico) como algo construído ao longo da vida e que, portanto, deve ser sempre respeitado e valorizado. Levarei essa contribuição para toda minha vida!”.
Essa parcela da universidade ainda requer maior visibilidade, de acordo com o demonstrado pela coordenação, e todos os produtos já apresentados por e para o público que compõe boa parte da sociedade municipal só vêm a contribuir para o reconhecimento do trabalho realizado. A UNATI, em seus atuais moldes, pode alcançar uma quantidade de alunos ainda maior mediante apoio das entidades comprometidas com sua manutenção e seu funcionamento, e esse crescimento só tem a beneficiar seu público-alvo, de forma a integrá-lo na comunidade acadêmica e promover sua socialização enquanto agentes do meio em que vivem.