por Flávia Bissi e Íngrid Lívero

           A leitura de textos literários é, sem dúvida, importante na formação do homem e muito exigida para os alunos em sua formação escolar. Além dos clássicos, atualmente os best-sellers vêm ganhando um grande espaço nas prateleiras dos leitores. Todavia, os chamados blockbusters, ou “detonadores de quarteirão”, devido ao grande número de vendas em pouco tempo, não são considerados por muitos como bons livros para formação, seja de vocabulário ou de visão de mundo, o que por vezes pode fazer com que os leitores desses livros sejam alvo de críticas dos que não se agradam com esse tipo de leitura “fora” dos padrões cultos e clássicos. A questão central não é definir qual a melhor leitura ou rebater de forma não fundamentada tais críticas, mas sim pensar até que ponto elas interferem na qualidade da rotina de leitura dos alunos.

            É comum escutar de professores e de críticos de renome que as literaturas de mercado são “de um nível mais baixo de escrita” e que, se esse tipo de livro for a leitura escolhida em detrimento de um poema épico, por exemplo, não há conhecimento a ser adquirido e muitos problemas podem surgir. Talvez seja necessário repensar essa falta de conhecimento: de onde surgiu a noção de leitura “boa” e “de baixo nível”? Como os alunos que se encontram na fase de se aproximar das obras literárias chegaram a esse conceito de um livro que precisa ser lido e outro que “não vai lhe acrescentar em nada”? Essa última questão pode ser considerada de extrema importância na medida em que, para se evitar opiniões falaciosas, é necessário o conhecimento de vários tipos de leitura: um debate sobre a qualidade do enredo, da escrita, abrangendo uma discussão das características boas e ruins de uma obra, podendo até compará-la com outra são atividades que valem um tempo (não total) da dita aula de literatura.

           Conforme Isabel Solé, professora de Psicologia da Universidade de Barcelona, quando questionada sobre seu livro Estratégias de Leitura (1992), “a escola ensina a ler e não propõe tarefas para que os alunos pratiquem essa competência”, e ainda completa afirmando que “pode-se ler de forma superficial, mas também pode-se interrogar o texto”. É um ponto interessante esse exercício de interrogação do texto, seja num nível semântico seja de sintaxe, que abrange o que foi dito anteriormente sobre uma discussão acerca de obras – mesmo que não clássicas ou obrigatórias – e que direciona, em pelo menos algum aspecto, a formação da opinião do aluno sobre aquilo que leu ou que, após conhecer um pouco da obra, decidirá se valerá a pena ler ou não.

             Já é do senso comum que, em mais do que se percebe, os alunos refletem aquilo que vivenciam na sala de aula com seus professores. Na própria formação dessa profissão existem instruções a respeito de ser imparcial em determinadas situações, estratégias para resolver divergências de opiniões entre estudantes, o que parece levar a ideia de que não seria apropriado tornar uma visão como única e correta a respeito de certa obra literária ou qualquer outra coisa no ambiente escolar. A leitura, de caráter um tanto obrigatório, dos Machados, Clarices e Alencares é muito relevante para que se tome conhecimento de ferramentas da linguagem e elementos culturais com os quais não há proximidade no dia a dia, mas é importante ressaltar que, para cumprir essa importante função o leitor deve saber explorar o livro.

            E qual melhor forma de se aprimorar nessas técnicas de exploração do mundo das letras do que iniciar – ou mesmo manter – leituras individualmente interessantes à pessoa? Mais de uma vez foi comprovado que a leitura imposta não agrada a maioria e, somada a uma possível linguagem a qual o aluno ainda não alcançou, o belo processo da leitura satisfatória tanto para o leitor como para o professor que a solicitou não se completa.

           É importante lembrar que obrigações existem para serem cumpridas, logo nem na mais remota possibilidade a sugestão presente é a de eliminar a lista de livros padrão para o vestibular ou sugerir que os professores digam aos alunos para não lerem mais poemas árcades. Veja-se que a própria classificação de um autor como pertencente a tal escola literária dependeu da leitura e análise de sua obra, e nessa linha de raciocínio as obras de Pessanha foram consideradas simbolistas e não românticas, além de as vanguardas terem sido sempre marginais àquilo julgado como adequado à arte da época.

          O especialista francês em leitura Roger Chartier, em entrevista à Agência Brasil em junho de 2012, afirmou que o hábito de ler está além dos livros, abordando também a questão dos meios digitais como canais de leitura eficientes e que não se pode depender apenas de número de livros impressos para definir quanto uma pessoa gosta de ler. Esse se constitui outro aspecto inerente à problematização da leitura escolar, uma vez que, ainda com excessos de conteúdos a serem evitados que circulam nas mídias, a oferta de textos literários ampliou-se, não sendo totalmente negativo o efeito de inúmeras leituras a todo o momento: os leitores, a certo ponto, definem aquilo que gostam de ler, e dificilmente serão textos mal escritos que são “atentados” a língua portuguesa.

           Com certeza, é um desafio a conciliação de tempo a um bom trabalho, como sempre o foi, nas aulas que envolvem leitura literária. O professor Valdir Barzotto, da Faculdade de Educação da USP, confirma isso em matéria no site da instituição que “por mais que saibamos que o Estado controla como se deve fazer [a leitura na escola], ele não está todos os dias na escola”, relacionando o papel do governo na estimulação à leitura. Apesar dessas reais condições, é importante que exista a consciência de opiniões e gostos divergentes e, acima de tudo, que estes possam ser aproveitados para o direcionamento do aprendizado.

           Portanto, é possível entender que uma boa leitura está ligada a interpretação e compreensão do leitor. Com isso, independentemente do livro, o importante é que a leitura seja realizada, estimulando o raciocínio, melhorando o vocabulário, aprimorando a capacidade interpretativa, além de proporcionar o desenvolvimento do intelecto e da imaginação, a grande mágica que é se inserir num mundo alternativo ao nosso. Os educadores que souberem ou mesmo tentarem conciliar a leitura necessária àquela que realmente é feita pelos alunos com certeza farão um trabalho satisfatório.

 

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