por Íngrid Lívero e Lucca Portolese
O cotidiano está cercado por arte e diferentes tipos de expressões, formas, cores que podem atingir significativamente a qualquer pessoa sem ao menos que esta note. Muitos já foram ao cinema, a um concerto, ao museu, mas vários eventos, artistas, produções e histórias surpreendentes trazem ao conhecimento comum que não é somente aquilo que chega ao máximo da exposição que pode ser considerado arte.
A arte está nas pequenas coisas do dia-a-dia e encontra os meios mais criativos para se mostrar ao mundo. Quando não se tem um ateliê, artistas usam muros para se expressar, um simples músico que está na praça perto de sua casa tem seu valor artístico e cultural na sociedade. Quando não se tem grandes empresas por trás dos projetos, produtores independentes lutam para terem seus filmes feitos e reconhecidos pelo público, como John Cassavetes, ator e diretor americano que após seu filme ser recusado pelas grandes produtoras, utilizou dinheiro próprio para financiar seu projeto Sombras (1959), no qual contou também com a ajuda de seus alunos de teatro.
Não se podem deixar de lado as diferenças hoje, pois são um aspecto bastante positivo da sociedade, como diz José Celso Corrêa, diretor e ator do Teatro Oficina de São Paulo, para postagem no Blog do Zé Celso, que vê “a diversidade como algo que devora” para depois completar que não acredita “em identidade brasileira, mas na mistura”. Um exemplo de evento que conseguiu tratar dessa diversidade e ao mesmo tempo dar espaço aos artistas que estão fora das manchetes foi a feira de arte denominada Beco do Inferno, já que teve localização numa travessa da rua São Bento em Sorocaba (SP), antigamente conhecida por esse nome, e que aconteceu no dia 5 de junho deste ano. Mais de 50 artistas marcaram presença com seus trabalhos artesanais: gravuras, esculturas, fotos, cosméticos, entre outros que estavam disponíveis para venda. Para incrementar ainda mais a feira, bandas locais se apresentaram bem como ilusionistas e os grupos de poesia Realejo Poético e Poeta em Queda.
Um aspecto interessante de eventos desse cunho artístico e diversificado é a oportunidade oferecida e também a apreciação do público que visita o local. A respeito desse sujeito artista que se afirma em apresentações de rua, o cordelista pernambucano Edmilson Santini, em entrevista à Rádio Câmara no Especial “Artistas de Rua”, comenta que consegue levar seu estilo de teatro à disseminação nas ruas. Como ele mesmo relata: “Eu ia às feiras e ouvia as histórias em cordel. Eu misturo o cantar e o contar e aí se tem a possibilidade de fazer o brincante. Enquanto narrador de histórias em cordel, eu viro um pouco brincante, dentro das minhas possibilidades”.
Nessa perspectiva de arte diversa, é preciso pensar o conceito de arte envolvido, o que está se entendendo por arte em cada trabalho antes que se julgue um trabalho como artístico ou não. A professora Andrea Weber, do Departamento de Música da Universidade Estadual de Maringá, comenta sobre o assunto da arte popular, sua apropriação e os espaços que ela abre: “O que se vê hoje é uma mistura cada vez maior do que se chama arte popular e cultura erudita, cultura de elite. Um exemplo são os projetos sociais, formados em comunidades, com formação de orquestras com meninos do Morumbi, no Rio de Janeiro, que são projetos lindíssimos feitos com comunidade, com uma música ou instrumento dito erudito ou clássico que está presente nas camadas mais populares da qual se espera, como estereótipo mesmo, que outro tipo de arte seja feita. Ao se falar do Rio, se pensa imediatamente no funk carioca, por exemplo, mas existem outras coisas acontecendo ali”.
Eventos e situações nas quais essa diversidade artística extrapola os limites do comum logo precisam ganhar espaço, mas também inevitavelmente precisam seguir uma concepção de arte. Como a professora Andrea questiona: “O que chamamos de arte popular? É uma concepção voltada para a arte como um todo, como cultura popular ou se trata de estereótipos que construímos ao relacionar arte com outros fatores da vida?”. Com as respostas certas, segundo o pensamento, a possibilidade de erros de julgamento ao que se define como arte pode ser menor.
No Museu da Imagem e do Som (MIS), São Paulo, em maio deste ano, uma feira foi conduzida por membros da comunidade LGBT que fazem vendas de filmes, roupas, artesanato e até doces artesanais. A própria coordenação do evento, em entrevista, declarou que as ideias transbordaram e o resultado final foi uma abordagem de várias linguagens e atividades. Dentre essas atividades, duas garotas donas de um blog sobre cultura pop fizeram um paralelo de um filme da geração chamada nerd com os preconceitos sofridos na realidade e, para o encerramento, foi feita uma apresentação musical de uma banda que previamente havia feito uma discussão sobre as mulheres negras na música. O diálogo de um meio artístico com outro foi bem visível no evento, diálogo este que não só ampliou o contato geral de um grupo com a cultura a qual é sujeito como também ofereceu várias faces “de uma mesma moeda”, construindo uma grande intersecção de linguagens sonoras e imagéticas.
Ainda há como exemplo dessa atividade de misturar estilos artísticos entre si a Jornada das Adaptações Literárias em Séries e Filmes, que teve lugar no dia 30 de janeiro em Salvador, como um projeto que visa mesclar a “baianidade” com a cultura pop. No informativo do evento, foram descritas as atrações – mesa-redonda sobre adaptações, análise da representação de tais obras – como sendo apresentadas “com muito dendê”, já tentando puxar o interesse do público para o acontecimento gratuito.
Para completar, a confirmação de que as artes “simples” estão sendo apreciadas pelo público está na fala de uma índia criança, do Grupo Chaskys que canta o folclore indígena pelas ruas, que comenta sobre a recepção que tiveram: “No Chile, Argentina, Bolívia, por toda a parte, o público é muito amável. Aqui no Brasil também fomos tratados muito bem. O público é o que nos dá mais ânimo”. A professora Andrea também manifestou sua opinião a respeito da importância de eventos que possibilitem a divulgação da chamada “arte de rua”, que está cada vez mais presente: “Você olha para trabalhos comunitários, as diferentes maneiras de manifestação da música e percebe que se torna cada vez mais importante não só a academia valorizar, mas também incentivar a sociedade no geral para que os diferentes tipos de manifestação artística ganhem seu espaço. Esses espaços abrem uma porta para que pessoas com diferentes olhares façam arte, permitindo um olhar de coletividade, tornando as pessoas envolvidas mais humanas”. A professora complementa ainda que a arte também traz uma ideia de evolução, logo que dá espaço ao que a sociedade como um todo está pensando e fazendo como arte, pois ao se apoiar diferentes formas de envolvimento com a arte, também está fazendo com que a área cresça para ser um reflexo do que a sociedade contemporânea vive.
Às vezes, alguns Cassavetes estão em algum lugar só esperando a chance de criar, e essa característica única do ser humano de criar e se expressar das mais diversas maneiras e nos meios menos convencionais é o que aprimora os meios de se relacionar mais humana e intensamente com o mundo.