por Fernanda Martins
A concepção da universidade moderna surge, segundo o que Marilena Chauí explora no livro A Universidade Pública sob Nova Perspectiva, na pós-Revolução Francesa, pois as instituições garantiram a laicidade e o caráter público de seu sistema. A ideia que vinha sendo discutida naquela época era a autonomia do saber em face da religião e do Estado, guiado pela própria lógica. No entanto, foi apenas durante as revoluções sociais, no séc. XX, que o sistema universitário, ao ser concebido como uma instituição social, garantiu a sua autonomia, legitimando os seus valores, normas e regras internas.
No Brasil, o caráter autônomo nas instituições de Ensino Superior é previsto e garantido pela Constituição Federal, vigente desde 1988. Apesar de estar prevista na constituição, ainda há diversas dúvidas a respeito do que seria propriamente a autonomia e como funciona. Nesse sentido, O Consoante conversou com a Prof. Dra. Neusa Altoé, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a qual já exerceu o cargo de reitora (1998/2002) e vice-reitora (1994/1998) da UEM, que procurou responder algumas das dúvidas existentes a respeito de autonomia universitária.
O Consoante: Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Art. 53, a autonomia é assegurada a diversos setores universitários. Mas afinal, o que é a autonomia da universidade?
Altoé: A autonomia é quando a universidade tem liberdade de fazer seus planos pedagógicos. seus projetos pedagógicos, suas normas, seu calendário acadêmico. Enfim, tudo que envolve alunos servidores, ela tem liberdade de promover. A LDB garante a autonomia, assim como a Constituição Federal e a Constituição Estadual também garantem essa autonomia. Então, onde está o problema? Nós temos autonomia, didático-científica e pedagógica, e administrativa e financeira. O problema está na autonomia financeira, dificultando a realização da autonomia dentro da universidade.
OC: Qual seria a importância da autonomia financeira?
Altoé: Com a autonomia financeira a universidade terá a liberdade de dizer quanto vai investir em pessoal, quanto vai investir na manutenção e quanto vai investir na sua infra-estrutura. Hoje nós não temos essa liberdade. O governo, como nós somos uma universidade estadual, manda os recursos financeiros na rubrica de pessoal, então nós não podemos economizar em pessoal e colocar em infra-estrutura ou na manutenção da universidade. Se a universidade não gastar o recurso que está no financiamento, este volta para o estado. Por isso, o que a universidade busca é autonomia também financeira, para que ela possa gerir os recursos dentro de suas necessidades, pois apenas a universidade sabe o que ela precisa. O governo estadual não consegue compreender o que está acontecendo dentro de cada instituição, uma vez que cada instituição possui uma realidade diferente da outra.
OC: Ao se pensar em autonomia universitária, os nomes Universidade Estadual de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) são referências. Qual a diferença dessas universidades para as demais?
Altoé: Essas três universidades estaduais receberam autonomia financeira por decreto. Assim, elas recebem do Governo Estadual de São Paulo, se não estou equivocada, em torno de 9% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que é dividido entre as três. Com esses recursos, elas são administradas diante de suas demandas, isto é, elas que dizem se há ou não contratação de professoras, se será aberto um novo curso de graduação, decidem qual é a área que prioriza investimento naquele momento. As universidades, por meio de seus conselhos, fazem um planejamento e definem o que é importante para aquela comunidade, para aquela universidade. Desse modo, a diferença das três para as demais universidades é que elas possuem também a autonomia financeira.
OC: Como nós, dentro da UEM, conseguiríamos atingir essa autonomia?
Altoé: A Universidade Estadual de Maringá já aprovou no conselho universitário, em 2016, o projeto de autonomia. A universidade tem que ver todas as suas necessidades, analisar sua instituição como um todo. Após essa análise, fez-se um projeto, o qual foi discutido com a comunidade, além de terem sido feitas audiências públicas, que devem chegar no conselho universitário e ser aprovado. O projeto prevê que o governo, a partir de um índice de 2,24% da renda líquida do estado, passaria esses valores para a universidade, a qual usaria os recursos para a construção de espaços, manutenção da infraestrutura e contratação de novos servidores. Assim, seria averiguado o seu crescimento ou não, além no que se deve investir e qual área necessita desse investimento. No entanto, ele não foi aprovado em nível de estado, só internamente dentro da UEM.
OC: As outras universidades do Paraná possuem essa autonomia, ou algum projeto para consegui-la?
Altoé: Nós somos sete universidades estaduais no Paraná, mas não existe um consenso de que todas querem a autonomia financeira. Existem algumas que ainda são contra.
OC: E por que você acha que existe essa rejeição?
Altoé: Porque será mais trabalhoso, mais díficil, pois a comunidade acadêmica deverá colocar o dedo onde precisa. Nós vamos ter que definir as nossas prioridades, nos disciplinar dizendo “hoje vamos investir nessa área e não nessa”.
OC: Quando saiu a questão do META-4, que discutia a autonomia financeira, algumas pessoas relacionaram a questão da autonomia universitária com a transparência universitária. Na sua opinião, por que teve essa relação?
Altoé: Não tem nada a ver, a transparência é uma coisa e a autonomia é outra. A transparência está presente no Portal da Transparência. Tudo o que a universidade faz está neste portal. Agora, a autonomia é a universidade dizer “olha, o professor terminou o seu doutorado. Ele tem uma gratificação por terminá-lo. Então eu vou colocar na folha de pagamento. No META-4, isso não iria acontecer, pois dependeria de um técnico, de Curitiba, dizer se esse professor irá ou não receber. Então, o critério seria mais político do que científico, de mérito. Por que nós brigamos por isso? Porque tira a nossa autonomia de dizer o que é importante na universidade, se é a qualificação, se é a progressão, se ele tem direito ou não. A universidade não faz nada errado, porque tudo isso que está na folha é relatado mensalmente à Curitiba. Eles têm acesso a todos os dados. Assim, confunde-se autonomia com transparência. Nós queremos, sim, autonomia de continuar com nossa folha de pagamento, de continuar fazendo nossa prestação de serviço, de continuar oferecendo ensino, pesquisa e extensão.
OC: A autonomia, como propõe a LDB, é atendida em nível nacional?
Altoé: Não, ela não é atendida. A constituição, tanto Federal (1988) quanto Estadual (1989), diz que a autonomia deveria existir e que está garantida. No entanto, ainda necessita de uma lei que rege o como deve ser essa autonomia. Por exemplo, no Estado de São Paulo, as três universidades estaduais estão sobre a hégide de um decreto, ou seja, se o futuro governador quiser tirar esse decreto, acabou a autonomia deles, ela pode ser tirada a qualquer momento. Então, deveria ter uma lei que garanta essa autonomia, que independentemente da mudança de governo, a lei permaneceria.
OC: E o que nós precisamos para atingir a autonomia como lei?
Altoé: Primeiro tem que ser aprovada. Nós precisamos da hegemonia estadual, o que nós não temos hoje. Devido a algumas universidades votarem contra a autonomia, ou o estado faz uma experiência com duas/três universidades, ou nós teríamos que ter o convencimento de todo o sistema, para que todos sejam atendidos. Seria ideal que todo o sistema entrasse e trabalhasse por essa autonomia, pensando no melhor para o Ensino Superior do Paraná.